FALAR DA MORTE AINDA
ASSUSTA.", diz a doutora Ana Claudia na frase inicial de seu magnífico
texto. Frase que, no meu entender, leva os assustados a deixarem de sobre ela
falar, talvez imaginando que, agindo assim, a morte deles se esquecerá, e nesta
dimensão os deixará ficar per omnia saecula
saeculorum. E ao falar em esquecimento, em uma frase em que cito uma
expressão em latim, foi inevitável lembrar da expressão memento mori que significa literalmente "Lembra-te de que vais morrer". Expressão que intitula a
postagem publicada em 02 de novembro de 2022.
"Lembra-te de que vais morrer", pois
essa lembrança dá ao homem a possibilidade de conduzir suas ações e seus
pensamentos por esse percurso que a gente chama de vida seguindo um roteiro
totalmente diferente daquele que ele seguirá se desprezar tal lembrança.
E dá a Deus a possibilidade de não ter a surpresa citada em um trecho de um
texto de Jim Brown, muitas vezes atribuído ao Dalai Lama, reproduzido a seguir.
Entrevista com Deus- O que mais O surpreende a respeito dos homens?Deus respondeu:- Que vivam como se nunca fossem morrer e morram como se não tivessem vivido...
Intitulado
Entrevista com Deus, até o momento da publicação desta postagem o texto era encontrável
em https://www.pensador.com/frase/OTA3Njc3/.
"Quando alguém que amamos morre, é como se perdêssemos não só a pessoa, mas também a parte de nós que só existia em relação a ela. O jeito que ela nos olhava, nos chamava, o lugar que ela ocupava em nossa rotina, em nossos silêncios, em nossos sonhos - tudo isso desaparece."
Sim, considerando
que viver é relacionar-se; que
relacionar-se é algo que envolve duas pessoas e que jamais existirão duas
pessoas iguais, as relações estabelecidas serão sempre algo único. Unicidade
que, no meu entender, explica o que é dito pela doutora Ana Claudia no
parágrafo anterior. Sim, "quando alguém que amamos morre, nós perdemos a
parte de nós que só existia em
relação a ela", e também a parte de nós oriunda de nossas relações com ela.
"Também percebo que o que mais machuca não é o fim em si. É o que não foi vivido. É o beijo que não demos, o abraço que não oferecemos, a palavra que engolimos. É o silêncio onde deveria ter havido presença."
E ao ler
o que é dito pela doutora Ana Claudia no parágrafo reproduzido acima, as
recordações sucessivas fazem-me trazer para esta postagem alguns trechos de uma
reportagem publicada na edição de 25 de julho de 2017 do jornal O Folha de
S.Paulo, sob o título "Filhos da princesa Diana dizem se arrepender da
última conversa" e o subtítulo "William e Harry falam que ligação
antes da morte da mãe, em 1997, foi muito rápida".
"Harry e eu estávamos com uma pressa desesperada para dizer tchau, você sabe, 'te vejo mais tarde'. Se eu soubesse o que iria acontecer eu não teria sido tão blasé sobre isso e todo o resto", disse o príncipe William.Harry afirmou: "Ela estava ligando de Paris, eu não consigo lembrar necessariamente o que disse, mas tudo o que eu lembro é que eu provavelmente vou me arrepender pelo resto da vida sobre quão rápida foi aquela ligação."
"Se
eu soubesse o que iria acontecer eu não teria sido tão blasé sobre isso e todo
o resto", disse o príncipe William. O príncipe Harry afirmou: "...
tudo o que eu lembro é que eu provavelmente vou me arrepender pelo resto da
vida sobre quão rápida foi aquela ligação." "Também percebo que o que
mais machuca não é o fim em si. É o que não foi vivido. É o beijo que não
demos, o abraço que não oferecemos, a palavra que engolimos. É o silêncio onde
deveria ter havido presença.", diz a doutora Ana Claudia. É o tempo que os
príncipes não dispuseram para falar com a mãe, acrescento eu. Será que as palavras
dos dois príncipes e as da doutora têm alguma coisa a ver, indago eu.
A
postagem publicada no blog Lendo e
Opinando, em 13 de setembro de 2017, reproduz alguns trechos da referida
reportagem.
"O luto, quando vivido com presença e coragem, não é apenas dor, ele é também uma jornada de reencontro com o amor que permanece. Porque o amor não morre. O corpo se vai, mas o vínculo não. Ele muda de forma, de linguagem, de tempo."
Sim, o
amor não morre. Até porque, como diz uma frase do filme "O
Gladiador", "O que você faz nesta vida ecoa na eternidade".
Sim, o
corpo se vai, mas o vínculo não, pois diferentemente do que habitualmente
consideramos, nós não somos os nossos (?) corpos, nós somos a vida, como nos
diz o saudoso Thich Nhat Hanh (1926 - 2022) em um livro intitulado "Viver
quando alguém que amamos morre", em um capítulo intitulado "Nós somos
a vida", reproduzido a seguir.
Nós somos a vidaTemos o hábito de nos identificar com nossos corpos. A ideia de que somos este corpo está profundamente enraizada em nós. Mas nosso ente querido não é apenas seu corpo; ele é muito mais do que isso. Segundo o filósofo francês do século XX Jean-Paul Sartre, "L'homme est la somme de ses actes" (o homem é a soma de seus atos). Somos a soma de nossas ações. Isso é o que o karma significa: ação. Nossos pensamentos, palavras e ações físicas são o nosso karma. Somos a soma dessas três coisas, e elas nos dão continuidade no futuro, além de ter um efeito sobre os outros e sobre o mundo em todos os momentos, mesmo enquanto estamos vivos. Eles são o nosso verdadeiro legado.A ideia de que "este corpo sou eu e eu sou este corpo" é uma crença que devemos deixar ir. Se não fizermos isso, sofreremos muito. Somos a vida, e a vida é muito mais vasta do que este corpo, este conceito, esta mente.
Sim,
"O corpo se vai, mas o vínculo não. Ele muda de forma, de linguagem, de
tempo." Forma, linguagem e tempo que variarão tremendamente, pois, no meu
entender, são coisas desenvolvidas com base no entendimento que cada um tenha
do que ocorre com os espíritos que vão desta para outra dimensão.
"Mas, quando uma relação é vivida com inteireza, quando há verdade, afeto, presença, escuta e entrega, o fim não vem carregado de arrependimento. Ele vem com tristeza, sim. Mas é uma tristeza limpa, sem resíduos. Livre de dívidas emocionais."
Com as
palavras acima, no meu entender, a doutora Ana Claudia nos dá uma autêntica orientação
sobre como viver de modo a não sofrer quando alguém, a quem dizemos amar, for
de nós afastado pela ida para outra dimensão. Orientação dificílima de seguir.
Dificuldade que enxergo como explicada pela seguinte afirmação de Vladimir
Maiakovski: "Cada um, ao nascer, traz sua dose de amor. Mas os empregos, o
dinheiro, tudo isso, nos resseca o solo do coração." Você concorda que o
ressecamento do solo do coração tem muito a ver com relações vividas "sem inteireza,
sem presença, sem escuta e sem entrega"?
"Mas,
quando uma relação é vivida com inteireza, quando há presença, escuta e
entrega, o fim não vem carregado de arrependimento.",
diz a doutora Ana Claudia. "Filhos da princesa Diana dizem se arrepender da última conversa.
"William e Harry falam que ligação antes da morte da mãe, em 1997, foi
muito rápida". Você consegue perceber a associação que pode ser feita
entre as palavras da doutora e as dos príncipes? Você concorda com a afirmação de
Maiakovski? E que ela seja capaz de explicar as relações vividas sem inteireza?
"Mas,
quando uma relação é vivida com inteireza, quando há "presença, escuta e
entrega", o fim não vem carregado de arrependimento.", diz a doutora
Ana Claudia. Mas, como haver "presença" em uma sociedade (sic) onde,
mesmo quando estão fisicamente presentes, as pessoas estão emocionalmente
ausentes, olhando para a telinha do seu smartphone e não nos olhos de quem delas
estão próximos? Mas, como haver "escuta" em uma sociedade onde as
pessoas passaram a comunicar-se por meio de mensagens ouvidas por meio de um
smartphone em velocidade "2x" no WhatsApp. Mas, como haver "entrega"
sem haver "presença e escuta"?
"Aqueles que passam por nós, não vão sós, não nos
deixam sós. Deixam um pouco de si, levam um pouco de nós.", eis uma
magistral frase de Antoine de Saint-Exupéry que não poderia faltar nesta
postagem. Será que viver um luto pode ser entendido como aprender a lidar com o
que nos foi deixado por quem foi e a continuar a viver sem o que de nós foi
levado?
"Amar enquanto é tempo", eis o título do
magnífico texto de autoria de uma médica especialista em geriatria e
gerontologia, cuidados paliativos e psicologia do luto. Ou seja, uma
profissional que está habituada a lidar com pessoas que estão próximas de
partir para outra dimensão e com as que permanecerão por aqui e terão que lidar
as partidas.
"Amar enquanto é tempo", eis algo que parece-me
cada vez mais difícil nesta sociedade (sic) onde as pessoas dedicam cada vez menos
tempo às relações interpessoais; às "relações vividas com inteireza".
E onde, consequentemente, parece-me que cada vez mais "o fim virá
carregado de arrependimento. E não livre de dívidas emocionais." Se será
assim ou não, quem sobreviver verá.
Tendo ficado sem aquela com quem, até o dia 28 de abril,
houvera compartilhado 55 anos desta passagem por esta dimensão, após encontrar
na edição de julho de 2025 da Revista
Vida Simples o magnífico texto da doutora Ana Claudia seria inevitável
espalhá-lo por meio deste blog.
Pouco tempo após a partida da minha esposa, minha filha
contou-me que, em conversa com o marido comentou algo mais ou menos assim: "Meu
pai é o sobrevivente da família. Ele já ficou sem os pais, sem a irmã, sem a
esposa e até sem um filho". E na condição de sobrevivente,
consequentemente já tive que lidar com muito lutos. Isso significa que já sei
lidar com lutos? Não, pois cada luto é completamente diferente. Afinal, em cada
luto, tanto o que é deixado por quem foi quanto o que é levado de quem fica é
algo completamente diferente. Diferença explicada por algo dito na metade da
primeira página desta postagem: "Considerando que viver é relacionar-se;
que relacionar-se é algo que envolve duas pessoas e que jamais existirão
duas pessoas iguais, as relações estabelecidas serão sempre algo único".
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