É a ideologia da separação que está destruindo
o planeta e a sociedade, que está gerando todas as crises que enfrentamos
atualmente, porque parte desse paradigma está ancorado na competição. Claro que
certa dose de competitividade é natural, mas atingimos uma escala excessiva e
artificial gerada pelo sistema econômico vigente que nos faz sentir apartados
uns dos outros. Temos que urgentemente resgatar o sentido de comunidade. E lembrar que a todo momento podemos fazer
escolhas e decidir que futuro queremos ajudar a construir.
Nos Estados Unidos, as
pessoas passam a maior parte do tempo dentro de suas casas, plugadas em suas
TVs, computadores e videogames, e o mundo lá fora é um mundo de estranhos,
desconfortável. Mesmo a própria vizinhança. Só que em um mundo como esse não há
comunidade. Seres humanos precisam sentir que são
conhecidos por seus pares, e vice-versa – eis uma necessidade emocional
profunda.
O que nos foi dito
sobre quem somos é que somos seres separados, indivíduos em um mundo de outros;
que a nossa felicidade, o nosso bem-estar e até mesmo a nossa existência não
dependem do mundo à nossa volta; que, enquanto tivermos dinheiro, segurança e
controle suficientes, ficaremos bem. Mas tudo isso é uma grande mentira. Nosso
bem-estar depende do bem-estar de todos. Riqueza é se sentir seguro e em paz no
mundo, e não supostamente protegido atrás de muros.
Os parágrafos acima
foram elaborados com trechos extraídos da entrevista do filósofo Charles Eisenstein apresentada
por partes nas três postagens anteriores. Os dois imediatamente abaixo com palavras de entrevistados
para o documentário O Começo da Vida.
Documentário a partir do qual elaborei a postagem intitulada Algumas passagens marcantes do documentário "O Começo da Vida" que antecedeu a referida "trilogia"
citada na primeira frase deste parágrafo. Os grifos (acima e abaixo) são meus.
"Uma das grandes solidões do mundo
contemporâneo é a perda de comunidade. Perdemos esse
sentido comunitário, a criança precisa disso. (...) Cada criança pertence à comunidade, pertence, na verdade mesmo, pertence à
humanidade inteira.", diz Severino
Antônio, Ph.D., educador e escritor.
"E mesmo para as
pessoas que dizem - eu cuido bem dos meus filhos, eu dou duro, as coisas não
vêem assim tão fácil, mas eu estou cuidando bem deles, não é justo me pedir
para me responsabilizar pelo que os outros não fazem pelos filhos, eu estou
preocupado com os meus -, a resposta é: a vida dos seus filhos quando crescerem
será mais fácil ou difícil com base em quantas pessoas da idade deles estão
contribuindo ou na verdade são um peso para a sociedade.", diz Jack P.
Shonkoff, M. D., diretor do Centro de Desenvolvimento Infantil da Universidade
Harvard.
Vocês concordam que as
palavras do filósofo Charles Eisenstein, do educador Severino Antônio e de Jack
P. Shonkoff, M. D., diretor do Centro de Desenvolvimento Infantil da
Universidade Harvard, têm tudo a ver? Vocês enxergam sentido no conceito de
riqueza citado por Eisenstein: "Riqueza é se sentir seguro e em paz no
mundo, e não supostamente protegido atrás de muros.". E considerando esse
conceito, vocês acham que faz algum sentido acreditar que seja possível desfrutarmos
de riqueza, ou seja, - de segurança e paz no mundo -, sem antes "termos
resgatado o sentido de comunidade"? No meu
entender, não; e no de vocês?
E após as indagações
acima, nas quais é destacado o novo (e estranho) conceito de riqueza
apresentado por Charles Eisenstein, estas reflexões chamam atenção para uma ideia
do filósofo que a maioria classificará como um autêntico delírio: a cultura da
dádiva. Ideia resumidamente expressa no parágrafo abaixo.
"Cultura da
dádiva é viver em comunidade, é ajudar uns aos outros sem precisar contratar
alguém para fazer isso, é consertar o banheiro do seu vizinho, que também irá
ajudá-lo a consertar o seu ou estender a mão quando preciso for. Cultura da
dádiva é doar presença, é se ajudar mutuamente. Se você possui uma quantidade
significativa de recursos financeiros, seria muito mais benéfico ao planeta se
você pudesse emprestá-lo a quem precisa a juro zero, em vez de guardá-lo só
para você ou de transformá-lo em mais e mais cifras. Essa corrente gera
gratidão. Você pode fazer a diferença na vida dos amigos e conhecidos. E,
quando precisar, eles estarão lá por você."
Vocês conseguem
imaginar esta dita espécie inteligente do universo (a qual pertencemos) vivendo
segundo a cultura da dádiva? Ou será que vocês enxergam tal cultura como um tremendo
delírio de Eisenstein? Será que a concretização da possibilidade de que
"Dias melhores virão" depende de acreditarmos que a falta de nexo não
esteja na cultura da dádiva (defendida pelo filósofo), e sim na cultura do
individualismo e do materialismo preconizada pelos supostos donos deste
planeta? Será que faz sentido classificar como utópicos aqueles que ainda
acreditem que "Dias melhores virão"? Para responder à última
indagação recorro a algo dito pelo filósofo Slavoj Zizek: "Quando me dizem 'você é um utópico', digo: 'a única utopia de fato é acreditar que as
coisas podem seguir indefinidamente seu curso atual'".
"Que as coisas
podem seguir indefinidamente seu curso atual" é algo em que não só Slavoj
Zizek, mas também Charles Eisenstein, Zygmunt Bauman e eu não acreditamos. Mas há
uma coisa em que os três últimos declaradamente acreditam: que a chegada de
dias melhores é algo que ainda demorará, conforme é explicado a seguir.
"A verdade é que
essa crise não irá desaparecer tão cedo. Muito pelo contrário, ela ficará cada
vez pior. Tal cenário só poderá ser transformado quando o que consideramos 'normal'
entrar em colapso. Daí então surgirá espaço para o novo. O mundo que conhecemos
não está funcionando mais. Temos que urgentemente resgatar o sentido de
comunidade. E lembrar que a todo momento podemos fazer escolhas e decidir que
futuro queremos ajudar a construir.", diz Charles Eisenstein.
Em resposta a pergunta
- "O senhor é otimista com relação ao futuro próximo do mundo?" –
feita em uma entrevista publicada na edição de 7 de agosto de 2016 do jornal O Estado de S. Paulo, o famoso sociólogo
Zygmunt Bauman disse o seguinte:
"Procuro seguir o
preceito de Antonio Gramsci: ser pessimista a curto prazo e otimista a longo
prazo. Afinal, esta não é a primeira crise na história da humanidade. De alguma
maneira, as pessoas encontraram meios para superá-las no passado. Eles podem (e
é essa capacidade que nos torna humanos) repetir a façanha mais uma vez. A
única preocupação é: quantas pessoas pagarão com suas vidas desperdiçadas e
oportunidades perdidas até que isto ocorra?"
"No processo de
crescente piora de males como a violência e seus derivados (criminalidade e
guerras) que ameaçam cada vez mais as condições de sobrevivência neste planeta,
acredito que haverá um momento em que tais condições ficarão insuportáveis até
mesmo para a apática espécie inteligente do universo. Considerando que é a
insuportabilidade que a levará a agir em prol da melhora das condições de vida
neste planeta, resta-me espalhar a ideia de que quanto pior melhor, pois só assim o "imprescindível"
ponto de insuportabilidade será alcançado o quanto antes.". Eis um parágrafo
da postagem intitulada Ducentésima postagem ou "Quanto pior melhor" publicada neste blog em 16 de
abril de 2013. Vocês concordam que "atingir o ponto de insuportabilidade"
nele citado tem tudo a ver com o "colapso do que consideramos 'normal'"
citado por Charles Eisenstein?
"Podemos achar
que nossas ações são insignificantes e, portanto, desprovidas de poder para
transformar o mundo. Mas, na verdade, nossas escolhas, por mais singelas que
sejam, são nossas orações, nossos atestados. Um jeito de afirmar: 'É esse o
mundo que eu desejo para mim e para todos'. Como negar a importância de uma avó
amorosa em algum lugar do mundo que está transmitindo seu afeto a seu neto e,
consequentemente, ao neto dele, e assim por diante. Daqui a 500 anos, o mundo
pode ser um lugar melhor por causa dela. Quem vai ter coragem de dizer que não?".
Eis o trecho da entrevista de Eisenstein com o qual encerro estas reflexões que
compartilho com vocês. Reflexões que talvez prossigam após a publicação de uma
postagem alusiva à data a ser lembrada no próximo domingo.
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