Enxergando-o como uma data
comercial, ao longo dos quatorze anos de existência deste blog, apenas uma vez
publiquei uma postagem alusiva ao Dia dos Pais. "De pai para filho e filha", eis o título da postagem publicada em 14 de agosto de 2022.
Postagem em que é reproduzido um tocante texto que, confirmando uma afirmação
repetida várias vezes pelo narrador da saga de Joseph Climber - "a vida é
uma caixinha de surpresas", sabe-se lá porquê, encontrei, em 13 de janeiro
de 2022, em uma postagem homônima, publicada em um blog intitulado Piano
Branco – Um blog sobre música e sentimento (combinação que considero
perfeita).
"Três anos depois, em janeiro de 2025, em mais uma
abertura da caixinha de surpresas, em um livro lançado em 2024 com um
instigante título: "A Bula de Cada Criança - O olhar humanista de um
pediatra sobre como cuidar dos filhos sem receita pronta", de autoria de
Roberto Cooper, surgiu diante de mim um texto que eu não deveria deixar de
espalhar neste Dia dos Pais de 2025."
Dia dos Pais: quem "diploma" o pai?
Acordei pensando no Dia dos Pais. Claro que sei que é uma data comercial, cujo objetivo é ajudar o comércio, tão sofrido, a vender um pouco mais. Nesse sentido, é uma data que nos afasta do afeto e da emoção, na medida em que transforma um produto (o presente) em símbolo de carinho. Reforça o paradigma da sociedade de consumo de que ter algo é o que nos faz ser alguém. Ou que nossas emoções precisam de um objeto para se manifestar. Tudo precisa ter uma concretude, uma forma, um tamanho, para existir. Carinho é um vento, sem forma, sem peso, sem visibilidade, mas com muita presença. Mas isso é outra conversa e não é por aí que eu gostaria de ir.
O que me ocorreu foi que não sou pai sozinho. Isto é, só sou pai porque a Carolina é minha filha. Isso é uma obviedade, mas que nos faz pensar, uma vez mais, que o ser humano só tem existência a partir do outro. Claro que não falo da existência biológica pura. Esta, a rigor, poderia existir no isolamento total, ainda que questionássemos se há isolamento total possível e, em havendo, se seria compatível com a vida.
Na vida cotidiana, temos inúmeros estímulos que nos remetem a um individualismo de performance. A ideia do indivíduo campeão. A vida não é assim e, quando temos a oportunidade de nos lembrarmos disso, é bom pararmos para refletir um pouco. Lembrar que só sou pai porque a Carolina existe é uma das oportunidades. Todos os pais só o são por conta dos filhos. Portanto, quem nos dá o "diploma" de pais são nossos filhos.
Talvez estejam se perguntando: qual a importância disso? Onde esse pediatra e pai quer chegar? Quero chegar no ponto onde, se fomos diplomados por nossos filhos, estes, se formos atentos, certamente seguem nos ensinando, como em um processo de educação continuada. Carolina me ensinou e continua me ensinando coisas maravilhosas que, talvez, façam parte do ensino que seus filhos ainda lhes oferecem.
Amor e afeto
O nascimento de um filho dispara, de forma incontrolável, uma emoção inédita, ímpar. Para homens, criados em uma cultura com alguma restrição quanto à manifestação de emoções, o nascimento de um filho é uma janela que se abre em nossas vidas. Não dá para fingir que não está acontecendo nada. A emoção está ali, pulsando. É uma libertação de um preconceito tolo (qual preconceito não seria tolo?) que nos é dada pelos nossos filhos.
Estabelecer contato físico
Alguns homens foram criados em famílias em que o contato físico era o normal. Outros cresceram com um limite bem definido para o corpo. Um filho rompe essas barreiras. Quando pegamos um bebê no colo e o embalamos, o colocamos próximo até embolá-lo em brincadeiras, fazemos cócegas e gargalhamos junto com ele, nos tornamos menos assustados com o contato físico. Filhos nos ensinam que temos uma psiquê onde as emoções flutuam, mas é no corpo que elas se expressam e se realizam.
Desenvolver a criatividade
Filhos querem ouvir histórias, narrativas que, quanto mais fantásticas, mais encantam. Com nossos filhos, nos desligamos de uma lógica cartesiana, racional, e entramos no mundo do fantástico. Viajamos junto com eles revivendo o prazer da fantasia. Aprendemos que a vida não é só uma trilha coerente, exata, precisa, demonstrável.
Aprofundar a curiosidade
O que é um trovão? Por que chove? De onde vem o sal do mar? Filhos fazem perguntas simples, impossíveis de serem respondidas sem que voltemos aos livros (ou ao Google). Exigem um exercício de aprendizado. Com nossos filhos, exercitamos a humildade do não saber e sentimos prazer de aprender.
Manter viva a criança em nós
Aprendemos com nossos filhos que temos todas as idades ao mesmo tempo e podemos nos deliciar com isso. Rastejar de quatro pronunciando palavras incompreensíveis (adabadu, blu blau) ou ainda fazendo perguntas de forma bem lenta: quem é a queridinha do papai? Cadê a gostosura do papai? Podemos nos fantasiar, usar peruca, maquiagem. Ficamos escondidos atrás de árvores e corremos até o pique. Brincamos de amarelinha, jogo da memória e casinha. Assistimos a filmes infantojuvenis e secamos as lágrimas no escurinho o cinema. Filhos nos lembram que ser criança é muito bom.
Respeitar as diferenças
Filhos não seguem o plano que traçamos para eles. Começam a se "rebelar" quando nascem e demonstram que possuem existência própria. Não se comportam como os livros diziam, muito menos os cursos de como ser pais. Choram de madrugada, mamam demais, mamam de menos. Um dia de um jeito, outro de outro. Crescem, revelando seus desejos e vontades. Sempre em busca de sua identidade, se rebelam aqui e acolá. Aderem a modas que não entendemos ou aprovamos. Escolhem profissão, amigos e parceiros. O aprendizado contínuo é o do respeito às diferenças. Mais do que isso, a celebração da individualidade.
Mais do que tudo, filhos nos ensinam, desde pequenos, que pai não é que fazemos e sim o que somos. Nosso amor, contato físico, criatividade, curiosidade e respeito pela individualidade é que nos tornam pais. E foram eles que nos ensinaram isso tudo!
No Dia dos Pais, celebremos o quanto nossa vida ficou mais afetiva, amorosa, alegre e divertida, com o nosso "diploma" que nossos filhos nos deram.
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No Dia dos Pais, além da celebração sugerida por esse pediatra e pai, façamos também algumas reflexões a partir do que lemos em seu extraordinário texto.
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