terça-feira, 19 de dezembro de 2017

Reflexões provocadas por "Os dois tipos de casamento"

"O tênis é um jogo feroz. O seu objetivo é derrotar o adversário. E a sua derrota se revela no seu erro. (...) Joga-se tênis para fazer o outro errar. (...) O prazer do tênis se encontra no momento em que o jogo não pode mais continuar porque o adversário foi colocado fora de jogo. Termina sempre com a alegria de um e a tristeza de outro."
"O frescobol se parece muito com o tênis: dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Só que, para o jogo ser bom, é preciso que nenhum dos dois perca. (...) Não existe adversário porque não há ninguém a ser derrotado. Aqui ou os dois ganham ou ninguém ganha. E ninguém fica feliz quando o outro erra - pois o que se deseja é que ninguém erre."
Dois jogadores, duas raquetes e uma bola. Dois jogos jogados com materiais bastante parecidos, porém com espíritos inteiramente diferentes. O primeiro, jogado com o espírito de derrotar o adversário; o segundo, por não existir adversário, sem o espírito de derrotar. No primeiro, sempre um jogador alegre e outro triste; no segundo, sempre os dois alegres.
Tênis e frescobol! Dois jogos cujos espíritos com que são jogados levaram Rubem Alves a usá-los em uma analogia com o modo como as pessoas se comportam nessa relação denominada casamento. Mas será que tal analogia restringe-se ao casamento ou faz sentido estendê-la a outras relações?
Será que nesta civilização (sic), onde os indivíduos são classificados como vencedores ou perdedores, em toda e qualquer relação humana, o espírito dos que nela interagem pode ser interpretado à luz do tênis ou do frescobol, e na qual uma quantidade estupendamente (ou seria estupidamente?) maior de pessoas comporta-se como jogadores de tênis?
Será que no tal do mundo corporativo, onde a cada dia há menos lugares, o espírito com que nele atua a maioria de seus integrantes pode ser comparado ao de jogadores de tênis? Sobre os que ocupam cargos de chefia ou a eles aspiram nem indago, pois, quanto a esses, não tenho a menor dúvida.
Será que nesta civilização onde as pessoas crescem incitadas a vencer na vida, (ou seja, a viver em uma luta sem tréguas contra aqueles (as) que com elas disputem a sobrevivência neste mundo assolado pelo egoísmo), o imenso contingente formado pelos indivíduos que relacionam-se segundo o espírito de jogadores de tênis conseguirá, algum dia, aceitar algo dito por Rubem Alves em um pequeno livro intitulado Coisas do amor: "O segredo das boas relações é não jogar tênis. Jogar só frescobol..."?
E ao falar em "o segredo das boas relações" Rubem Alves me faz lembrar um livro de Vimala Thakar intitulado Viver é relacionar-se. E ao juntar Rubem Alves e Vimala Thakar, tal junção leva-me a ousar dizer o seguinte: o segredo para viver bem é relacionar-se por meio de boas relações.
Por considerá-lo marcante demais, reproduzo aqui o segundo parágrafo do texto de Rubem Alves espalhado pela postagem anterior.
Para começar, uma afirmação de Nietzsche, com a qual concordo inteiramente. Dizia ele: "Ao pensar sobre a possibilidade do casamento cada um deveria se fazer a seguinte pergunta: 'Você crê que seria capaz de conversar com prazer com esta pessoa até a sua velhice?' Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar'."
"Tudo o mais no casamento é transitório, mas as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar."! Que afirmação sinistra!
E assim como fiz em relação à analogia entre tênis, frescobol e casamento feita por Rubem Alves, questionando se ela pode ser estendida a outras relações, faço aqui a seguinte indagação - Será que não só no casamento, mas também em qualquer outro tipo de relação, "as relações que desafiam o tempo são aquelas construídas sobre a arte de conversar"?
A arte de conversar! Uma arte que precisa urgentemente ser desenvolvida nesta civilização onde o que se faz é apenas falar. Uma arte que precisa ser desenvolvida, pois, além de uma arte, conversar é também uma necessidade humana. E é por entender assim que a postagem que fiz neste blog em 31 de maio de 2011 tem o seguinte título: A necessidade de conversar. Uma postagem que, na minha insuspeita opinião (rsrs), vale a pena ler.
E após tudo o que foi dito acima, ao encerrar esta postagem, que talvez seja a última deste ano, eu não poderia deixar de nela mencionar uma afirmação do saudoso Eduardo Galeano que, no meu entender, tem tudo a ver com estas reflexões. "Somos o que somos e ao mesmo tempo o que fazemos para mudar o que somos." Afirmação que combinada com outras feitas ao longo desta postagem leva-me a terminá-la com as seguintes palavras.
Se viver é relacionar-se.
Se o segredo das boas relações é não jogar tênis, Jogar só frescobol...
Se conversar é uma necessidade.
Se somos o que somos e ao mesmo tempo o que fazemos para mudar o que somos.
Que tal aproveitarmos este período do ano em que, pelo menos teoricamente, as pessoas ficam mais propensas a reformularem o seu modo de vida, para, embasados nos três primeiros "Se", colocarmos em prática o quarto "Se" e dessa forma mudarmos o que somos e nos tornarmos melhor do que somos.
Por que lhes faço tal proposta? Porque, como digo em meu perfil no blog, "sou alguém que acredita que a qualidade de uma sociedade é resultado das ações de todos os seus componentes". Ações cuja qualidade será tanto melhor quanto melhor forem todos os seus componentes. Estamos conversados?

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