O simples fato de serem dotados
de dois ouvidos e apenas uma boca, deveria tornar óbvia - aos integrantes de
uma pretensa espécie inteligente do universo - a proporção adequada ao uso dos
referidos órgãos: ouvir mais e falar menos. O problema é que a incapacidade de
percepção de obviedades parece-me ser um dos graves defeitos apresentados pela
maioria dos integrantes da referida espécie.
A edição
280 da revista Vida
Simples, referente a junho de 2025, traz, em uma coluna intitulada Gente
de Verdade, um instigante texto que, lido por mim, imediatamente,
provocou-me o desejo de espalhá-lo por meio deste blog. Intitulado "Quando
você cala, alguém floresce", o texto é de autoria de Jacqueline Pereira.
No "rodapé" da coluna, Jacqueline é apresentada assim: "Jacqueline
Pereira tem fé no ser humano. Idealizadora do projeto Gente de Verdade, ela
também é especialista em pessoas, terapeuta holística, palestrante e condutora
de imersões espirituais. Escreve todos os meses neste espaço. @gente.deverdade".
Feito esse preâmbulo, segue o referido texto.
Quando
você cala, alguém floresce
Rubem
Alves, educador e escritor, dizia que "todo mundo quer aprender a falar,
mas ninguém quer aprender a ouvir". Confesso: por muito tempo, fui assim.
Ouvia com pressa, na verdade mal ouvia. Já estava preparando minha resposta
enquanto o outro ainda se derramava. Eu não escutava, eu me adiantava. E, sem
perceber, roubava o espaço sagrado onde a alma do outro poderia florescer.
Aprender
a ouvir é um dos exercícios mais bonitos - e mais desafiadores - que a vida nos
propõe. Isso porque escutar de verdade exige inteireza, e inteireza é mais do
que atenção: é presença inteira, é deixar de ser o centro por alguns instantes
para que o outro possa existir em nós.
O
silêncio necessário à escuta não é apenas o da boca. É o silêncio do ego.
Aquele ego que tem pressa, que quer intervir, responder, aconselhar, opinar,
resolver, dar a última palavra. Mas quem escuta não tem missão de resolver, tem
missão de acolher. Porque há dores que não pedem solução, pedem apenas espaço
para respirar.
Escutar é
uma forma de amor. Quando calamos para que o outro fale, estamos dizendo: "Você
importa, sua história merece lugar, seus sentimentos são válidos".
Sócrates dizia: "Fala, para que eu possa te ver". E talvez não haja
forma mais bonita de ver alguém do que escutando com o coração.
A escuta
verdadeira cura, aproxima, pacifica. Ela desarma mágoas, desfaz mal-entendidos,
evita rupturas. E o mais surpreendente é que, ao escutarmos o outro com
profundidade, algo em nós também se amansa e se transforma. É como se a alma,
ao servir de abrigo, também fosse curada.
Rubem
Alves, poeta do cotidiano, compara o exercício da "escutatória" ao
mergulho marítimo. "No fundo do mar a boca fica fechada. Somos todos olhos
e ouvidos. Aí, livres dos ruídos do falatório e dos saberes da filosofia,
ouvimos a melodia que não havia... Que de tão linda nos faz chorar. Para mim,
Deus é isto: a beleza que se ouve no silêncio. Daí a importância de saber ouvir
os outros".
Mas como
aprender a escutar? Primeiro, é preciso desacelerar. Escutar não combina com
urgência, com afobação. Depois, aprender a esvaziar-se. Tirar do caminho os
próprios julgamentos, opiniões e respostas prontas. Estar ali, inteiro, para o
outro. E, acima de tudo, cultivar o silêncio interno, aquele que não se apressa
em responder, mas se abre para compreender.
Ouvir com
inteireza é oferecer ao outro a chance de florescer - e, nesse florescer, a
gente também se transforma. Porque há uma beleza profunda e silenciosa em
escutar: a beleza de deixar o amor falar - e ressoar -, sem dizer uma só
palavra.
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