"A diferença entre o remédio e o veneno é a
dose."
(Paracelso [1493 –1541], médico, alquimista, físico
e ocultista)
"(...) ele
vem sendo um período empolgante, para alguns entusiastas do trabalho remoto.
Eles argumentam que os trabalhadores em quarentena estão vislumbrando o nosso
glorioso futuro livre de escritórios. (...) Matt Mullenweg,
presidente-executivo da Auttomatic, (...) vê algo de positivo no coronavírus.
Em texto publicado em seu blog, ele escreveu que "isso também pode
oferecer a muitas companhias a oportunidade de, enfim, construir uma cultura
que incorpore mais flexibilidade no trabalho, algo que já deveria existir",
diz Kevin Roose.
Descrito, pela primeira vez, no final do
século XV, por Frei Luca Pacioli ou Paciollo, o Método das Partidas Dobradas,
no qual está fundamentada a Contabilidade, diz o seguinte: "Cada transação
financeira é registrada na forma de entradas em pelo menos duas contas nas
quais o total de débitos deve ser igual ao total de créditos". Por que
cito-o aqui? Porque vejo-o como uma daquelas coisas criadas com uma finalidade
cujo uso pode ser estendido a inúmeras aplicações. Vocês concordam que cada
criação humana pode ser vista como algo registrável em pelo menos duas contas
nas quais o total de benefícios deve ser comparado ao total de malefícios?
Vocês enxergam o Método das Partidas Dobradas como algo aplicável a
própria vida? Vocês conseguem enxergar que a libertação da presença física no
escritório por oito horas diárias tem como contrapartida a escravização à
disponibilidade para atender solicitações (ou seriam imposições?) da chefia por
vinte e quatro horas diárias?
"Trabalhei
remotamente por dois anos, algum tempo atrás. Na maioria do tempo, eu era um
defensor ferrenho do trabalho em casa e relatava a qualquer pessoa que quisesse
ouvir os benefícios de evitar o escritório. (...) Mas tenho pesquisado os lados
positivos e negativos de trabalhar em casa para um novo livro sobre a
sobrevivência humana na era da inteligência artificial e automação. E terminei
por chegar a uma conclusão completamente diferente. A maioria das pessoas
deveria trabalhar em escritórios, ou perto de outras pessoas, e evitar arranjos
que as levem a trabalhar sozinhas em casa, sempre que possível.", diz
Kevin Roose.
Vocês concordam
que pesquisar lados positivos e negativos de qualquer novidade, em vez de adotá-la,
simplesmente, por ser o que todo mundo faz, dificilmente deixará de levar-nos a
conclusões completamente diferentes? "O problema é que somos animais
sociais. Estamos acostumados a viver em grupos, a interagir com familiares e
amigos.", diz o biólogo Fernando Reinach em artigo intitulado Como reduzir o custo psicológico do
isolamento, publicado na edição de 15 de março de 2020 do jornal O Estado de S. Paulo. Interação, eis
algo imprescindível à evolução humana.
"'Há um elemento de interação social que
é verdadeiramente importante', disse Laszlo Bock, presidente-executivo da
Humu, startup de recursos humanos no Vale do Silício. Bock, que foi vice de
recursos humanos do Google, disse que, para a maioria das pessoas, o ideal é
encontrar um equilíbrio entre trabalho em escritório e remoto. As pesquisas de
sua empresa constataram que o prazo ideal de trabalho em casa é de 1,5 dia por
semana - o bastante para participar da cultura do escritório, mas com tempo
para trabalho de foco mais profundo."
"O ideal é encontrar um
equilíbrio entre trabalho em escritório e remoto.",
disse Laszlo Bock. Sim, o ideal - em tudo o que se faça na vida - é encontrar a dose certa, pois
como disse Paracelso - "A diferença entre o remédio e o veneno é a
dose.". E ao falar em encontrar o ideal, em termos de algo possibilitado
pela tecnologia, Laszlo Bock faz-me lembrar algo dito por Amber Case
(antropóloga digital) em uma reportagem de Fernando Scheller publicada
na edição de 22 de junho de 2016 do jornal O Estado de S. Paulo. O que disse ela? "A
quantidade ideal de tecnologia na vida de uma pessoa é a mínima
necessária."
"Não me
entenda mal. Trabalhar de casa é uma boa opção para pais com filhos pequenos,
pessoas que sofrem de deficiências e para trabalhadores que não se acomodam bem
ao esquema tradicional de um escritório. (...) Mas, para aqueles de nós que têm
a sorte de trabalhar de casa, com ou sem o coronavírus, algumas palavras de
cautela caem bem.", diz Kevin Roose.
"A aprendizagem não consiste apenas em
saber o que devemos ou podemos fazer, mas também saber o que poderíamos fazer
e, talvez, não deveríamos", disse Umberto Eco, escritor italiano, em entrevista à Agência
EFE, em 2015. O que tem tal afirmação a ver com esta postagem? A ideia de que
nem tudo que se pode usar, se deve usar. A ideia de que nem tudo que é criado,
principalmente em termos de tecnologia, precisa ser usado por todos. A tecnologia nos disponibiliza
tudo o que se pode fazer; a sabedoria nos possibilita identificar o que se deve
fazer. "O
fascínio pelo progresso nos faz cegos para o apocalipse.", disse Gunther
Anders [1902 – 1992], filósofo alemão, em 1957. A troca de "pelo
progresso" por "pela tecnologia" mantém válida tal afirmação.
"Estudos constataram que a coesão das equipes sofre
nos ambientes de trabalho remotos. (...) Estar perto de outras pessoas também
permite que expressemos nossas qualidades mais humanas, como a empatia e a
colaboração. Essas são capacidades que não há como automatizar. E são elas que
produzem os contatos interpessoais significativos que nos fazem falta quando
ficamos confinados em casa."
Sim, é a
proximidade com outras pessoas que possibilita que expressemos as qualidades
que nos possibilitarão, em algum dia, "tornarmo-nos" seremos verdadeiramente humanos. Será que algum
(a) de vocês jamais ouviu um comentário do tipo – Puxa! Pessoalmente você é bem
diferente de como eu o (a) imaginava? Eu ouvi inúmeras vezes. Sim, é a
proximidade com outras pessoas que possibilita a coesão imprescindível para a
transformação de um grupo em uma equipe. Transformar grupos em equipes eis uma
das coisas mais difíceis de conseguir em ambientes de trabalho.
"Como trabalhador de escritório e membro
da geração milênio, deveria torcer pela revolução do trabalho remoto. Mas
compreendi que não dou o meu melhor, como ser humano, se estiver usando calça
de moletom e fingindo prestar atenção a videoconferências entre visitas à
geladeira. Vou ficar em casa enquanto meus patrões e as autoridades de saúde
assim determinarem. Mas, honestamente, mal posso esperar para voltar ao
trabalho.", diz Kevin Roose.
Como aposentado de
escritório e membro da geração milênio (nascida nos últimos 50 anos do milênio
anterior), felizmente, o "home office" já encontrou-me "at
home", pois, na condição de alguém que
durante 3,7 décadas trabalhou interagindo presencialmente com tantas pessoas
interessantes, seria bastante difícil contentar-me com um cafezinho virtual. "Mas
algumas pessoas talvez jamais se contentem com um cafezinho virtual.", diz
Kevin Roose no antepenúltimo parágrafo de sua reportagem. Incluo-me entre tais
pessoas.
"Home office imposto pelo coronavírus rouba alegria e
criatividade do cafezinho", eis o título da reportagem que provocou estas
reflexões. Reflexões nas quais quero deixar registrada minha gratidão às tantas
pessoas interessantes que ao longo de minha trajetória profissional
proporcionaram-se inúmeros momentos de alegria, de criatividade e de
companheirismo em inesquecíveis cafezinhos.
"O ser humano é analógico. Por mais que a revolução digital
tenha trazido o conforto de nos livrar das filas de banco ou dos caixas de
supermercado, a vida parece esvaziada quando tiramos dela todo seu aspecto
físico. A experiência humana só é completa quando multissensorial.", diz o
psiquiatra Daniel Martins de Barros em sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo na edição de 07 de
abril de 2019.
"As gerações futuras terão dificuldade em acreditar
que um espírito como Gandhi pisou neste planeta.", disse Albert Einstein
em uma afirmação que uso para fazer a seguinte paráfrase: "As gerações
futuras terão dificuldade em acreditar que houve tempos em que pessoas que interagiam
presencialmente e não se contentavam com interações virtuais pisaram neste
planeta.
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