Neste período do ano
em que – embalada pela comemoração do nascimento de um ser que veio a esta
dimensão com o propósito de estimular a humanidade a desenvolver seu lado espiritual
- a maioria das pessoas atinge o ápice nas suas práticas materialistas, a busca
de alguma ideia que eu considere merecedora de espalhamento levou-me ao
encontro, em meus alfarrábios, de um interessante artigo publicado no jornal Folha
de S.Paulo em 31 de outubro de 2010, época em que este blog ainda não
existia. Seis anos depois ele permanece atualíssimo. Intitulado "Entre o espiritual e o material" é
assinado por Marcelo Gleiser, um físico brasileiro que é professor
titular de física, astronomia e filosofia natural no Dartmouth College, EUA e
autor de uma série de livros da qual o mais recente é intitulado A Simples
Beleza do Inesperado.
Entre o espiritual e o material
Existimos
nessa fronteira, não muito bem delineada, entre o material e o espiritual.
Somos criaturas feitas de matéria, mas temos algo mais. Somos átomos animados
capazes de autorreflexão, de perguntar quem somos.
Devo dizer,
de saída, que espiritual não implica algo sobrenatural e intangível. Uso a
apalavra para representar algo natural, mesmo intangível, pelo menos por
enquanto. Pois, se olharmos para o cérebro como o único local da mente, sabemos
que é lá, na dança eletro-hormonal dos incontáveis neurônios, que é gerado o
senso do "eu".
Infelizmente,
vivemos meio perdidos na polarização artificial entre a matéria e o espírito e,
com frequência, acabamos optando por um dos dois extremos, criando grandes
crises sociais que podem terminar em atrocidades. Vivemos numa época onde o
materialismo acentuado – do querer antes de tudo, do eu antes do outro, do
agora antes do legado -, está por causar consequências sérias.
Lembro-me
das sábias linhas do filósofo Robert Pirsig, no clássico "Zen e a Arte da Manutenção de Motocicletas":
"Nossa racionalidade não está movendo a sociedade para um mundo melhor. Ao
contrário, ela a está distanciando disso".
Ele
continua: "Na Renascença, quando a necessidade de comida, de roupas e de
abrigo eram dominantes, as coisas funcionavam bem. Mas agora, que massas de
pessoas não têm mais essas necessidades, essas estruturas antigas de
funcionamento não são adequadas. Nosso modo de comportamento passa a ser visto
como de fato é: emocionalmente oco, esteticamente sem sentido e espiritualmente
vazio.
O ponto é
claro: atingimos uma espécie de saturação material. Para chegar a isso,
sacrificamos o componente espiritual. O material é reptiliano: "Eu quero,
eu pego. Se não consigo, eu mato (metaforicamente ou de fato). O que quero é
mais importante do que o que você quer".
Claro,
progredimos muito, dando conforto a milhões de pessoas, mas, no frenesi do
sucesso, deixamos de lado o que nos torna humanos. Não só nossas necessidades, mas
nossa generosidade, nossa capacidade de dividir e construir juntos. Quando
nossa sobrevivência está garantida, recaímos em nosso modo reptiliano de agir –
autocentrado – e esquecemos da comunidade.
A
diferença entre nossa realidade e a de Pirsig, que escreveu essas linhas acima em
1974, é que um novo tipo de conscientização está surgindo, em que o senso de
comunidade está migrando do local ao global. Isso me deixa otimista. Em todo o
planeta, um número cada vez maior de pessoas entendeu já que os excessos
materialistas da nossa geração precisam terminar. Não é apenas porque o
materialismo desenfreado é superficial. É porque é letal, tanto para nós quanto
para a vida à nossa volta.
O sucesso do filme "Avatar" não teria sido o mesmo em
1990.Olhamos
para nosso planeta de modo que não olhávamos 20 anos atrás. O sucesso do filme "Avatar" não teria sido o mesmo em
1990.
O momento
está chegando para um novo tipo de espiritualidade, que nos levará a uma
existência mais equilibrada, onde o material e o espiritual mantêm um balanço
dinâmico. O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é
fantasia. Nossa humanidade reside na interseção dos dois.
*************
"Somos
átomos animados capazes de autorreflexão, de perguntar quem somos.", diz
Marcelo Gleiser. Capazes, sim, mas com tal capacidade inibida em decorrência da
nossa predileção pelo material em detrimento do espiritual, digo eu.
"Vivemos
numa época onde o materialismo acentuado está por causar consequências sérias.",
diz Gleiser. (...) "Nossa racionalidade não está movendo a sociedade para
um mundo melhor. Ao contrário, ela a está distanciando disso", são,
segundo Marcelo Gleiser, sábias linhas do filósofo Robert Pirsig, no clássico
"Zen e a Arte da Manutenção de
Motocicletas".
Sábias
linhas que me fazem lembrar sábias palavras de Eduardo Marinho que podem ser ouvidas
nos três minutos finais do vídeo que encontrei no endereço https://www.youtube.com/watch?v=I7arqW5luKc&feature=youtu.be&t=46m41s,
e que constituem o próximo parágrafo.
"A minha razão eu subalternizei ao sentimento. É o sentimento que decide. A razão arruma um jeito de fazer o que o sentimento decidiu. A razão não tem poder de decisão. Ela sozinha fica psicopática. A razão construiu esse mundo em que a gente vive. A razão explica que a pobreza é necessária. A razão dos grandes cria a miséria para pressionar os trabalhadores a aceitarem qualquer condição de trabalho, com medo de ir para a miséria. O sentimento jamais permitiria existirem pessoas abandonadas num mundo que tem plenas condições de atender a todo mundo. De produção, de distribuição, de tecnologia, de conhecimento. O mundo tem todas as condições de não ter um miserável, mas a razão implantada convence as pessoas de que isso é assim mesmo, que não tem jeito.".
Sim, "convencendo
as pessoas de que não tem jeito", de que as coisas sempre foram assim, de
que sempre serão assim, e de que nada se pode fazer, "nossa racionalidade
jamais moverá a sociedade para um mundo melhor. Ao contrário, ela a estará cada
vez mais distanciando-a disso". Sim, enquanto nossa razão não for
subalternizada ao nosso sentimento são simplesmente nulas as nossas
possibilidades de vivermos em uma sociedade que preste.
"Progredimos muito, (...), mas, no frenesi do sucesso, deixamos de lado o que nos torna humanos. Não só nossas necessidades, mas nossa generosidade, nossa capacidade de dividir e construir juntos. Quando nossa sobrevivência está garantida, esquecemos da comunidade. (...) mas um novo tipo de conscientização está surgindo, em que o senso de comunidade está migrando do local ao global. Isso me deixa otimista. Em todo o planeta, um número cada vez maior de pessoas entendeu já que os excessos materialistas da nossa geração precisam terminar. Não é apenas porque o materialismo desenfreado é superficial. É porque é letal, tanto para nós quanto para a vida à nossa volta."
"O momento está chegando para um novo tipo de espiritualidade, que nos levará a uma existência mais equilibrada, onde o material e o espiritual mantêm um balanço dinâmico. O material sem o espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade reside na interseção dos dois.", diz Marcelo Gleiser.
"O material sem o
espiritual é cego, e o espiritual sem o material é fantasia. Nossa humanidade
reside na interseção dos dois.", diz Marcelo Gleiser (1959 - ....). Guardando
as devidas proporções entre espiritualidade e religião, e entre materialismo e
ciência, recordo aqui uma conhecida frase de Albert Einstein (1879 - 1955): "A
ciência sem a religião é manca, a religião sem a ciência é cega.". E de recordação
em recordação, o método das recordações sucessivas traz-me uma afirmação de
Teilhard de Chardin (1881 – 1955) que é usada neste blog como uma das citações
que ilustram uma coluna intitulada E,
para o resto da vida..., localizada abaixo da Citação da semana. Qual é a afirmação? "Não somos seres
humanos vivendo uma experiência espiritual; somos seres espirituais vivendo uma
experiência humana.".
Lido isto,
respondam a seguinte indagação: Ainda resta-lhes alguma dúvida de que "Nossa
humanidade reside na interseção dos dois"? Do espiritual e do material?
Com previsão
de nova postagem apenas no dia 4 de janeiro, comunico-lhes o meu desejo de que
consigam sobreviver, em bom estado, aos festejos de final de ano, pois o ano
que se aproxima exigirá demais de todos os que por aqui ele encontrar.
Compreendido?
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