terça-feira, 3 de outubro de 2023

O Espírito Capitalista - A sinceridade indesculpável (I)

 "Perdemos a capacidade de indignar-nos. Do contrário o mundo não estaria como está."

(Autoria não identificada por mim)
"Mas a vida é uma caixinha de surpresas!", eis o bordão usado pelo narrador da saga de Joseph Climber. Bordão que tive oportunidade de verificar a veracidade inúmeras vezes, tendo a mais recente delas ocorrido no dia 10 de setembro de 2023 na ida à Bienal do Livro Rio. Verificação relatada nos parágrafos iniciais da postagem intitulada O Espírito Capitalista publicada três dias depois.
Mas a vida é também outra caixinha: uma caixinha de coincidências. Caixinha que, coincidentemente, foi mais uma vez aberta diante de mim. Qual foi a coincidência? No dia seguinte à publicação da postagem intitulada O Espírito Capitalista, uma ida ao You Tube propiciou-me descobrir um vídeo intitulado "Bilionário sincero, diz que aumentar o desemprego é bom para os capitalistas.", encontrável no endereço https://www.youtube.com/watch?v=3Csmpv_6Ljw até o momento da publicação desta postagem. É ou não uma coincidência? Segue a transcrição da tradução da fala do bilionário sincero.
"Eu acho que o problema que tivemos é que as pessoas decidiram que não queriam mais trabalhar tanto, depois da COVID, e isso teve um grande impacto na produtividade. Trabalhadores reduziram sua produtividade. Eles foram muito bem pagos para fazer pouco nos últimos anos e precisamos mudar isso.
Precisamos aumentar o desemprego. O desemprego precisa aumentar entre 40 e 50%. Precisamos fazer a economia sofrer. Precisamos lembrar às pessoas que elas trabalham para o empregador, não o contrário.
Existe uma mudança sistemática onde o trabalhador considera que o patrão tem sorte em ter os funcionários e deveria ser o contrário. Então essa dinâmica precisa mudar. Precisamos matar esse pensamento e isso acontece quando machucamos a economia, que é o que o mundo está tentando fazer. Governos do mundo inteiro estão tentando aumentar o desemprego para conseguir um pouco de normalidade."
Sim, como diz o bilionário sincero, "aumentar o desemprego é bom para os capitalistas". Até porque, neste planeta assolado por uma imoral desigualdade social, quase tudo o que for ruim para os demais integrantes é bom para os bilionários capitalistas. E ao falar em demais integrantes vem-me à lembrança algo que li na coluna de Mauro Santayana na edição de 22 de junho de 2008 do Jornal do Brasil sob o título A guerra entre os ricos e os pobres, e que reproduzo a seguir.
"Entre as assustadoras denúncias de projetos do neoliberalismo e da globalização, para a exclusão, há a de um encontro ocorrido na Califórnia, nos anos 80, em que alguns economistas e sociólogos americanos e europeus, sob o patrocínio dos banqueiros, concluíram que era necessário afastar do consumo 4/5 da população mundial, a fim de garantir o padrão de vida dos 20% de ricos restantes. Os demais deveriam ser marginalizados da comunidade planetária, até sua extinção, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. Os fatos parecem confirmar esse monstruoso projeto, que a consciência ética (a cada dia mais escassa) abomina."
"Os demais deveriam ser marginalizados da comunidade planetária, até sua extinção, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. [...] a fim de garantir o padrão de vida dos ricos restantes", eis, segundo Mauro Santayana, o "monstruoso projeto discutido em um encontro patrocinado pelos banqueiros ocorrido há cerca de 40 anos". Os demais! Sim, segundo os banqueiros, este planeta tem gente demais. Vida que segue e em um fórum de negócios ocorrido em Sydney, nos anos 20, do século 21, o fundador e dono do Gurner Group, conclui que é necessário afastar do emprego um determinado percentual de trabalhadores, pois há empregos demais.
Voltando a algo dito no terceiro parágrafo acima - "quase tudo o que for ruim para os demais integrantes do planeta é bom para os bilionários capitalistas" -, eis uma pequena relação de algumas de tais coisas ruins: criminalidade, violência, insegurança, medo, guerra, doenças (físicas e psicológicas), mutilações, infelicidade, desemprego. Apresentada a relação, passemos a alguns comentários sobre algumas delas, começando pela criminalidade.
"Uma executiva do ramo, Diane McClure, tranquilizou os acionistas, em outubro de 1997, com uma boa notícia: 'Nossas análises do mercado mostram que o crime juvenil continuará crescendo'. (...) 'Afinal, presídio quer dizer dinheiro', diz Nils Christie, um criminologista citado na mesma página em que é citada a executiva."
De onde é a referida página? Do livro De Pernas Pro Ar – A Escola do Mundo ao Avesso, do extraordinário Eduardo Galeano (1940 – 2015), publicado em 1997. Será que de lá para cá a ideia de "presídio querer dizer dinheiro" foi abandonada ou está ainda mais pujante?
E se 'presídio quer dizer dinheiro', o que querem dizer violência, insegurança e medo, três coisas que têm tudo a ver com criminalidade? Dinheiro, muito dinheiro, verdadeiras indústrias. Com medo da violência e da insegurança, o que fazem as pessoas? Colocam uma quantidade cada vez maior de trancas nas portas; grades nas janelas; cercas elétricas e concertinas em muros cada vez mais altos, transformando as residências em autênticos presídios particulares onde os presos são elas mesmas. E tome de dinheiro gasto em hipotética segurança superficial, pois, no fundo, ninguém está realmente seguro em lugar algum. Até porque, parafraseando uma frase que diz "Cidade limpa não é a que mais se varre; é a que menos se suja", "Cidade segura não é aquela na qual mais se prende; é aquela na qual menos se delinque".
Considerando a estupenda quantia que rende a indústria que envolve a violência, a insegurança e o medo, no que depender dos bilionários capitalistas, essas são três coisas cuja extinção jamais passará pelas suas cabeças. Muito pelo contrário, dessas três coisas, o que eles querem é mais, cada vez mais!
- Quer dizer que podemos gerar o medo...
-... e depois vender proteção!
- Nossa, Henry. Sua ideia me dá calafrios...
- Olha aí, já temos o primeiro cliente!
Onde encontrei esse curto diálogo? Em uma tirinha do extraordinário André Dahmer intitulada Encontro Anual dos Donos do Mundo. Tirinha cuja imagem usei na postagem intitulada "Para o lucro crescer, o fator medo tem que crescer", publicada em 13 de janeiro de 2016. Gerar o medo ... e depois vender proteção! Gerar o medo, lucrar com a venda de proteção, fazer crescer o medo e, consequentemente, fazer crescer o lucro com a venda de proteção!
Continua na próxima segunda-feira

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