"A grandeza de uma profissão é
talvez, antes de tudo, unir os homens: não há senão um verdadeiro luxo e esse é
o das relações humanas."
(Antoine de Saint-Exupéry)
Exibida em
uma propaganda de automóveis que talvez ainda esteja sendo veiculada na
televisão, mais do que uma estatística, considero a afirmação que intitula esta
postagem uma explicação para o deplorável estágio de evolução moral em que se encontra
a autodenominada espécie inteligente do universo, como procuro demonstrar a
seguir.
Para
começar, na afirmação feita na propaganda, troquemos "têm a profissão que sonhavam" por "têm uma
profissão que gostam". Afinal, em um mundo onde a combinação de um estupendo
desenvolvimento tecnológico com um estúpido subdesenvolvimento humano e social produz
as condições ideais para a extinção de empregos e, consequentemente, leva uma
imensa quantidade de indivíduos a se ver diante da escolha entre trabalhos precários
ou desemprego, enxergo a possibilidade de sonhar com determinada profissão como
algo raríssimo acessível a uma ínfima quantidade de pessoas. Quanto ao número
que deve substituir o 7, é algo sobre o qual não consigo opinar sem recorrer a
ajuda de uma parábola atribuída ao escritor, poeta e ensaísta
francês Charles Péguy (1873 - 1914), intitulada A parábola dos três pedreiros que é mais ou menos assim.
Certo dia, um viajante, percorrendo uma estrada, deparou-se com uma obra em início de construção. Três pedreiros, com suas ferramentas, trabalhavam na fundação do que parecia ser um importante projeto. O viajante aproximou-se curioso e perguntou a um deles o que estava fazendo.- Estou quebrando pedras, não vê? - respondeu o pedreiro, expressando no semblante um misto de dor e sofrimento. Estou morrendo de trabalhar, isto aqui é um meio de morte, as minhas costas doem, minhas mãos estão esfoladas eu não suporto mais este trabalho, concluiu.Não satisfeito, o viajante dirigiu-se ao segundo pedreiro e repetiu a pergunta.- Estou ganhando a vida, respondeu. Não posso reclamar, pois foi o emprego que consegui. Estou conformado porque levo o pão de cada dia para minha família.Querendo saber o que seria aquela construção, o viajante dirigiu-se ao terceiro pedreiro e repetiu a pergunta.- Estou ajudando a construir uma Catedral!
Três
pedreiros, três respostas diferentes para a mesma pergunta. Respostas com as
quais cada um revelava o que sua profissão significava para si. Para o primeiro, ela
significava dor e sofrimento e, consequentemente, lhe fazia mal. O segundo estava
conformado, pois sua profissão lhe possibilitava levar o pão de cada dia para a
sua família, e sendo assim ele a exercia por obrigação. Já o terceiro pedreiro
tinha a consciência da importância do que fazia. Tinha o sentimento elevado de
participar de uma grande realização, o que lhe dava força, energia, ânimo,
felicidade.
"Só 7 em cada 100 adultos têm a profissão que sonhavam.", diz
a afirmação exibida na propaganda.
"Só 1 dos 3 pedreiros tem uma
profissão que gosta, eis uma afirmação que se pode fazer a partir das respostas
dos pedreiros.
Só 33 em cada 100 adultos têm
uma profissão que gostam, eis uma afirmação que considero plausível, se considerarmos
todas as profissões, a proporção de 1 para 3 citada no parágrafo anterior e a
insatisfação profissional que enxergo nesta sociedade onde a maioria dos
indivíduos executa sua tarefas profissionais com espírito semelhante ao do segundo
pedreiro da parábola, ou seja, apenas por obrigação. Apenas para se livrar da
tarefa e, consequentemente, com nenhum esmero.
Será que
alguém que exerce uma profissão de que não goste consegue realizar alguma coisa
com esmero? Será que com a maior parte de seus integrantes fazendo coisas sem
esmero, coisas que não prestam, é possível construir um mundo que preste? Não,
não acredito que isso seja possível. E as indagações continuam!
Será que é
difícil perceber que, em última análise, exercer uma profissão significa servir
a alguém? E ao fazer esta indagação, eu a associo à afirmação que epigrafa esta
postagem. "A grandeza de uma profissão é talvez, antes de tudo, unir os
homens: não há senão um verdadeiro luxo e esse é o das relações humanas.",
diz Antoine de
Saint-Exupéry.
Será que,
à luz da afirmação de Saint-Exupéry, faz sentido afirmar que, exercidas por
indivíduos que não gostem delas, as profissões se apequenem e que, sendo assim,
em vez de unir os homens o que elas fazem é desuni-los? Será que desunidos os
homens conseguirão, algum dia, construir algo que faça jus ao termo
civilização?
Iniciei esta
postagem dizendo que, mais do que uma estatística, considero a afirmação feita
na propaganda que a provocou uma explicação para o deplorável estágio de evolução
moral em que se encontra a autodenominada espécie inteligente do universo.
Consideração que procuraria demonstrar com o que seria dito a seguir. Prossegui
com a apresentação da interessante parábola atribuída a Charles Péguy e de uma
série de instigantes indagações e termino-a com mais algumas indagações.
Será que
consegui demonstrar o que eu pretendia?
Você se
identifica com algum dos três pedreiros?
Onde você
se coloca na afirmação "Só 33 em cada 100 adultos têm uma profissão que gostam"? Nos
33% ou nos 67%?
Será que só
eu sou vítima de serviços mal prestados?
Será que
eu coloco esmero nos serviços que presto?
Será que
você coloca esmero nos serviços que presta?
Uma
simples frase extraída de uma propaganda e tantas indagações e reflexões por
ela provocadas! E após tantos "será?", foi
inevitável lembrar a bela canção da banda Legião
Urbana e dela pegar emprestadas as
seguintes indagações. Será só imaginação? Será que nada vai
acontecer? Será que é tudo isso em vão? Será que vamos conseguir vencer?
Vencer nossa inclinação a colocar esmero apenas
quando fazemos alguma coisa que gostamos de fazer e passar a colocá-lo também
em qualquer serviço que prestemos a alguém, pois, como diz Saint-Exupéry, "A
grandeza de uma profissão é talvez, antes de tudo, unir os homens". Ou
seja, passar a fazer tudo com esmero, e dessa forma tornar-se um praticante daquela
que é conhecida como a regra de ouro: "Não
faças aos outros o que não queres que os outros façam a ti.". É difícil? Sim,
é muito difícil! Mas como diz o protagonista do filme Patch Adams – O amor é
contagioso, ao ouvir que o que pretende
fazer é algo muito difícil, "Tudo o que vale a
pena fazer é difícil.".
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