"Uma grande
transformação que dificilmente ocorrerá enquanto a autodenominada espécie
inteligente do universo não conseguir desenvolver as três seguintes
habilidades: a autoconsciência, a empatia
e a capacidade de entender a interdependência entre ações e consequências."
O parágrafo acima apresenta as últimas
palavras da postagem anterior. As três habilidades nele citadas foram extraídas
de uma reportagem de Vivian Soares feita a partir de uma entrevista com Peter
Senge, em Zurique, e publicada na edição de 19 de fevereiro de 2016 do jornal Valor com o título "Nossa sociedade da 'era industrial' é o problema". Grande
Peter Senge! Autor de "A Quinta
Disciplina", um livro publicado em 1990 que está na "enésima"
edição, Senge é um dos maiores propagadores da imprescindibilidade da prática do
raciocínio sistêmico. Raciocínio que constitui
exatamente o que ele denomina a quinta disciplina. As outras quatro são: domínio pessoal, modelos mentais, objetivo comum
e aprendizado em grupo. O raciocínio sistêmico é a quinta, por ser
a que integra as outras quatro, fundindo-as num conjunto coerente de teoria e
prática, segundo Senge.
Com a intenção de espalhar a
imprescindibilidade da adesão à prática da quinta disciplina, a quinta postagem
deste blog é intitulada O Raciocínio Sistêmico (14.02.2011).
Imediatamente a seguir, foram publicadas Consequências do desconhecimento do
Raciocínio Sistêmico (16.02.2011) e Considerações finais sobre o raciocínio
sistêmico (19.02.2011). O que não me mata me fortalece ou Os
problemas de hoje provêm das soluções de ontem (26.02.2012) é mais uma
postagem inspirada em ideias encontradas em "A
Quinta Disciplina". Reflexões provocadas por "A Grande
Ilusão" (20.12.2013) também contém várias ideias tiradas do
excelente livro de Peter Senge, e ainda existem outras. Senge é para ser lido,
relido e divulgado. Portanto, embora o texto abaixo não seja dos mais curtos,
esforcem-se para lê-lo até o final, com atenção. Os grifos são meus.
"Nossa sociedade
da 'era industrial' é o problema"
Defensor de uma
educação sistêmica, Peter Senge aponta os obstáculos para isso.
Professor da Sloan School of Management, do
MIT, uma das escolas de negócios mais inovadoras do mundo, Peter Senge é
conhecido desde os anos 1990 por suas teorias de aprendizagem organizacional e
sistemas dinâmicos. Fundador da Society for Organizational Learning (SoL),
comunidade global que estuda a interdependência entre pessoas e instituições e
os impactos do pensamento sistêmico sobre o mundo corporativo, Senge lança no
Brasil o livro "O Foco Triplo – Uma Nova Abordagem para a Educação"
(Companhia das Letras), em coautoria com o best-seller Daniel Goleman. Ambos
defendem um modelo de ensino que estimule o
desenvolvimento de três habilidades nas
crianças: a autoconsciência, a empatia e a capacidade de entender a
interdependência entre ações e consequências.
Valor: Por que decidiram
escrever um livro unindo conceitos da psicologia, como aprendizagem social e
emocional, a um tema duro como a dinâmica de sistemas, que usa modelos
matemáticos como ferramenta?
Peter Senge: Daniel Goleman e eu percebemos que os
estudos de aprendizado emocional e social e de aprendizado sistêmico eram
movimentos separados, mas funcionavam bem juntos. O aprendizado social e
emocional é uma tendência forte ao redor do mundo. As pessoas vêm percebendo
que o desempenho acadêmico não ajuda a desenvolver
seres humanos – e podemos ver isso claramente nas empresas e na política. O que
me uniu a Daniel é o fato de que mesmo os aspectos sociais e emocionais são uma
espécie de sistema. As pessoas tendem a pensar em sistemas profundos, como
economia ou ecologia, mas uma família ou qualquer
grupo de pessoas funciona como sistema. O elemento comum de
tudo é a interdependência.
Valor: Como o senhor descreveria o pensamento sistêmico?
Senge: Trata-se de algo fácil para as crianças. Elas
crescem em playgrounds, nas famílias, vivenciando a interdependência do mundo à
sua volta. É uma habilidade natural que é quebrada em pedaços quando as
colocamos em um sistema que especializa e divide por séries. Um dos exemplos do
livro é um grupo de garotos de 6 anos que analisaram sozinhos um sistema
dinâmico de como começa uma briga e identificaram um círculo vicioso: ele
começa com palavras ofensivas, o que leva a sentimentos feridos, mais palavras
ofensivas e ao início da briga. Ninguém pediu a eles para fazer isso, e eles
ainda desenharam, o que é uma expressão natural. O que precisamos nos
questionar é o porquê de termos modelo educacional que fragmenta o conhecimento.
E a resposta é: a educação não é focada nos alunos, mas nos professores, porque
são treinados como especialistas.
Valor: Como professor e autor
de desenvolvimento organizacional, o senhor vem escrevendo sobre as mudanças
nas demandas por competências nos profissionais. De que forma a educação pode
se preparar para esse novo mundo do trabalho?
Senge: O sistema educacional é baseado no modelo
industrial, no qual tudo é pensado de forma fragmentada. O modelo de divisão
por séries funciona muito como uma linha de produção. Mas hoje muitos jovens
não querem mais trabalhar em grandes empresas. Eles querem abrir negócios e,
para fazer isso, precisam entender e construir sistemas. A educação precisa
cultivar senso de propósito, habilidade de criar e organizar coisas novas e de
reconhecer os sistemas dos quais fazemos parte. As empresas e indústrias mais
inovadoras já têm esses novos valores e são menos preocupadas com regras e mais
com as pessoas. Nossa sociedade da "era industrial" é o problema. A
solução para companhias e escolas passa por uma mudança cultural profunda, que,
no entanto, só vai acontecer a longo prazo.
Valor: O livro usa a história do último navegador
astronômico, que se orientava no mar pelos sinais da natureza, sem usar
tecnologia. Nossa educação nos tornou cegos para detectar dinâmicas como a da
natureza?
Senge: O mundo está cada vez mais conectado de forma
global. Para onde quer que olhemos, o mercado de energia, a produção de
alimentos, sistemas maiores como a economia e a ecologia, existe essa
interdependência. Mas a educação se moveu na direção oposta. Quanto maior a interconexão do mundo, menor a consciência
dessa dinâmica. Esse abismo é um dos maiores problemas do mundo. No passado,
quando vivíamos em um universo agrário, as crianças eram educadas para observar
os sinais da natureza. Hoje, não prestamos atenção nesses sinais, não os
entendemos e por isso não somos bons em viver com eles de forma harmônica. As
mudanças climáticas são só uma das consequências disso.
Valor: Quais são as principais dificuldades para
criar um modelo educacional que ajude as crianças a desenvolver a sua
inteligência sistêmica?
Senge: Os professores são o primeiro desafio, porque
nosso sistema é centrado neles. Muitos gostam da ideia da educação sistêmica,
mas aplicar o modelo requer mudança e novos aprendizados para eles. Algumas
escolas têm usado métodos baseados em projetos, em que o professor é um
conselheiro, que trabalha junto e aprende com os alunos, em vez de ficar
falando para um grupo. Além disso, é preciso engajar outros atores, como
políticos, administradores e até os pais, para que a mudança aconteça. A escola
também é um sistema e, em muitos sentidos, mais complexa do que uma
organização. Os alunos devem ter um papel de liderança nesse processo, por serem
atores mais abertos que entendem a desconexão entre o sistema educacional e a
vida.
Valor: O livro menciona exemplos
de escolas de bairros pobres, o que pode remeter ao Brasil. Nosso sistema
educacional é desigual, com estrutura curricular rígida e muitos professores
desmotivados e mal pagos. Por onde devemos começar?
Senge: Não faz sentido trabalhar de forma isolada
com currículos ou professores. É preciso começar pela liderança, com o ambiente
de trabalho e cultural das escolas. A maioria dos professores se importa com as
crianças. Podem estar frustrados com a falta de autonomia e com a burocracia do
sistema. Muitos não sentem que são apoiados pela sociedade. É um trabalho
importante que tem grande senso de propósito, mas eles não se sentem
reconhecidos e isso pode torná-los cínicos e desmotivados.
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A entrevista com Peter Senge provoca muitas
reflexões!
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