Cumprindo o que foi prometido no último
parágrafo da postagem anterior, segue uma analogia entre coisas do mundo esportivo citadas por
Tostão em seu excelente artigo e coisas do mundo corporativo por mim
constatadas durante meu longo período de atuação em tal mundo.
É interessante perceber que o que é dito por Tostão sobre o mundo esportivo é bastante aplicável a outros mundos, pois, sob vários aspectos comportamentais, a imensa maioria dos indivíduos é muito parecida, independentemente do mundo em que eles atuem. Até porque algo que ocorre muito nesta sociedade (sic) é alguém que atua em um mundo querer vender suas práticas para quem atue em outro. Um exemplo? Na época em que eu estava na ativa, havia algo que imagino que ainda existe hoje. Celebridades do mundo esportivo davam, ou melhor, vendiam no mundo corporativo palestras nas quais defendiam a ideia de que práticas bem sucedidas no mundo esportivo são aplicáveis ao mundo corporativo.
Feito este preâmbulo, passemos a uma analogia entre tais mundos reproduzindo trechos do texto de Tostão seguidos de parágrafos elaborados com a aplicação do "método" mutatis mutandis nos trechos selecionados.
"No mundo esportivo ideal, os atletas entrariam em campo só para jogar futebol, com alegria, e respeitariam companheiros, adversários, árbitros e auxiliares, além de tentar dar bons espetáculos,"
No mundo corporativo ideal, os profissionais entrariam em sala só para exercer a sua
profissão, com alegria, e respeitariam companheiros, subordinados e auxiliares,
além de tentar dar bons espetáculos, que seria o desenvolvimento de trabalhos
que, realmente, atendessem as necessidades da empresa e dos usuários para quem tais
trabalhos fossem desenvolvidos.
"No mundo esportivo real, os jogos, em todo o planeta, principalmente na América do Sul, estão cada dia mais tensos, tumultuados e violentos. Muitos treinadores e dirigentes, mesmo sem intenção, estimulam a violência com os discursos de ganhar a batalha, perder a guerra, jogar com muita pegada, além de ofensas aos árbitros".
No mundo corporativo
real, os relacionamentos nos ambientes de trabalho estão cada dia mais tensos,
tumultuados e violentos. Muitos chefes, mesmo sem intenção estimulam a
violência com os discursos da necessidade de ser competitivo, se possível
eliminando outras corporações. Segundo um colega de trabalho, em uma palestra do
consagrado jogador de basquetebol Oscar Schmidt que ele assistira em um órgão
da Petrobras, após defender a ideia de que trabalhadores de uma empresa
precisam odiar as empresas concorrentes, ele conclamou o auditório a repetir
com ele as seguintes palavras de ordem: "Vai tomar no caju, Shell!"
A deplorável atitude de Oscar concede veracidade a algo dito por Tostão em seu excelente texto: "Sempre falam que no esporte aprendem-se valores éticos. Isso não é verdade no esporte de competição e de alto nível." Aliás, creio que aprendizado de valores éticos e competição são duas coisas de difícil combinação. A combinação perfeita do aprendizado de valores éticos é com cooperação.
"No mundo esportivo ideal, a imprensa cobraria, com ênfase, mais qualidade técnica e menos violência."
No
mundo corporativo ideal, "a
liderança" cobraria com ênfase, mais qualidade técnica e menos agressividade
em marketing pessoal.
"No mundo esportivo real, parte da mídia incorporou o discurso dos técnicos de que o importante é o resultado e que, no futebol moderno e de muita marcação, não há mais lugar para futebol bonito e com poucas faltas."
No mundo corporativo
real, "a liderança" incorporou o discurso das "melhores práticas" de que o importante é o resultado e que, no mercado
moderno e de muita competição, não há mais lugar para trabalho bonito, pois "o ótimo é inimigo do bom". "As lideranças" adoram tal expressão.
Uma diferença que considero significativa entre o mundo esportivo
e o mundo corporativo é a seguinte. No corporativo o discurso não é em cima de
resultados propriamente ditos, e sim sobre algo denominado indicadores. Para
quem não sabe o que são indicadores, aqui vai uma breve explicação. Indicadores
são algo que indica que alguma coisa foi feita dentro de um determinado prazo,
sem importar se foi bem feita, ou o que é pior, se deveria ter sido feita. Comparando
com o mundo esportivo, digo o seguinte: o que importa é a quantidade de
trabalhos (jogos) realizados dentro do prazo. O resultado do trabalho (jogo) –
vitória ou derrota – não vem ao caso.
"No meu mundo ideal, queria assistir aos jogos somente com o olhar de um poeta e de um apreciador das coisas belas de um espetáculo. No meu mundo real, preciso ser também pragmático e um analista técnico e tático. Eu tento unir os dois mundos. Nem sempre consigo. Os dois se estranham.", diz Tostão encerrando seu artigo.
No meu mundo ideal, queria trabalhar somente com o olhar
de um analista de sistemas apreciador das coisas belas de um espetáculo que é
desenvolver um trabalho que "realmente" resolva um problema do
usuário. No meu mundo real, preciso ser também pragmático e um profissional
burocrático. Eu nem tento unir os dois mundos, pois isto não é possível. Eles
se estranham.
Considerando tal estranhamento, as 3,7 décadas que
passara atuando no teatro corporativo, digo, no mundo corporativo e as
reflexões sobre uma indagação do ator
e supervisor aposentado Horst Tappert, em outubro de 2010, eu optei por mudar
de mundo. Qual é a referida indagação?
"Eu me perguntei se esse era o sentido da vida: levantar às cinco da manhã e chegar a casa às sete da noite apesar de o serviço não me satisfazer em nada".
Então,
exercendo uma opção que tende a desaparecer neste mundo em que a maioria das
pessoas está sendo levada a trabalhar cada vez mais e por mais tempo, assim
como fez Tappert, tornei-me um ator aposentado.
Para terminar esta
postagem, retorno ao primeiro parágrafo do texto que a provocou.
"Existe um mundo real, muitas vezes violento, injusto, ganancioso e preconceituoso, e outro ideal, que sonhamos viver, embora façamos pouco para isso."
E ao ler "e outro ideal,
que sonhamos viver, embora façamos pouco para isso", imediatamente vem-me à mente o seguinte
trecho do livro "MAGIA & GESTÃO", de Geraldo R. Caravantes e
Wesley E. Bjur.
Será que faz sentido considerar que o que Geraldo R.
Caravantes e Wesley E. Bjur denominam boa
sociedade corresponde ao que Tostão denomina mundo ideal? No meu entender, sim. Sendo assim, o problema que
enxergo é que, como diz Tostão, fazemos
pouco para criar o mundo ideal ou a boa
sociedade. Até porque, nesta insana sociedade em que sobrevivemos o que
mais se vê é a disposição para fazermos
muito em prol do desenvolvimento de outro mundo: o mundo virtual.
"A boa sociedade não é uma dádiva, mas trata-se de um processo de construção coletivo, em que as boas organizações (lembre-se de que vivemos em uma sociedade organizacional) serão seus esteios. Por outro lado, entendem os autores que estas ficções legais, que chamamos organizações, são decorrência, por sua vez, de indivíduos que nelas atuam."
Nenhum comentário:
Postar um comentário