quarta-feira, 11 de dezembro de 2024

Transumanismo

 "Há homens que lutam um dia e são bons, há outros que lutam um ano e são melhores; há os que lutam muitos anos e são muito bons, mas há os que lutam toda a vida e estes são imprescindíveis."

(Bertolt Brecht [1898 – 1956], dramaturgo, poeta e encenador alemão)
Por que inicio esta postagem com essas palavras de Brecht? Porque acredito que ele classificaria como imprescindível o autor do texto nela reproduzido. Quem é o autor? Edgar Morin. Quem é Edgar Morin? Um filósofo e sociólogo francês nascido em Paris, em 08 de julho de 1921. Onde encontrei o texto? No livro "despertemos! - um chamado para o despertar das consciências" publicado no Brasil em 2023, após ter sido publicado na França em 2022 sob o título "Reveillons-nous!". Você concorda que alguém que aos 101 anos prosseguia atuando no despertar das consciências deve ser incluído entre os que lutam toda a vida e, consequentemente, deve ser classificado como imprescindível? Hoje, aos 103 anos, creio que ele ainda prossegue atuando no despertar das consciências.
Transumanismo
Na década de 1980, surgiu o transumanismo, que questiona a natureza humana e a natureza da sociedade para transformá-las. Retoma o mito que a crise ecológica parecia capaz de descartar definitivamente: o do domínio do homem sobre o mundo. O transumanismo conduz a uma metamorfose antropológica em que o humano se tornaria meta-humano, sobre-humano e pós-humano. Com base nas novas possibilidade de intervenção biológica (células-tronco, modificação do DNA e dos telômeros, órgãos artificiais), o transumanismo prevê o prolongamento da vida humana sem senilidade. Mas esse prolongamento não pode ser infinito e tornar-se imortalidade, pois os humanos não poderão erradicar vírus, bactérias, acidentes nem desastres naturais. A morte pode recuar, mas não pode ser derrotada.
E mais: caberá delegar a empresas científicas voltadas para o lucro o direito de criar, por meio de manipulações genéticas, espécimes pós-humanos perigosos? Essas tentativas de aprendizes de feiticeiros poderiam criar monstros.
Outro mito transumanista é o de uma sociedade harmoniosamente regulada pela inteligência artificial, que aboliria qualquer desordem. Mas a abolição da desordem exclui a iniciativa e a criatividade. Ordem impecável é ordem implacável.
O reino da inteligência artificial sobre a sociedade humana seria o de Matrix: a grande máquina anônima que governa todos os indivíduos. O perigo não vem dos robôs, mas do risco de que os humanos se tornem robôs.
Toda a filosofia transumanista mascara o verdadeiro problema da humanidade, que não está no aumento quantitativo de seus poderes, mas na melhoria qualitativa das condições de vida e das relações humanas. A questão essencial não é mudar a natureza humana, mas inibir o pior e promover o melhor que há nela. O transumanismo escamoteia a necessidade fundamental de regenerar o humanismo.
Paralelamente, a onda neoliberal propaga-se pelo mundo desde a década de 1980. A integração técnico-econômica mundial, conhecida como globalização, é realizada sob sua égide no final do século XX. O neoliberalismo globalizado nada mais é que a onipotência globalizada do lucro. O planeta está submetido a esse poder que causa desastres ecológicos e à sujeição de populações, provocando múltiplas revoltas, sempre reprimidas.
Fica claro, portanto, que a nova era une indissoluvelmente o destino da Terra, o da Vida e o da Humanidade em todas as áreas. Traz em si, ao mesmo tempo, perigo mortal e perspectiva de metamorfose.
Também fica claro que o principal motor desse devir ameaçador é o frenesi de poder produzido pela trindade ciência-tecnologia-economia, cada vez mais impulsionada pela dominação insaciável do lucro, bem como pela energia implacável dos Estados.
Fica claro que o progresso traz seu quinhão de retrocessos e desastres.
Fica claro que o excesso de poder criou um excesso de impotência.
Fica claro que essas mesmas forças devastadoras produzem retrocesso político e social generalizado no mundo, e que a crise da democracia conduz ao estabelecimento de Estados neoautoritários e/ou dominados por interesses financeiros.
É nessas condições que surge a pandemia de covid-19, causadora de uma crise sanitária mundial que acarreta a proliferação de crises interdependentes e interagentes que afetam a totalidade da experiência humana, desde a saúde individual, as inter-relações humanas, o trabalho, a vida cotidiana e a vida econômica, social e política das nações, até o conjunto de nosso mundo. Essa crise revela que as interdependências da globalização técnico-econômica não trouxeram solidariedade; põe em xeque problemas de autonomia e dependência das nações. Ao mesmo tempo, coroa a comunhão de destinos da humanidade com o perigo e a ameaça de uma crise coletiva gigantesca, mas sem que essa comunhão de destinos seja consciente. Ao contrário, as ansiedades despertadas pela enorme crise provocam fechamentos identitários e a incriminação de bodes expiatórios. Reinam a inconsciência e o sonambulismo.
Estamos agora no coração da crise, e a crise está no coração da humanidade.
*************
Será que também fica claro que o instigante texto de Edgar Morin deve provocar em nós uma considerável quantidade de reflexões?

Nenhum comentário: