quarta-feira, 21 de agosto de 2019

O Prazer de Servir

Numa civilização (sic) em que ser servido proporciona imenso prazer àqueles que, por meio de pagamento ou de alguma forma de subjugação, fazem com que outros os sirvam, eis que surge alguém que diz que servir proporciona prazer. Quem é essa estranha criatura? A escritora, poetisa, educadora e diplomata chilena Gabriela Mistral, pseudônimo de Lucila de Maria del Perpetuo Socorro Godoy Alcayaga (1889 - 1957), primeira latino-americana laureada com o Prêmio Nobel de Literatura, em 1945. Segue, para vossa reflexão, uma versão de seu belíssimo poema intitulado O Prazer de Servir.
O Prazer de Servir
Toda a natureza é um desejo de serviço.
Serve a nuvem, serve o vento, serve o sulco na terra.
Onde haja uma árvore que plantar, planta-a tu; onde haja um erro a corrigir, corrige-o tu; onde haja uma tarefa que todos recusam, aceita-a tu.
Sê o que afasta a pedra do caminho, o ódio dos corações, as dificuldades dos problemas.
Há a alegria de ser são e a de ser justo, mas há, sobretudo, a formosa, a imensa alegria de servir.
Que triste seria o mundo se tudo já estivesse feito, se não houvesse um roseiral para plantar, uma atitude para tomar!
Que não te atraiam somente os trabalhos fáceis.
É tão belo fazer as tarefas que outros recusam!
Mas não caias no erro de que só se conquistam méritos com grandes trabalhos, há pequenos serviços que são bons serviços: arrumar uma mesa, arrumar uns livros, pentear uma criança.
Aquele que critica, esse é o que destrói.
Sê tu o que serve.
O servir não é tarefa só de seres inferiores.
Deus, que dá o fruto e a luz, serve.
Poder-se-ia chamá-lo assim: Aquele que serve.
E Ele, que tem os olhos fixos em nossas mãos, nos pergunta todo dia: "Serviste hoje? A quem? À árvore, a teu amigo, à tua mãe?"
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Que poema estranho, hein! Um poema que nos convida a inverter o modo de olhar o servir. Um poema que me faz lembrar uma conhecida oração atribuída a Francisco de Assis da qual extraí o seguinte trecho:
Ó Mestre, fazei que eu procure mais:
Consolar, que ser consolado,
Compreender, que ser compreendido,
Amar, que ser amado,
Vocês concordam que, "Servir, que ser servido" encaixar-se-ia bem nessa oração?
"O servir não é tarefa só de seres inferiores.", diz Gabriela Mistral em seu inspirado poema. Afirmação que uso para elaborar a seguinte paráfrase: "O prazer de servir é coisa só de seres superiores.". Seres superiores entre os quais enxergo Albert Schweitzer, Chico Xavier, Irmã Dulce, Madre Teresa de Calcutá e Zilda Arns como alguns exemplos. Exemplos a serem seguidos por nós que, embora inúmeras vezes sejamos tomados por uma equivocada mania de grandeza, ainda precisamos "ralar" muito para tornarmo-nos seres superiores. Mas assim como "é caminhando que se faz o caminho, (pedindo-lhes desculpas pela invenção da palavra), é "superiorizando" que se faz a superioridade. Sendo assim, que tal começarmos a praticar mais ações superiores para que algum dia, por mais distante que esteja tal dia, consigamos tornarmo-nos seres superiores.
Inverter o modo de olhar o servir, eis o convite feito por Gabriela Mistral em seu extraordinário poema publicado há, no mínimo, 62 anos (considerando que ela morreu em 1957 e não sei em que data o poema foi publicado). Inverter o modo de olhar o servir, e, quem sabe, inverter o rumo desta civilização (sic) que, como diz o professor de filosofia Matêus Ramos Cardoso, ruma em Uma viagem suicida pós-moderna.
"Seja a mudança que você quer ver no mundo.", disse Mahatma Gandhi. Em outras palavras, faça o que você quer ver no mundo. Portanto, experimente servir aos outros, em vez de esperar que os outros lhe sirvam, e, quem sabe, acabe descobrindo prazer em cooperar para que algum dia este mundo seja transformado em algo que preste; em algo que sirva.

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