domingo, 22 de setembro de 2024

Reflexões provocadas por "A palavra de quatro letras que os negócios esqueceram" (I)

"Cada um, ao nascer, traz sua dose de amor. Mas os empregos, o dinheiro, tudo isso, nos resseca o solo do coração."

  (Vladimir Maiakovski [1893 - 1930], poeta, dramaturgo e teórico russo)
"Seria preciso ser desinformado, apático ou estar em negação para não reconhecer que o mundo está literalmente em um ponto de ruptura. A vida está se tornando insuportável para um número crescente de pessoas, seja devido às consequências ambientais da nossa produção e consumo excessivos; à prevalência do ódio, intolerância e guerra; ou ao câncer da ganância, que continua a aumentar a lacuna entre aqueles que têm mais do que precisam e aqueles que não têm o suficiente."
Com o irretocável parágrafo reproduzido acima, Lourenço Bustani e Fritjof Capra iniciam seu instigante artigo. Sim, a cada dia que passa, "a vida está se tornando insuportável para um número crescente de pessoas", o que faz-me lembrar uma frase de Robert Kennedy pronunciada há 56 anos: "Os jovens têm tudo, só lhes falta o essencial.". O motivo da lembrança? A possibilidade de elaborar uma paráfrase considerando o desenvolvimento tecnológico disponível nesta sociedade (sic). "A sociedade atual tem tudo, só lhe falta o essencial." E por faltar-lhe o essencial o que ela consegue é, lamentavelmente, tornar a vida insuportável para um número crescente de pessoas, nestes tempos em que seria possível torná-la suportável para todas as pessoas.
E o que seria o essencial? Talvez a percepção da veracidade da seguinte afirmação de Alexis Carrel (1873 - 1944), recebedor do Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia, em 1912: "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem." Em outras palavras, a percepção de que em vez de ficarmos fascinados por um desenvolvimento tecnológico que leva-nos a considerar desnecessária a interação com outras pessoas e, consequentemente, ao desinteresse pela qualidade de suas vidas, o que deveríamos fazer é interessarmo-nos por um desenvolvimento que nos possibilite "realizar o potencial de sermos humanos", algo citado em outro parágrafo do artigo de Bustani e Capra.
"Tivemos 300 mil anos desde o surgimento do Homo sapiens para realizar o potencial de sermos humanos, no entanto nossa negação coletiva da santidade da vida ainda sugere que somos um experimento civilizacional fracassado. Em vez de amar toda a vida, em qualquer forma que ela possa se manifestar, nós menosprezamos todas as formas de vida, exceto a nossa, como evidenciado pela enorme perda de biodiversidade acontecendo diante de nossos olhos. E não importa quais metas sejam definidas ou quais acordos sejam assinados, só mudaremos as realidades por meio do AMOR, aquela palavra de quatro letras que nunca encontrou um lugar nas vísceras do mundo dos negócios."
"Tivemos 300 mil anos desde o surgimento do Homo sapiens para realizar o potencial de sermos humanos, no entanto nossa negação coletiva da santidade da vida ainda sugere que somos um experimento civilizacional fracassado.", dizem Bustani e Capra. Sim, "somos um experimento civilizacional fracassado". Afinal, como já dito no segundo parágrafo acima, "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem."
"Os antigos afirmavam que o ser humano ainda não nasceu; estamos sendo uma possibilidade. Segundo eles, dependendo do que fizermos, em algum momento justo do caminho, poderemos nos tornar seres humanos plenos", diz Roberto Crema, reitor da UNIPAZ e um dos autênticos seres humanos com quem tive a oportunidade de interagir, em uma afirmação que, no meu entender, tem tudo a ver com o que dizem Bustani e Capra.
"Conseguirmos "realizar o potencial de sermos humanos" para, enfim, conseguirmos viver tendo como lema "aquela palavra de quatro letras que nunca encontrou um lugar nas vísceras do mundo dos negócios: AMOR". Antes de falar sobre o que seja amor, faço aqui uma observação. É impressionante a quantidade de vezes em que, enquanto estou elaborando uma postagem, coincidentemente, me são mostradas coisas interessantes que têm tudo a ver com ela. Enquanto elaborava esta, coincidentemente, encontrei em um episódio do Café Filosófico (programa apresentado às 19 horas de domingo na TV Cultura) uma definição interessantíssima sobre o que seja amor: "O amor é desejar que o outro viva."
Encontrável em https://www.youtube.com/watch?v=rFoXYwoV5EQ até o momento da publicação desta postagem, o episódio é intitulado "O 'eu', entre o inalcançável e o possível". O trecho reproduzido no próximo parágrafo começa no minuto 19 e além de falar sobre o amor fala também sobre humanidade outro tema focalizado no artigo de Bustani e Capra: humanidade. Segundo minha "insuspeita" opinião, o ideal é assistir o referido vídeo na íntegra, pois considero-o maravilhoso do início ao fim.
"O amor é desejar que o outro viva." "O amor da humanidade deseja que a pessoa, o objeto desse amor, viva. Desejar vida é amar. ... E quando você deseja que essa pessoa viva, você precisa parar para escutar que vida essa pessoa tem tido até ali, para decidir como construir a prática da humanidade que você terá com ela. A construção da humanidade que compartilhamos depende de indivíduos desejando que indivíduos tenham acesso à vida. A gente percebe a outra pessoa no meu caminho e eu desejo que a vida dela seja construída como a minha vida está sendo construída." 
"Prevalência do ódio, intolerância e guerra; ganância, que continua a aumentar a lacuna entre aqueles que têm mais do que precisam e aqueles que não têm o suficiente.", eis algumas coisas que, segundo Bustani e Capra, "estão tornando a vida insuportável para um número crescente de pessoas". Coisas que existem neste planeta há milhares anos, considerando que, ainda segundo Bustani e Capra - "Tivemos 300 mil anos desde o surgimento do Homo sapiens para realizar o potencial de sermos humanos, no entanto nossa negação coletiva da santidade da vida ainda sugere que somos um experimento civilizacional fracassado".
Trezentos mil anos durante os quais vários espíritos evoluídos para o bem (sim, evolução é algo que tem dois sentidos - para o bem ou para o mal) por aqui passaram tentando nos fazer desistir da "nossa negação coletiva da santidade da vida" e enveredar na "construção da humanidade". As ideias apresentadas no próximo parágrafo são atribuídas a Confúcio, um desses espíritos evoluídos para o bem que por aqui passou há aproximadamente 2.500 anos.
"A construção da humanidade que compartilhamos depende de indivíduos desejando que indivíduos tenham acesso à vida. A gente percebe a outra pessoa no meu caminho e eu desejo que a vida dela seja construída como a minha vida está sendo construída."
Você consegue enxergar que a construção da humanidade requer exatamente o contrário do que Bustani e Capra apontam como responsáveis pela construção de uma vida insuportável para um número crescente de pessoas? Como construir a humanidade em um mundo onde prevalecem o ódio, a intolerância e a guerra considerando que a construção da humanidade requer a prática do amor?
"A palavra de quatro letras que os negócios esqueceram", eis o título do extraordinário artigo de Lourenço Bustani e Fritjof Capra. Você consegue enxergar que, neste insano mundo em que sobrevivemos, tudo foi transformado em negócios? Negócios realizados por corporações cada vez maiores, não à luz, e sim à sombra da competição. Competição cuja intenção é fazer desaparecer, por incorporação ou assimilação, quem com elas ousem tentar concorrer. Você consegue enxergar que enquanto "O amor é desejar que o outro viva." a competição é desejar que o outro morra? Você consegue enxergar que em um mundo onde o desejo é que o outro morra a construção da humanidade é algo, simplesmente, impossível?
Continua em algum dia da próxima semana

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