terça-feira, 7 de abril de 2020

Reflexões provocadas por "Vivemos um totalitarismo financeiro, em que tudo é justificado pelo mercado"

"No hemisfério Norte, os CEOs das grandes empresas transnacionais estão ocupando o posto da política. Ou os políticos são reféns deles.", diz Eugenio Raúl Zaffaroni na reportagem-entrevista espalhada pela postagem anterior.
E ao dizer que "os políticos são reféns dos CEOs das grandes corporações transnacionais", Zaffaroni faz-me a lembrar algo dito por Helio Gurovitz em sua coluna no jornal O Estado de S. Paulo na edição de 15 de abril de 2018. Intitulado Por que Zuckerberg não teme o Congresso, eis o texto:
"Apesar das dez horas de interrogatório, Mark Zuckerberg não tem motivo para preocupação. São remotas as chances de regulação rígida das gigantes tecnológicas. Elas empregam mais de 500 lobistas e gastam mais de US$ 50 milhões por ano para domar Washington. O Facebook doou US$ 5,5 milhões a políticos desde 2007. Só os deputados e senadores que interrogaram Zuck receberam US$ 600 mil desde 2013, diz o Center for Responsive Politics."
"As gigantes tecnológicas gastam mais de US$ 50 milhões por ano para domar Washington!". Será que isso explica Por que Zuckerberg não teme o Congresso? Será que faz sentido acreditar que domados são capazes de atemorizar alguém? E ao falar em gastar dinheiro para domar Washington, Gurovitz desperta o método das recordações sucessivas ao fazer-me lembrar de um imperdível documentário intitulado "Park Avenue: Dinheiro, Poder e o Sonho Americano - Por que Pobreza?". Documentário que, até o momento em que esta postagem foi publicada, estava disponível em https://www.youtube.com/watch?v=Zzjdwi1dG_w.e e do qual extraí o seguinte trecho:
"O dinheiro manda na política americana. E nenhum dinheiro manda tanto quanto o de David Koch. (...) Juntos, os irmãos Koch gastaram mais dinheiro para influenciar a política que qualquer outra pessoa no país. Em 1980, David Koch concorreu à vice-presidência pelo partido libertário. Seu desempenho foi péssimo. O partido libertário recebeu 1% dos votos em 1980. A partir disto, tiveram que achar outro modo de usar suas idéias para influenciar a política. Então, os Koch usaram dinheiro para pôr seus planos em prática. Eles doaram quantias generosas a candidatos, mas, acima de tudo, investiram pesado em grupos que pudessem levar suas idéias antigovernistas à política convencional.
"E nenhum dinheiro manda tanto na política americana quanto o de David Koch", diz um trecho do imperdível documentário. Tendo fracassado na tentativa atuar diretamente na política, o que fizeram os Koch? Usaram dinheiro para pôr seus planos em prática. E usaram tanto que levaram uma jornalista a escrever um livro no qual eles são protagonistas. Sob o título Livro mostra como bilionários influenciam política nos EUA, há na edição de 24 de dezembro de 2016 do jornal Folha de S. Paulo uma matéria da qual extraí os dois parágrafos reproduzidos a seguir.
"A primeira incursão dos Koch para tentar moldar o debate nos EUA deu-se em 1980, quando David se candidatou a vice-presidente pelo Partido Libertário. Mesmo com um gasto em campanha fora dos padrões para a época, a tentativa foi um fracasso.
Depois da derrota, os irmãos decidiram mudar seus objetivos. Segundo Mayer, eles concluíram que políticos são atores que leem palavras de um roteiro e que o papel deles deveria ser o de escrever esse roteiro."
"Segundo Mayer, 'eles concluíram que políticos são atores que leem palavras de um roteiro e que o papel deles deveria ser o de escrever esse roteiro'." Quem é Mayer? É a jornalista Jane Mayer, autora do livro-reportagem "Dark Money", escolhido como um dos dez melhores de 2016 pelo "The New York Times". Quem são eles? São os irmãos Charles e David Koch, a segunda família mais rica dos EUA, segundo a "Forbes". Eles também são os protagonistas do referido livro. Onde obtive as respostas a essas duas indagações? Na própria matéria citada no terceiro parágrafo acima. Matéria que, para quem for assinante da Folha digital, pode ser vista no endereço http://www1.folha.uol.com.br/mercado/2016/12/1843881-livro-mostra-como-bilionarios-influenciam-politica-nos-eua.shtml.
Charles e David Koch "concluíram que políticos são atores que leem palavras de um roteiro e que o papel deles deveria ser o de escrever esse roteiro". Escrever roteiros para os políticos eis o papel dos irmãos Koch e dos endinheirados deste planeta. Escrever roteiros usando os "serviços" de um sinistro tipo de indivíduos denominados lobistas. E aqui, mais uma vez o método das recordações sucessivas faz-me lembrar do documentário intitulado "Park Avenue: Dinheiro, Poder e o Sonho Americano - Por que Pobreza?" para dele trazer as seguintes palavras:
"O projeto de lei, raramente ou nunca, é redigido pelo congressista depois de ouvir um grupo diversificado de cidadãos. Ele e sua equipe são muito ocupados. Então, eles, muitas vezes no passado, e ainda hoje, usam os "serviços" dos lobistas para redigir os projetos de leis. Os lobistas apresentam o esboço exato que eles querem, porque têm que garantir que é exatamente do que precisam. O lobista precisa ir a quem decide, ao congressista e sua equipe, e isso infelizmente envolve pagamento de dinheiro. Quando temos campanhas que custam milhões de dólares, as pessoas que detêm o dinheiro querem algo em troca. O dinheiro é usado para comprar resultados. Eu fazia assim. Eu sei o que eu fazia."
De quem são tais palavras? Do ex-lobista Jack Abramoff, considerado o símbolo máximo da corrupção, e que após 4 anos numa prisão federal por suborno de funcionários públicos, viaja pelo país para promover reformas. Palavras ditas pelo próprio no documentário. Mas o imperdível documentário traz mais depoimentos sinistros. De Jeffrey Sachs, apresentado no documentário como Professor de Economia da Universidade de Columbia, ele traz as seguintes palavras:
"Washington é praticamente operada pelo setor corporativo americano. Há tantos bilhões de dólares gastos com lobby, há tantos lobistas redigindo leis hoje em dia, há tanto financiamento de campanhas políticas, há tantos políticos comprados."
Nascido em 5 de novembro de 1954, Jeffrey David Sachs é um economista americano, acadêmico, analista de políticas públicas e ex-diretor do Instituto Terra na Universidade de Columbia, onde detém o título de professor universitário. Ele é conhecido como um dos maiores especialistas do mundo em desenvolvimento econômico e combate à pobreza, diz a Wikipédia.
"As pessoas a seguir se recusaram a serem entrevistadas ou não responderam às numerosas solicitações: Charles Koch / David Koch / Paul Ryan / Charles Schumer / Steve Schwarzman / John Thain", eis a "página" final do documentário.
"O projeto desse totalitarismo é criar uma sociedade com 30% de incluídos e 70% de excluídos.", diz Eugenio Raúl Zaffaroni na reportagem-entrevista espalhada pela postagem anterior, levando-me, imediatamente, a lembrar algo que li na edição de 22 de junho de 2008 do Jornal do Brasil. Em um artigo intitulado A guerra entre os ricos e os pobres, Mauro Santayana diz o seguinte:
"Entre as assustadoras denúncias de projetos do neoliberalismo e da globalização, para a exclusão, há a de um encontro ocorrido na Califórnia, nos anos 80, em que alguns economistas e sociólogos americanos e europeus, sob o patrocínio dos banqueiros, concluíram que era necessário afastar do consumo 4/5 da população mundial, a fim de garantir o padrão de vida dos 20% de ricos restantes. Os demais deveriam ser marginalizados da comunidade planetária, até sua extinção, mais cedo ou mais tarde, de uma forma ou de outra. Os fatos parecem confirmar esse monstruoso projeto, que a consciência ética (a cada dia mais escassa) abomina."
Será que faz sentido associar o que Mauro Santayana disse em 2008 ao que Eugenio Raúl Zaffaroni disse em 2020? Será que faz sentido afirmar que, em termos de ferrar (para não usar uma palavra mais contundente) os que não pertencem ao seu grupo (ou seria a sua gangue?), a persistência dos ricos pode ser classificada como indomável? O que vocês acham?
Que esta postagem ficou longa é algo que não devo contestar, mas há dois trechos da entrevista de Zaffaroni sobre os quais não consigo deixar de falar.
"Mas os excluídos têm de acreditar que não estão excluídos, que este é o normal e é o melhor que pode acontecer."
"Outra característica da exclusão desse totalitarismo é a meritocracia, a crença de que tudo o que se tem é fruto da sua luta individual e, portanto, de merecimento. Como se esses indivíduos não fizessem parte de uma sociedade e não houvesse um Estado a prover direitos básicos. Tudo se torna mérito pessoal, o que cria pessoas mesquinhas."
E após as afirmações acima, termino esta postagem com duas indagações. Será que vocês conseguem não enxergar que fazer os excluídos acreditarem que não estão excluídos é algo que requer que lhes seja inculcada a crença de que tudo o que se tem é fruto da sua luta individual e, portanto, de merecimento? Vocês conseguem incluir-se no grupo dos apreciadores da meritocracia?

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