Ainda dentro da ideia
de espalhar a imprescindibilidade do resgate do sentido de comunidade, após a
postagem intitulada "As
pessoas querem se sentir parte da cidade", segue uma que apresenta
a reportagem de Giovana Girardi publicada na edição de 3 de abril de 2017 do
jornal O Estado de S. Paulo com o título Construindo o bairro dos
sonhos. Coincidentemente, ela foi publicada na mesma edição do jornal em
que foi publicada a reportagem-entrevista apresentada na postagem anterior.
Construindo o bairro
dos sonhos
Moradores das Vilas
Jataí, Beatriz e Ida, na zona oeste de São Paulo, se mobilizam para melhorar
região e transformá-la em um ecobairro
No começo
era só um sonho. O "bairro dos sonhos". As ideias de transformação,
que começaram quase como uma brincadeira em uma barraca na festa junina anual
na Vila Jataí – onde os moradores eram convidados a deixar post-its com mensagens sobre o que gostariam de ter ou ver no
bairro -, num primeiro momento refletiam mais o que eles não queriam: grandes
prédios, grandes comércios, violência.
"Havia
uma dificuldade em sonhar", lembra a administradora Cecília Lotufo, dona
de uma pizzaria no bairro e uma das idealizadoras da mobilização. Mas com o
passar do tempo, o simples fato de os moradores se unirem no processo de
construção da festa possibilitou que eles começassem a enxergar o que era
possível mudar no bairro. Com as próprias mãos ou por meio de solicitações ao poder
público.
"Fomos
alimentando a ideia de ter um ecobairro antes mesmo de ter o nome", diz
Cecília, que acabou se tornando membro do Conselho Municipal do Meio Ambiente e
do Desenvolvimento Sustentável (Cades). Foi assim que conseguiram recuperar uma
casa da prefeitura abandonada havia quase 15 anos, na Praça Valdir Azevedo, na
Vila Ida, que se tornou sede do grupo. O trabalho de revitalização, que incluiu
também a própria praça, serviu de piloto para a criação da lei sobre gestão
participativa de praças, sancionada pelo então prefeito Fernando Haddad, em
2015.
Busca das nascentes. Com a casa, surgiram
as preocupações com a água. Não havia fornecimento na rua, então os moradores
bolaram um sistema de captação da água da chuva. Hoje o grupo Jovens Profissionais
do Saneamento trabalha na construção de cisternas com filtros. "Veio a
ideia de ser sustentável, ver a coisa completa, entender a situação dos
córregos, das nascentes", conta Cecília.
O grupo,
que nessa altura já tinha se aliado a moradores da vizinha Vila Beatriz, onde
fica a hoje famosa Praça das Corujas, começou um trabalho de mapeamento das
nascentes. Descobriram que estão em uma região particularmente rica. Apenas em
uma caminhada de 3 km,
na qual dezenas se engajaram, eles encontram 16 nascentes. Muitas em péssimas
condições, com ocupações irregulares.
A
mobilização foi chamando a atenção de outros moradores. "As pessoas saíram
na janela e contavam sobre as nascentes que tinham debaixo de suas casas",
conta Maurício Ramos de Oliveira, vizinho da Praça das Corujas, que faz o
monitoramento da qualidade da água do Córrego das Corujas.
Surgiram
outros levantamentos, como de declividade e de ocupações irregulares, que
fornecem informações importantes desde sobre riscos de desmoronamentos e de
enchentes a até proliferação de mosquitos. A ideia era nortear como devia ser o
ordenamento territorial, num momento em que se discutia na Prefeitura o novo
Plano Diretor da cidade. A proposta da administração era transformar os bairros
em zona mista, com maior adensamento, para aproximar mais gente dos corredores
de transporte público que cercam a área. Isso a comunidade não queria.
"Não
era um lobby de elite que quer proteger seu modo de vida, mas vimos que já
tínhamos tantos problemas. Propusemos um adensamento menor, com prédios de
quatro andares em vez de oito, e a transformação de casas abandonadas enormes
que temos na região e que poderiam virar moradias coletivas", explica
Cecília, sobre a sugestão que o grupo fez no plano de bairro enviado à
Prefeitura para que a região fosse uma zona preferencialmente residencial
(ZPR), o que foi aceito.
O trabalho
de declividade mostrou, por exemplo, que a Cerro Corá é a área mais alta de
região e, justamente por isso, concentra as nascentes. Mas por ser um corredor
de ônibus, era um atrativo para o adensamento. "Pensamos num zoneamento
especial para blindar as nascentes. É um corredor, mas é também uma área de
proteção ambiental", diz Cecília. "Esse olhar atento que busca o
contexto da microbacia é uma premissa para o ecobairro, mas deveria fazer parte
de todo zoneamento", explica a arquiteta Lara Freitas, especialista em
ecobairros que se uniu ao grupo inicialmente como consultora e hoje faz parte
dos trabalhos.
'Jardim de chuva'. Outro resultado
prático de toda essa mobilização foi um trabalho de melhoria na manutenção das
praças da região e de aumento da arborização e da permeabilização das ruas.
Capitaneado pela médica Thaís Mauad, a ideia foi pedir autorização a Prefeitura
Regional de Pinheiros para a transformação de canteiros de ruas, até então
cobertos apenas de asfalto, em áreas verdes. Isso já foi feito em oito. Um
deles virou um "jardim de chuva", uma espécie de florestinha, e os
outros foram alterados com técnicas de permacultura típicas das hortas urbanas.
"Com
a vegetação, a água, em vez de escorrer pela rua, é absorvida, passa por um
processo de filtragem e ou vai mais devagar para o esgoto ou acaba aumentando o
lençol freático", explica Thaís. O projeto foi doado por um paisagista. O
material foi comprado pela comunidade e coube à Prefeitura apenas autorizar a
modificação.
O grupo
também promoveu plantio de árvores em uma avenida que não tinha praticamente
nenhuma e melhorou o manejo das praças. Folhas caídas, que antes, nos trabalhos
de varrição, acabavam indo para aterros, passaram a ser usadas para "coroar"
o entorno das árvores, o que enriquece o solo e traz mais umidade e proteção.
Em outra
frente, foi proposta a abertura das caixas de árvores de ruas, um dos
principais motivos de estrangulamento das plantas e suas eventuais quedas.
Agora, o grupo estuda colocar composteiras nas praças para digerir o material
orgânico. E no planejamento da festa junina deste ano, a ideia é que ela seja "resíduo
zero".
Tudo isso
faz da região um ecobairro? Talvez ainda não, mas é um bom começo. "O mais
importante é entender que ecobairro não é um projeto, mas um processo sem fim.
É um programa permanente", ensina Lara.
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"O mais
importante é entender que ecobairro não é um projeto, mas um processo sem fim.
É um programa permanente", ensina a arquiteta Lara Freitas, especialista
em ecobairros. Ensinamento que, no
meu entender, presta-se a inúmeras paráfrases apenas trocando o termo
"ecobairro" por muitos outros, inclusive pelo termo "vida".
Vocês concordam que é "como um processo sem fim, como um programa
permanente que se deve ser entender essa coisa chamada vida"?
Mas além do ensinamento apresentado no último
parágrafo, no meu entender, a reportagem de Giovana Girardi contém várias
passagens capazes de provocar reflexões que levem a outros ensinamentos. Vocês
enxergam alguma (s)?
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