Concordando ou não com o que diz Leandro
Karnal em Presenteando
gregos e troianos, é fato que seu excelente artigo oferece uma rara
oportunidade para refletir sobre o ato de presentear. Selecionei algumas das
minhas reflexões e elaborei esta postagem.
"O presente é secundário, a intenção é
central.", é uma afirmação com a qual concordo plenamente. O problema é
que intenção é algo comparável com colesterol: assim como existem o bom e mau
colesterol, existem também a boa e a má intenção. Querem um exemplo de má
intenção? Usar o ato de presentear para afirmar poder e exercer controle. "Um
presente pode ser uma forma de controle. Dar algo que alguém não possa retribuir
é uma forma de afirmar meu poder.", diz Karnal. No limite da forma de
afirmar poder, um presente pode chegar ao extremo de ser uma forma de comprar uma
pessoa, digo eu.
Mas será que "Dar algo que alguém não
possa retribuir é sempre uma forma de afirmar
poder"? É sempre algo motivado por uma má
intenção? No meu entender, não. Afinal, neste período do ano em que as pessoas
ficam mais ternas e muitas dispõem-se a presentear crianças carentes que não
lhes poderão retribuir, não creio que seu ato tenha por fim afirmar qualquer
poder ou exercer qualquer controle. Ou seja, paradoxalmente, uma mesma ação
pode ser inspirada por uma má ou por uma boa intenção. Sinistro, não?
Realmente, ao presentear a intenção faz muita diferença!
Outra forma muito comum de usar
o ato de presentear é como negócio. Dar alguma coisa em troca de um presente
que se tenha recebido é algo bastante corriqueiro na sociedade em que
sobrevivemos. O parágrafo abaixo é uma passagem do livro A Terceira Medida do Sucesso, de Arianna Huffington.
"Certa vez, uma desconhecida elogiou o colar que ela estava usando. Minha mãe o tirou e deu para ela. Quando a mulher, estupefata, perguntou 'O que posso dar em troca?', minha mãe respondeu: 'Não é um negócio, querida, é um presente'."
E em conformidade com a ideia de tratar o ato
de presentear como um negócio, a maioria dos presenteados reage assim: "em
troca" do presente recebido, dá ao presenteador algo cujo valor considere parecido
com o do presente recebido.
Querem mais um exemplo do ato de presentear
como negócio? "Tenho de levar algo, compro no caminho".
A frase é de Karnal; os grifos são meus. "No caminho" para onde? Para
o local onde acontecerá a comemoração. Por que "tenho de levar algo"?
Porque é um negócio. Tanto é que quando não se comparece à comemoração, geralmente,
não se presenteia aquele que motivou a comemoração. É ou não é um negócio? O
que vocês acham?
"Quem me presenteou, gastou algum tempo e algum dinheiro com isso". (...) "Meu tempo é, sempre, a entrega maior." (...) "Precisamos ressaltar: os presentes especiais são os que mostram o cuidado e não o valor." (...) "O cuidado torna o presente significativo."
O
parágrafo acima é composto de trechos de diferentes parágrafos do artigo de
Leandro Karnal. Entre tempo e dinheiro, Karnal dá maior importância ao tempo, e
entre valor e cuidado, ao cuidado. Tempo e cuidado dedicados a encontrar o
presente adequado, eis os fatores mais relevantes em relação ao ato de
presentear. Fatores que, no meu entender, validam o parágrafo final do
artigo de Karnal.
"Já pensou em dar algo imaterial e precioso como sua atenção total? Ofereça um jantar e não leve seu celular. Siga com genuíno afeto tudo que ela ou ele fala e esteja inteiro na conversa. É um presentão! O resto são pacotes..."
"Já pensou em dar algo imaterial e
precioso como sua atenção total! Ou seja, em dar tempo, cuidado e afeto. Se não
pensou, pense, mas prepare-se para possíveis surpresas que possam advir de seu modo
de presentear. Por que faço tal alerta? Porque nesta civilização (sic) assolada
pelo materialismo e pela insensibilidade, ainda são poucos os indivíduos com
sensibilidade suficiente para, entre "um presentão imaterial" e um "um
pacote", preferirem receber "um presentão imaterial".
E ao falar em serem poucos os indivíduos
capazes de contentarem-se com o recebimento de "um presentão imaterial",
algo que considero um verdadeiro bem, me vem à lembrança aquela recomendação de
Mark Twain (1835 – 1910) citada em recente
postagem neste blog: "Faça
sempre o bem; você contentará alguns e deixará os demais perplexos."
Recomendação a partir da qual faço a seguinte paráfrase: "Dê sempre
presentes nos quais estejam presentes
o tempo, o cuidado e o afeto; você
contentará alguns e deixará os demais perplexos." Perplexidade que,
algum dia, poderá levá-los a ingressarem no grupo daqueles que se contentam com
o recebimento de um "um presentão imaterial".
Ao encerrar esta postagem, relato um
episódio ocorrido em uma comemoração natalina. Durante a tradicional troca de
presentes, embalada pela solicitação "Não repare; é só uma lembrancinha!",
ouvi uma das minhas cunhadas dizer a uma prima (de quem recebera uma lembrancinha),
algo mais ou menos assim: "Nesta época a gente ganha tanta tralha!"
Será que a gente só ganha ou a gente também dá? Como a conversa não era comigo,
naquele momento, nem me passou pela cabeça colocar a questão que coloco agora.
Mais do que um simples ato, no meu entender, presentear
é uma arte. Uma arte que poucos sabem praticar. Portanto, para quem tem
interesse em fazer bem as coisas que faz, aprender a presentear é algo que,
realmente, dá o que pensar.
Comecei a postagem dizendo que "Concordando
ou não com o que diz Leandro Karnal em Presenteando gregos e troianos, é
fato que seu excelente artigo oferece uma rara oportunidade para refletir sobre
o ato de presentear." Após compartilhar algumas das minhas reflexões,
termino-a dizendo que concordando ou não com o que é dito nas minhas reflexões,
creio que também elas sejam capazes de levá-los a refletir sobre o ato de
presentear. E de reflexão em reflexão, seguindo o método das reflexões
sucessivas, dia após dia, nós iremos atingindo um grau de lucidez cada vez
maior para lidar com toda e qualquer coisa com que tenhamos que lidar nesta
vida. E até mesmo em outras!
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