Continuação de terça-feira
Você afirma que o crescimento econômico tem um limite e que
nós já atingimos esse limiar, uma vez que um planeta finito não pode suportar
crescimento infinito. O que acontece agora?
Poderíamos crescer um
pouco mais. O planeta ainda oferece, por exemplo, florestas tropicais que podem
ser desmatadas, peixes que podem ser pescados, petróleo, ar atmosférico etc. Se
trabalharmos duro, podemos crescer por mais algumas décadas. Acontece que o
custo desse crescimento só aumenta. Seria melhor parar agora. Como? Protegendo
os recursos. Evitando que sejam tragados por máquinas e se convertam em
dinheiro facilmente consumido. Para tanto, nosso sistema econômico precisa se
transformar, pois da maneira como está estabelecido ele depende do crescimento,
e quando esse crescimento se desacelera ou se extingue temos grandes problemas
sociais, uma vez que a riqueza fica concentrada.
Em outras palavras,
nosso sistema financeiro só funciona se houver crescimento, e ele faz com que
os ricos fiquem ainda mais ricos. Se a economia está crescendo, ótimo, os ricos
ficam cada vez mais ricos e as demais pessoas também têm chance de melhorar sua
condição de vida. Mas, se a economia está retraída e os ricos continuam ficando
mais e mais ricos, sobra cada vez menos para o restante da população. É o que
está acontecendo agora. Em muitos lugares do mundo a classe média já está
desaparecendo. Por isso, o fim o crescimento é um alerta para que mudemos o
sistema econômico.
A alternativa ao modelo vigente seria uma economia baseada
na colaboração e no compartilhamento?
Sem dúvida, esse é um
caminho por meio do qual todos podem ficar mais ricos mesmo ganhando menos
dinheiro, mesmo possuindo menos coisas, mesmo vivendo numa economia que está
encolhendo. Nos Estados Unidos, toda casa tem um poderoso kit de ferramentas,
equipamentos de ginástica etc. Agora me responda: durante quanto tempo na
semana esses proprietários se valem dessas posses? Muitas dessas coisas
poderiam ser perfeitamente compartilhadas. Esse é um exemplo de como podemos
nos beneficiar desse novo modelo.
Como o dinheiro se insere nesse novo contexto?
Quero deixar claro que
não considero o dinheiro contrário à colaboração. Muitas pessoas já aderiram ao
sistema colaborativo e também usam dinheiro. O que defendo é uma mudança na
natureza da moeda. Não vamos evoluir se os bancos centrais continuarem
direcionando recursos monetários àqueles que já dispõem dele. Se você possui
uma quantidade significativa de recursos financeiros, seria muito mais benéfico
ao planeta se você pudesse emprestá-lo a quem precisa a juro zero, em vez de
guardá-lo só para você ou de transformá-lo em mais e mais cifras. Essa corrente
gera gratidão. Você pode fazer a diferença na vida dos amigos e conhecidos. E,
quando precisar, eles estarão lá por você.
Você pode falar sobre a cultura da dádiva? Como ela se
manifesta?
O Brasil está imerso
na cultura da dádiva. Muito mais do que os Estados Unidos, pois cultura da
dádiva é viver em comunidade, é dançar nas ruas de graça, como acontece aqui, é
ajudar uns aos outros sem precisar contratar alguém para fazer isso, é
consertar o banheiro do seu vizinho, que também irá ajudá-lo a consertar o seu
ou estender a mão quando preciso for. Nos países desenvolvidos, as pessoas
pagam por todas essas coisas. Para dançar, ouvir música, por serviços diversos,
para que as crianças possam brincar, para fazer ginástica. Em suma, cultura da
dádiva é doar presença, é se ajudar mutuamente.
"Cultura da dádiva é viver em comunidade, é dançar
nas ruas de graça, é ajudar uns aos outros sem precisar contratar alguém para
fazer isso"
Quais são suas expectativas para o Brasil?
Sinto que ainda dá
tempo de o Brasil tomar um caminho diferente do caminho que o meu país tomou e
veio prescrevendo para todas as pessoas na face da Terra, ou seja, um grande
plano com instruções sobre como se desenvolver. Talvez, 50, 40 anos atrás essas
instruções fossem convincentes e, naquele tempo, os Estados Unidos estivessem
cheios de confiança de que sabiam o jeito certo de não apenas ser humano como
também de como se relacionar com o planeta. Pensávamos que tínhamos as
respostas, mas isso não é mais verdade, porque o nosso caminho, as nossas
instruções não trouxeram os resultados esperados.
Segundo essas
promessas, já era para vivermos um mundo perfeito, mas, ao invés disso, estamos
imersos numa realidade oposta a qualquer utopia. Os níveis de depressão no meu
país estão mais altos do que nunca, assim como os de obesidade. A expectativa
de vida baixou em comparação com dez anos atrás. De várias maneiras nós não
cumprimos o sonho que a ciência e a tecnologia nos ofereceram.
Nesse mundo mais bonito que nossos corações sabem ser
possível, qual seria a maneira mais fértil de empregar o nosso tempo?
Seguir o caminho que
você considera o mais bonito e que o faz se sentir vivo. Não estamos aqui
apenas para sobreviver e buscar segurança, e sim para nos dedicarmos a algo que
é belo e significativo para os nossos olhos. Quero encorajar as pessoas a
confiarem nisso, pois quando confiamos conseguimos nos dedicar. Temos a
oportunidade de fazer essa escolha, mesmo que, a princípio, ela assuste ou
pareça audaciosa. Não precisa se tratar de algo heroico. Você não tem que se
martirizar por não se sentir corajoso o suficiente. Confie. Você saberá quando
o momento da mudança chegar.
Aí, então, será capaz
de agradecer, por exemplo, ao emprego que o trouxe até aqui, mas que agora não
mais fará parte da sua vida. Oportunidades aparecem no tempo certo, isto é,
quando estamos preparados para elas. E tudo bem se cometermos erros. Pois tudo
isso é parte de um território desconhecido. E o único jeito de conhecê-lo é
explorando-o, aprendendo com os nossos equívocos.
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Nossa! Que entrevista rica em provocação de reflexões!
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