O nascimento de um neto, em 20 de
dezembro de 2024, despertou em mim o interesse em atualizar-me quanto aos modos
de interagir adequadamente com crianças. Em conformidade com tal interesse, sem
lembrar como, descobri um livro lançado em 2024 com um instigante título:
"A Bula de Cada Criança - O olhar humanista de um pediatra sobre como
cuidar dos filhos sem receita pronta", de autoria de Roberto Cooper. Um
livro no qual, na condição de mantenedor de um blog intitulado "Espalhando
ideias", não tive como não enxergar inúmeras ideias para por ele espalhar.
Antes de passarmos
à primeira ideia a ser espalhada, segue uma breve explicação. No dia 08 de março,
interrompendo um período de quase três meses sem publicar alguma postagem,
devido à minha ocupação como acompanhante hospitalar da minha esposa, publiquei
uma postagem alusiva ao Dia Internacional da Mulher. No dia 28 de abril,
minha esposa desencarnou. Hoje, dia 24 de julho, interrompendo um período de quatro
meses e dezesseis dias sem publicar alguma postagem, consegui voltar a publicar
uma. Coincidentemente, mais um texto que se encaixaria perfeitamente em uma
postagem alusiva ao Dia Internacional da Mulher. Observada tal coincidência, segue, neste preâmbulo, um trecho da
postagem alusiva ao Dia 08 de Março.
"Embora as narrativas das sociedades antigas sejam dominadas pelos homens, a sua mitologia nos mostra o oposto.A mitologia grega não apenas nos oferece figuras femininas poderosas, mas também imbuiu as mais belas forças da civilização com traços femininos. Na mitologia, o melhor da humanidade é a mulher."
Por que mulheres nos assustam?
Escolhi começar por uma pergunta provocadora que, provavelmente, vai gerar um certo olhar crítico, um levantar de sobrancelhas e uma cara de desdém por parte dos meus pares masculinos. Para estes, começo por dizer que não sou filósofo, psicanalista, sociólogo ou antropólogo. Sou apenas um pediatra escrevendo sobre um assunto que me diz respeito na medida em que cuidamos da saúde das crianças visando também a sua vida adulta. E me alinho com aqueles que consideram uma vida saudável não apenas a ausência de doença, mas a capacidade de se relacionar, interagir, respeitar diferenças, defender a liberdade e a dignidade humana. Uma sociedade saudável, essa que aparentemente todos nós desejamos, não acontece por um pensamento mágico: é construída a partir de indivíduos que se comprometam com determinados valores como os que acabei de citar.
Para começar, quem disse que mulheres nos assustam? Ninguém disse, mas penso que, se um ser humano como eu é tratado de forma violenta, agredido, assassinado, de um modo tão intensivo quanto as mulheres o são, deve haver algum sentimento muito forte que motive essa atitude bárbara. Se uma pessoa como eu, fazendo o mesmo trabalho que eu, recebe menos do que eu, deve haver alguma percepção de desvalor que justifique a desigualdade. Se a minha sexualidade pode ser explícita, minhas conquistas amorosas expostas com orgulho, minha roupa ser a que eu escolher, enquanto se exige da mulher, recato, pudor, passividade e constrangimento com o erótico, deve haver alguma grande ameaça que explique esse comportamento.
Eu poderia continuar com outros exemplos de como a mulher é desrespeitada, discriminada, desvalorizada. Basta olhar em volta para vermos, em toda parte, uma sociedade organizada em torno do homem, apesar de hoje, mais da metade dos domicílios brasileiros terem uma mulher como "chefe de família". Só para brincar com ideias, imagine um diretor de empresa que, às 16h, pede desculpas por não poder participar da reunião porque tem que buscar seus filhos na escola. Muito provavelmente, será percebido como um pai participativo, amoroso, atuante. Agora, imaginemos a diretora que faz o mesmo. Muito provavelmente, será vista como pouco comprometida com o trabalho (e nós, homens, na discrição da fofoca, diremos: "É o que dá colocar uma mulher na diretoria!")
Mas que sentimento é esse que nos faz tratar uma mulher dessa forma? Claro que não é um só. Nunca é. Quero pensar a respeito de um que, salvo melhor juízo, aparece de forma disfarçada sob nomes mais "técnicos": preconceito, machismo etc. Quero sugerir que nós, homens, temos medo das mulheres. O medo explicaria muito desse nosso comportamento. Medo de um ser mais frágil, menor do que nós? Que medo é esse?
Temos medo do que na mulher é muito mais forte do que em nós. E não são poucas coisas. Vamos começar pelo começo. O começo é a gravidez. É onde tudo e todos nós começamos. Quem tem essa capacidade, competência e sabedoria é a mulher. A força de levar a vida adiante. Temos nossa contribuição, é óbvio. Mas, uma vez que a vida se instalou, só a mulher tem a capacidade de levá-la adiante, até o momento em que essa criança esteja pronta a nos ser apresentada. Portanto, não só a mulher sustenta e suporta a nova vida, como a conhece muito antes de nós. A conhece em um nível que nós homens nem somos capazes de imaginar. Temos medo dessa força enorme. E mais: toda gravidez, em tese, nos coloca diante da insegurança da infidelidade. Nós, os conquistadores gabolas, os sedutores irresistíveis, podemos não ser o pai daquela criança. Mas ela, a mulher, tem certeza de que é a mãe (ainda que ela mesma não tenha de quem seja o pai). Certeza absoluta versus insegurança relativa, quem detém a força? Quem fica com medo?
Não satisfeita em assegurar que o bebê se desenvolva, a mulher, num ato de injustiça complementar da natureza, produz leite. Se ao menos ela ficasse grávida e nós produzíssemos o leite, ainda daria para equilibrar um pouco a história. Mas não. Ela fica grávida e amamenta. Tudo ela! E tudo para o bebê, nada para mim. Nunca vou confessar isso em público, mas olha o medo de perder a minha mulher se instalando em mim. Ser pai vai incluir reconquistar essa mulher, separando-a do bebê, deixando claro que essa mulher é minha. Pais que fazem isso entendem o que é a paternidade e aliviam seus filhos de um sentimento de disputa. Mas, até para se fazer esse gesto fundamental de interditar o filho à sua mãe, dá medo. Muitos não o fazem, e as consequências para todos - mas principalmente para os filhos - podem ser terríveis.
Vamos dar um pulo no tempo, até a adolescência. Lá estamos nós, meninos e meninas, com uma overdose de hormônios. Sexo passa a ser algo interessante, misterioso, desconhecido, mas muito desejado. Ouvimos histórias dos mais velhos, todos "pescadores" contando lorotas. Lorotas que estabelecem um nível de excelência e performance que somente atletas sexuais olímpicos atingem. E lá estamos nós, diante da mulher. Se ela toma a iniciativa, ouso dizer que, na adolescência, sairíamos correndo. Se ela não toma, que seja dócil e passiva, porque eu já estou assustado demais comigo mesmo. O medo do "fiasco" me obriga a desqualificar minha cúmplice.
Crescemos, a adolescência ficou para trás. Com ela, o medo. Certo? Errado! Millôr Fernandes dizia que a mulher tem uma enorme vantagem sobre o homem: "Pode animar no meio". Nós temos que "largar animados". Nesse cenário, quem tem mais medo?
Mudemos de prosa, uma vez mais. A mulher pensa diferente de nós. Ela é "complicada" demais. Mulher pensa diferente de nós porque usa mais recursos do que nós. Somos fortes e lógicos. Uma combinação que nos impede de pedir instruções, nem quando perdidos em uma estrada em país estrangeiro. Mulheres podem ser lógicas, como podem não o ser. Mulheres podem ser intuitivas, irracionais, ouvindo outros recantos da cabeça e do corpo. Ora, se a minha caixa de ferramentas só tem um martelo e a da mulher, uma coleção completa, quem tem mais "força" para resolver problemas? Força assusta, mete medo.
E, para concluir, se com toda essa força, a mulher ainda é capaz de se aninhar no nosso colo e dizer: me abraça com vontade porque eu adoro quando você faz isso, demonstrando uma aparente fragilidade que apenas reflete o entendimento que ela tem de nós (eles precisam se sentir os protetores!), não nos resta outra coisa a não ser ter muito medo.
Ou então abrir mão desse lugar tão árido onde nos colocamos e passar a olhar a mulher com a admiração, o respeito e a consideração que ela, legitimamente, merece. Não é um favor ou concessão que faremos. É o reconhecimento pleno dessa beleza diferente da nossa (sim, temos a nossa!) e que não precisamos sufocar, excluir porque não é uma ameaça, mas uma solução para a vida.
E o pediatra? O pediatra dirá que, para termos uma sociedade saudável, é preciso cuidar para que nossos meninos não herdem o que herdamos (nem nossas meninas). É preciso construir uma imagem da mulher que seja mais real e verdadeira do que essa que nos assusta e nos faz dizer e agir de forma bárbara. É preciso que libertemos nossos filhos e filhas de paradigmas falsos, dando-lhes a chance de uma vida mais harmoniosa e amorosa. Uma vida que as mulheres sabem nos ensinar. Basta querer aprender.
Este texto é dedicado a Carolina, filha, hoje mulher adulta, que muito me ensinou e ensina. Que ela persevere na sua busca por uma sociedade mais respeitosa e acolhedora para as mulheres.
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Você concorda que o texto do pediatra Roberto Cooper é perfeito para usar em uma postagem alusiva ao Dia Internacional da Mulher? Você concorda que, considerando a minha instabilidade na elaboração de postagens, a instabilidade quanto a minha própria permanência nesta dimensão e o tempo que ainda falta até o próximo dia 08 de março, minha decisão de não postergar o espalhamento dessa magnífica ideia do pediatra Roberto Cooper foi acertada?
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