"A nós parece que o trabalho mais importante do mundo é o trabalho visível, mas nosso trabalho invisível para o aprimoramento da alma é o trabalho mais importante do mundo, e todas as outras formas só são úteis quando o realizamos."
(Leon Tolstoi [1828 – 1910], escritor russo reconhecido como um dos maiores de todos os tempos, pensador social e moral)
Nos tempos em que se liam jornais impressos e neles algumas pessoas possuíam colunas nas quais escreviam periodicamente, li na coluna de Paulo Coelho algumas histórias bastante interessantes, algumas das quais já citadas em postagens deste blog. Entre as não citadas existe uma da qual jamais esqueci. O título? A pressa e as almas. Um texto curto, publicado na edição de 13 de outubro de 2007 do jornal EXTRA, que reproduzo a seguir como preâmbulo para o texto que intitula esta postagem.
A pressa e as almasUm explorador branco, ansioso para chegar logo a seu destino, foi capaz de pagar um salário extra para seus carregadores andarem bem rápido. Durante dias e dias, semanas e semanas, o grupo teve de apertar o passo. Certa tarde, porém, sentaram-se no chão e se recusaram a continuar o percurso. Nem o dinheiro oferecido os movia mais. Quando o explorador quis saber o porquê da parada, eles disseram: "É que nós andamos muito depressa e não sabemos mais o que estamos fazendo aqui. Agora precisamos esperar um pouco até que nossas almas nos alcancem."
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Andaram muito depressa, deixaram de saber o que estavam fazendo, mas, pelo menos, mantiveram a consciência de terem almas das quais se distanciaram e pelas quais precisariam esperar até que elas os alcançassem. A ideia da possibilidade de perder-se de sua alma, eis o que jamais me saiu da cabeça após a leitura daquele texto, ocorrida há dezessete anos. O tempo passou, e confirmando a veracidade de algo dito pelo narrador da saga de Joseph Climber - "Mas a vida é uma caixinha de surpresas e numa bela manhã de sol ..." -, em junho deste ano, uma caixinha trouxe-me a descoberta da existência de um livro intitulado A alma perdida pelo qual, imediatamente me interessei.
"Com texto de Olga Tokarczuk e deslumbrantes ilustrações de Joanna Concejo, A alma perdida é um livro que encanta, enternece e faz pensar. Uma comovente história sobre espera, paciência e a busca por si mesmo - uma fábula para o nosso tempo, e para ser lida por todas as idades. [...] Uma história que leva o leitor em busca de si mesmo, conduzindo-o a um desenlace maravilhoso e inesperado, como só os grandes contos de fada são capazes de fazer. Uma história que se abre para o futuro - sem respostas, mas com inúmeras e fascinantes perguntas destinadas a todas as idades. [...] A alma perdida é a nova obra-prima da escritora polonesa Olga Tokarczuk, vencedora do Prêmio Nobel de Literatura."
Composto de trechos extraídos da segunda e quarta capas do próprio livro, o parágrafo acima tem a intenção de despertar o interesse na leitura da instigante história, reproduzida a seguir.
A Alma Perdida
Era uma vez um homem que trabalhava com muita pressa e sem descanso, e que havia muito tempo já tinha deixado a própria alma em algum lugar distante. Sem a alma, a vida até que era boa - ele dormia, comia, trabalhava, dirigia um carro e ainda jogava tênis. Mas, às vezes, ele tinha a impressão de que tudo a sua volta ficara plano e sem graça, como se ele se movimentasse numa folha quadriculada e vazia de um caderno de matemática, coberta por quadradinhos iguais e onipresentes.
Certa noite, durante uma de suas muitas viagens, o homem acordou no meio da madrugada em um quarto de hotel e sentiu que mal podia respirar. Olhou pela janela, mas não sabia muito bem em que cidade se encontrava, porque, vistas das janelas dos hotéis, todas as cidades parecem iguais. Não sabia também como tinha ido parar ali, nem para que viera. E, infelizmente, esqueceu também o próprio nome. Foi uma sensação muito estranha, porque ele não fazia ideia de como se chamava. Então, simplesmente ficou calado. Passou a manhã inteira sem dirigir nenhuma palavra a si mesmo, e foi naquele momento que se sentiu muito sozinho, de verdade, como se já não houvesse ninguém dentro de seu corpo. Quando parou diante do espelho do banheiro, viu-se como uma mancha imprecisa. Achou por um instante que se chamava André, mas logo depois teve a certeza de que era Mário. Enfim, assustado, encontrou seu passaporte no fundo da mala e descobriu que seu nome era João.
No dia seguinte, foi ver uma médica, mulher velha e sábia, e ela lhe disse as seguintes palavras:
- Se alguém pudesse nos olhar do alto, veria que o mundo está repleto de pessoas que andam apressadas, suadas e exaustas, e também veria suas almas, atrasadas e perdidas no caminho por não conseguirem acompanhar seus donos. E isso cria uma grande confusão. As almas perdem a cabeça e as pessoas deixam de ter coração. As almas sabem que ficaram sem seus donos, mas as pessoas muitas vezes nem sequer percebem que perderam a própria alma.
João ficou muito preocupado com esse diagnóstico.
- Como é possível? Será que também perdi minha alma? - perguntou.
A sábia médica então lhe respondeu:
- Isso acontece porque a velocidade com que as almas se movimentam é muito menor do que a dos corpos. As almas surgiram no início dos tempos, logo depois do Big Bang, quando o universo ainda não tinha acelerado tanto e, por isso, podia se olhar no espelho. Escute, você precisa achar um lugar só para si, sentar-se e aguardar com paciência a sua alma. Ela deve estar, neste momento, no lugar onde você passou há dois, três anos. Portanto, a espera pode demorar um pouco. Mas, para o seu caso, não vejo outro remédio.
Foi o que fez esse homem chamado João. Achou uma casinha pequenina nos arredores da cidade, e todos os dias passou a se sentar numa cadeira e a esperar. Não fazia mais nada. Isso demorou muitos dias, semanas, meses. O cabelo de João ficou muito comprido e sua barba chegou até a cintura.
Até que numa tarde, alguém bateu na porta. Na soleira apareceu a alma perdida de João - cansada, suja e arranhada.
- Finalmente! - disse ela, sem fôlego.
Desde então, eles viveram felizes para sempre, e João passou a prestar muita atenção para não fazer nada numa velocidade que sua alma não pudesse acompanhar. Ele ainda fez mais uma coisa: enterrou no quintal todos os seus relógios e suas malas de viagem. Dos relógios nasceram belas flores coloridas, parecidas com campânulas, e das malas brotaram grandes abóboras com as quais João se alimentou durante todos os invernos tranquilos que se seguiram.
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"Uma história que se abre para o futuro - sem respostas, mas com inúmeras e fascinantes perguntas destinadas a todas as idades.", eis algo dito na quarta capa do livro. Uma história instigante que deve provocar em cada um de nós inúmeras reflexões, digo eu.
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