"Por que tanta pressa?", pergunta Marcelo Gleiser em um artigo publicado há 4,5 meses na Folha de S.Paulo. Mas será que ter
pressa é algo surgido recentemente na história da dita espécie inteligente do
Universo? Não, não é, e para defender esta afirmação segue um episódio ocorrido
há 364 anos. Episódio contado no livro A
Importância de Compreender, de autoria de Lin Yutang (1895-1976) e que na
edição brasileira traz em sua apresentação as seguintes palavras.
"Este é um livro incomum. Nele, o Dr. Lin
Yutang destilou a essência da vida, tal como, através dos tempos, a observaram
e compreenderam os chineses. Todos os leitores aqui encontrarão, numa obra
planejada para poder ser folheada ao acaso, em mergulhos nos temas que no momento
mais interessem, numerosos daqueles tesouros da literatura que aguçam a visão e
a compreensão. (...) Lin Yutang incluiu seleções que abrangem mais de 2500 anos
de literatura, desde Confúcio aos dias atuais."
E foi nesses 2500 anos de literatura que Lin
Yutang encontrou, em um livro intitulado Obras
em Prosa de Chou Yung, um educativo episódio ocorrido em 1650, do qual
participou Chou Yung (1619-1679) e que recebeu o título A Sabedoria do Barqueiro.
A Sabedoria do Barqueiro
No inverno de 1650, ia
eu do Pequeno Porto para a cidade de Chiaochuan, acompanhado por um rapaz que
levava grande carga de livros, amarrados com uma corda e sustentados por vários
pedaços de tábuas.
Aproximava-se a hora
do pôr do sol e toda a região se cobria de névoa. Estávamos a uma milha de
distância da cidade.
- Chegaremos à cidade
a tempo, antes que as portas se fechem? – perguntei ao barqueiro.
Sim, se fordes
devagar. Mas, se correrdes, não chegareis a tempo – respondeu o barqueiro, lançando um olhar ao rapaz.
Caminhamos, no
entanto, com toda a pressa que nos era possível. Mais ou menos à metade do
caminho, o rapaz caiu. Rompeu-se a corda e os livros tombaram ao chão. À hora
em que conseguimos tornar a atar o embrulho e chegamos às portas da cidade, já
estavam elas fechadas.
Pensei naquele
barqueiro. Tinha sabedoria.
*************
Chegaremos a tempo? – eis a pergunta. Sim, se fordes devagar. Mas, se correrdes, não – eis a sábia resposta.
Caminhamos, no entanto, com toda a pressa
que nos era possível – eis a estúpida ação que resultou no não atingimento
do que era pretendido. Agir com toda a pressa que
nos seja possível – eis uma excelente forma de agir no sentido de tornar
impossível o que desejamos.
Agir com toda a pressa
que nos seja possível e, segundo uma afirmação atribuída a Jean-Jacques
Rousseau, perder justamente o que pretendíamos ganhar. "Apressar-se para ganhar tempo é o melhor modo de perder tempo.". Afirmação cuja veracidade é facilmente confirmada por
qualquer indivíduo que seja capaz de associar o modo como se age aos resultados que
se obtém, e eu explico.
Ao apressar-se para ganhar
tempo, o indivíduo tende a cometer erros que, provavelmente, não cometeria se
agisse com mais calma e, consequentemente, com mais atenção. Erros que
implicarão na necessidade de refazer coisas, ou seja, em fazê-las mais de uma
vez, até atenderem ao que se propõem. Refazer coisas malfeitas por terem sido feitas às
pressas e cujo somatório dos tempos gastos para refazê-las será sempre maior do
que o tempo necessário para fazê-las com calma, com a devida atenção e,
consequentemente, bem-feitas na primeira vez.
Fácil de explicar,
não? E ao dizer fácil de explicar, lembro o criativo slogan de uma antiga loja que vendia tecidos. Sim, desapontando
aqueles que acreditam que este mundo onde sobrevivemos seja resultado de um download, e não de uma evolução gradativa desde priscas eras, digo aqui que já houve
uma época em que as pessoas compravam tecidos para fazer roupas sob
medida. Uma época em que havia pessoas de vários tamanhos, e não apenas nos padronizados
PP, P, M, G, GG e XG. Qual era o slogan de tal loja de tecidos? Casas Huddersfield: difícil de pronunciar,
mas fácil de encontrar!
Viajei, não? Afinal, o
que o parágrafo acima tem a ver com o assunto desta postagem? Ele possibilita uma
paráfrase do criativo slogan daquela
loja de tecidos. Veracidade da afirmação
de Rousseau: fácil de explicar, mas difícil de encontrar. Difícil de
encontrar quem acredite em tal afirmação ("Apressar-se para ganhar tempo é o
melhor modo de perder tempo."). Passei as 3,7 décadas da minha vida
profissional rodeado de pessoas que insistiam em não acreditar nela. Com a agravante de sempre ter trabalhado em uma área onde o
raciocínio lógico é essencial para o êxito naquilo que se faz. Não, não fui eu
que viajei, e sim aqueles que nunca entenderam a afirmação de Rousseau.
Não acreditar que "Apressar-se
para ganhar tempo é o melhor modo de perder tempo." é algo que afeta não apenas as
atividades profissionais de um indivíduo, mas também suas demais atividades. Nesta
postagem, restringi-me a falar sobre as profissionais para não torná-la
ainda mais longa, mas considerando que, assim como na vida, neste blog os
assuntos jamais são esgotados, é bastante provável que vocês ainda venham a nele
encontrar uma postagem focalizando o que faltou nesta.
Pensei naquele barqueiro. Tinha sabedoria. Pensei naqueles que nunca
entenderam que "Apressar-se para ganhar tempo é o melhor modo de perder
tempo.". Tinham sabe Deus o quê.
Nenhum comentário:
Postar um comentário