quarta-feira, 13 de novembro de 2024

O precariado (I)

"O precariado, termo criado nos anos 1980 pela combinação do adjetivo "precário" e do substantivo "proletariado", é uma classe emergente composta por um número cada vez maior de pessoas que levam vidas de insegurança, entrando e saindo de empregos que conferem pouco significado a suas existências.
Este livro trata de responder a cinco questões fundamentais acerca do precariado: O que é essa classe? Por que devemos nos preocupar com seu crescimento? Por que ela está crescendo? Quem está ingressando nela? Para onde está nos levando? Esta última questão é crucial.
Os dois parágrafos acima foram extraídos do livro O precariado – A nova classe perigosa, de autoria do economista britânico Guy Standing, publicado pela Editora Autêntica em 2011. Livro do qual tomei conhecimento ao ler uma entrevista concedida pelo autor publicada na edição de 1º de agosto de 2016 da revista Época.
Intitulada "Estamos perto de ter gente como Trump no poder", a referida entrevista impressionou-me tanto que a transcrevi na minha pasta de ideias a serem espalhadas. Três meses após a publicação da entrevista, Trump foi eleito presidente dos EUA o que levou-me a pensar em espalhar a entrevista em uma postagem sob o longo título "Será que o economista britânico sabia quão perto estávamos do que ele dizia estar perto de ocorrer?". Acabei não publicando tal postagem naquele momento, o tempo passou, a intenção de publicá-la não foi concretizada, porém tal intenção jamais saiu da minha mente. Sendo assim, oito anos e três meses depois, diante da volta de Trump ao poder, embora tardiamente, segue a primeira parte da elucidativa entrevista. Em relação a determinadas coisas, como diz uma antiga frase: "Antes tarde do que nunca."
O uso do método Jack – vamos por partes -, conforme já explicado algumas vezes neste blog, visa não desestimular leitores de menor fôlego, ok? Segundo minha insuspeita (!!) opinião, tal entrevista é algo que precisa ser lido para que possa ser entendida a encrenca em que estamos metidos.
"Estamos perto de ter gente como Trump no poder"
  O economista britânico diz que a explosão de raiva dos eleitores ocidentais se deve ao crescimento de uma classe social, o precariado, que nunca terá um emprego formal na vida
A ascensão nos Estados Unidos de demagogos como Donald Trump e a Brexit (a decisão do Reino Unido de deixar a União Europeia) chamaram a atenção para o trabalho do economista britânico Guy Standing, sobre uma nova classe social que está por trás da explosão de raiva dos eleitores do mundo ocidental desenvolvido. Professor da Universidade de Londres, Standing estuda desde a década de 1980 o precariado, como foi batizada a crescente massa de pessoas que vivem em permanente insegurança em relação a seus empregos, rendas, vida. No livro O precariado – A nova classe perigosa (Editora Autêntica), de 2011, Standing alertou que a insegurança que caracteriza essa classe teria um impacto nocivo no cenário político.
O tempo lhe deu razão – e Standing passou a ser convidado para eventos ultrasseletos como a Conferência de Bilderberg (depois de Davos, o mais importante fórum econômico internacional), realizada em junho na Alemanha. Nesta entrevista, ele falou sobre como o precariado está desafiando as tradicionais estruturas políticas a se reinventar.
Época – O termo precariado começou a ser usado na década de 1980, mas foi o senhor quem o popularizou. O que caracteriza o precariado?
Guy Standing – O precariado consiste nas pessoas que se mantêm com empregos temporários, de meio período, casuais. São milhões de pessoas, muitas com educação superior ou diploma do ensino médio, que estão sendo postas em circunstâncias nas quais elas não têm uma narrativa ocupacional que possam dar sua vida. Isso cria uma insegurança existencial, porque elas sentem que não pertencem à sociedade. Além disso, o precariado tem de trabalhar muito em atividades que não são reconhecidas como trabalho. Se você está no precariado, tem de fazer muito networking, treinamentos, entrar em filas, preencher formulários. Ao mesmo tempo, essa classe tem um nível de estudo que está acima do nível de trabalho que ela pode esperar. Isso cria frustração.

Outro aspecto do precariado é que essa classe não tem acesso a benefícios sociais das empresas nem do Estado. Então enfrenta uma insegurança constante em relação à renda, especialmente porque os salários do precariado flutuam muito.

Época – Quais são as condições de vida do precariado?
Standing – O precariado vive à beira de um endividamento insustentável e se torna um alvo enorme de exploração. Ao mesmo tempo, o precariado não tem acesso à seguridade social, porque não tem registro de contribuição nem empregadores fixos e regulares. E, finalmente, o precariado se distingue porque esse é o primeiro grupo na história que sistematicamente perde direitos civis, sociais, culturais, políticos e econômicos. Não são as formas de trabalho e emprego que definem as pessoas do precariado, mas o fato de que elas são suplicantes que precisam pedir a autoridades por benefícios, ajuda, seguro, favores, qualquer coisa.
Época – De acordo com suas estimativas, o precariado representa entre 40% e 45% da força de trabalho em muitos países. O que essa insegurança de renda e esse "status de suplicante" significam em termos comportamentais?
Standing – Todas essas circunstâncias criam o que eu chamo de quatro "A". O primeiro A é ansiedade. O segundo A é alienação. As pessoas têm de fazer muitas coisas que não querem fazer e não podem fazer o que gostariam de fazer. Então, elas se sentem alienadas. O terceiro A é anomia, que significa um sentimento de desespero em relação às próprias circunstâncias. Isso leva ao quarto A, que é a raiva (anger, em inglês). Essa raiva está favorecendo políticos populistas e neofascistas na Europa e nos Estados Unidos.
Época – O senhor atribui boa parte das revoltas recentes – da Primavera Árabe ao movimento Occupy Wall Street – à ascensão do precariado como uma massa raivosa, mas sem consciência própria. Isso mudou?
Standing – O precariado consiste basicamente em três facções. A primeira é formada por pessoas que não têm altos níveis de educação, vêm de comunidades tradicionais de trabalhadores e olham para o passado, no sentido de ver o que os pais tinham. Esse grupo é facilmente manipulado pelos populistas e neofascistas. A segunda facção é formada por pessoas que não têm um lar, os migrantes, as minorias, os deficientes, que se sentem privados de tudo. Esse grupo é desorientado politicamente e pode ir para qualquer lado. Alguns deles recorrem a medidas extremas de autodestruição, suicídio, doenças sociais, mesmo o terrorismo individualizado irracional. A terceira facção é formada pelos jovens com altos níveis de educação que foram empurrados para o precariado. A esse grupo, foi prometido um futuro, quando eles estavam na universidade. E eles terminam endividados e frustrados. Esse grupo participou das revoltas da Primavera Árabe, do movimento Occupy, do Indignados, na Espanha, e assim por diante.

No início, essa facção estava mais unida pelas coisas que a eles se opunham do que pelas que defendiam. Isso vem mudando. Esse grupo educado atingiu um estágio de compreensão sobre a situação estrutural e passou a se ver como parte de uma classe emergente. Essa facção agora atingiu o ponto de exigir representação no Estado. Vemos grupos como o Podemos, na Espanha, o Syriza, na Grécia, e diversos outros surgindo para representar o precariado.

Termina na próxima terça-feira

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