segunda-feira, 9 de outubro de 2023

O Espírito Capitalista - A sinceridade indesculpável (II)

Continuação de terça-feira
"Os EUA já foram uma nação de consertadores, de inventores, de soldadores de fundo de quintal. Todo mundo sonhava em construir uma bicicleta melhor. Agora nossa única grande indústria é a guerra.". Os grifos são meus.
Onde encontrei essa afirmação? Em uma reportagem-entrevista publicada na edição de 19-20 de setembro de 2004 do Jornal do Commercio. O entrevistado? O escritor americano Nicholson Baker.
"EUA terão de produzir mais armas e munição", eis o titulo de uma notícia publicada na edição de 17 de fevereiro de 2023 do jornal Valor.
Notícia que provocou uma postagem no blog Lendo e Opinando publicada em 21 de junho de 2023 com título homônimo. Guerras, armas e munição, eis três coisas que esse país que, sabe-se lá baseado em que, é apregoado como sendo a maior democracia do planeta, terá que produzir cada vez mais para manter sua sinistra condição de país rico a custa do sofrimento de outros povos. Ser rico a custa do sofrimento de outros, eis o que está por trás dos "vitoriosos" modelos desenvolvidos em conformidade com o espírito capitalista.
"Somos ricos não porque temos alta produtividade, mas porque temos uma força de trabalho estrangeira que sofre e é mal remunerada".
Onde encontrei essa afirmação? Em uma reportagem da jornalista francesa Martine Bulard publicada na edição de setembro de 2023 do jornal Le Monde Diplomatique Brasil, dentro do tema O Modelo de Singapura. O autor da afirmação? Alex Au, advogado aposentado católico que, segundo a jornalista, recebeu a equipe de reportagem em suas modestas instalações nos confins do bairro indiano.
"Muito antes de a expressão – e a realidade – se tornarem lugar-comum em outras partes do mundo, Singapura instaurava uma 'democracia liberal', que perdura: o direito a voto existe, mas os partidos da oposição são sufocados; o direito de greve está consagrado na Constituição, mas é impossível exercê-lo – a mais recente delas, dos motoristas de ônibus, em 2012, foi declarada ilegal e terminou com a prisão de seus líderes.", diz a jornalista Martine Bulard.
"Não, não basta existir o direito a voto para que um regime político possa ser considerado uma democracia. Chamar de democracia uma 'democracia liberal' em que a oposição é sufocada e quem tenta exercer os direitos consagrados na Constituição é preso é, no meu entender, um autêntico deboche. E ao falar em 'democracia liberal', Martine faz-me lembrar de algo dito pelo sociólogo alemão Wolfgang Streeck em seu livro intitulado Tempo comprado: A crise adiada do capitalismo democrático publicado originalmente em 2013 e no Brasil em 2018. Segundo Streeck, "Sintomas como o Brexit e a recessão continuada da União Europeia são as manifestações mais recentes da crescente incompatibilidade entre capitalismo e democracia, situada na longa transformação neoliberal do capitalismo pós-guerra a partir dos anos 1970."
E ao falar em "crescente incompatibilidade entre capitalismo e democracia", Wolfgang Streeck (1946) faz-me ativar a prática das recordações sucessivas e trazer para esta postagem as seguintes palavras do filósofo e escritor francês Jean-Jacques Rousseau (1712 – 1778).
"Uma sociedade só é democrática quando ninguém for tão rico que possa comprar alguém e ninguém seja tão pobre que tenha que se vender a alguém."
Capitalismo e democracia sempre foram e sempre serão incompatíveis, por mais que os capitalistas afirmem o contrário.
Focalizando mais algumas coisas ruins para os demais integrantes do planeta e boas para os bilionários capitalistas, segue um sinistro comentário alusivo a doenças e mutilações.
"Os hospitais estão quase quebrando porque eles perderam no seu movimento normal as cirurgias eletivas, aquelas que não são emergenciais, os acidentes de trânsito caíram muito, também eram um motivo de faturamento dos hospitais e a covid não está ocupando na maioria do país os leitos. Então, nós estamos ainda quebrando todo o nosso sistema hospitalar financeiramente porque eles não podem fazer o seu trabalho normal e também não tem clientes covid em todo o país pra ocupar os leitos."
O autor da "pérola"? Ricardo Barros. Quem é ele? Segundo a Wikipédia, um engenheiro civil, empresário e político brasileiro que foi ministro da saúde no governo Temer e, atualmente, é deputado federal pelo estado do Paraná. Será que faz algum sentido lamentar a queda na quantidade de acidentes de trânsito? Para um empresário, sim, pois, parafraseando algo dito na postagem anterior, 'Afinal, acidente de trânsito quer dizer dinheiro'. Sobre a denominação "clientes covid", enxergo-a como uma aplicação da seguinte frase: "Para quem só sabe usar martelo, todo problema é um prego." Ou seja, "Para quem só sabe dar valor ao dinheiro, toda pessoa com quem interage é um cliente." O problema é que como diz Nuccio Ordine em afirmação feita em 2014, "Reduzir o valor da vida ao dinheiro mata toda possibilidade de idealizar um mundo melhor."
"Desconfio seriamente que fazemos festa porque a vida não é boa, porque se fosse, acho que nem faríamos."
Onde encontrei a afirmação acima? Em uma entrevista concedida pelo escritor, professor, historiador, compositor brasileiro Luiz Antônio Simas encontrável em https://gamarevista.uol.com.br/semana/qual-e-a-sua-fantasia/luiz-antonio-simas-fala-sobre-os-problemas-do-carnaval/, até o momento da publicação desta postagem.
"Desconfio seriamente" que tornar a vida ruim seja mais uma das práticas capitalistas para nos venderem coisas. Tornar as pessoas infelizes, pois considerando que elas não apreciam a infelicidade e que para dela se livrarem até se dispõem a pagar, o que fazem os capitalistas: produzem infelicidade para levar-nos a desejar consumir uma infinidade de coisas que, supostamente, tornarão nossa vida melhor se as tivermos. E aí, tome de distrações e de diversões. Distrações e diversões que nada têm de inofensivas, como se pode deduzir a partir das três afirmações apresentadas a seguir.
"Você não pode controlar seu povo pela força, mas pode distraí-lo por meio do consumo."
(Noam Chomsky [1928], linguista, filósofo e ativista americano)
"A diversão é uma droga, ela nos livra de pensar"
(Márcia Tiburi [1970], filósofa, escritora e professora brasileira)
"Nós, humanos, aderimos a qualquer tecnologia que possa nos liberar da cansativa necessidade de pensar por conta própria."
(Em artigo de Simon Kuper e Tim Hartord, do Financial Times, publicado na edição de 29 de setembro de 2023 do jornal Valor)
Distraídos e livres da atividade de pensar, ou seja, situados na condição ideal para desejar comprar toda e qualquer coisa que lhe queiram vender nesta sociedade do consumo desenfreado. Dito isto, segue a reprodução de uma foto de um trecho de um muro em Lisboa, tirada pelo jornalista, escritor e cronista brasileiro Arnaldo Bloch (1965), em 2003.
 

Termina na próxima sexta-feira

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