"Não quero patentes, recompensas, nem
construo meus aviões para vender. Coloco-os à disposição de todos."
(Alberto Santos Dumont)
Neste dia em que é
comemorado o Dia do Aviador a
postagem deste blog reverencia o aeronauta e inventor Alberto Santos Dumont. E
para lhe fazer tal reverência escolhi o espalhamento de sua carta de despedida.
O porquê da escolha? O fato de Santos Dumont tê-la considerado "uma
mensagem que serve de ferramenta para, mesmo que minimamente, altere os nossos
dia-a-dias e suprima, a partir do momento em que nos tornemos conscientizados
de tais verdades, a corrupção do mundo". Onde encontrei a carta? Em um
livro intitulado Os Caminhos da Ciência e
os Caminhos da Educação, de autoria de Laís dos Santos Pinto Trindade e
Diamantino Fernandes Trindade, no capítulo Os
Caminhos da Ciência Brasileira: Santos Dumont. Além da carta, dele copiei
também três parágrafos que a antecedem, por considerá-los utilíssimos para
interpretá-la.
Alberto viveu
aproximadamente 15 anos após o final da guerra, mas raramente teve um momento
de serenidade. Viajava frequentemente da Europa para o Brasil onde construiu,
em 1918, a
casa denominada a Encantada, em
Petrópolis. (...) Em 1927, foi morar em uma vila campestre que adquiriu em
Gilon, na Suíça. Em uma de suas viagens ao Brasil, em 1928, sua saúde emocional
piorou muito. As autoridades programaram uma homenagem para a sua chegada.
Membros importantes da Escola Politécnica embarcaram no hidroavião Santos Dumont e voaram em direção ao
navio Cap-Anaconda. A aeronave perdeu
o controle e caiu na Baía de Guanabara, não havendo sobreviventes. Perturbado
pela tragédia disse: Quantas vidas sacrificadas
pela minha humilde pessoa!
Em 1931, retornou ao
Brasil e, na Encantada, passou a
dedicar-se aos projetos aeronáuticos avançados e à Astronomia. Ficou perturbado
quando soube que os aviões estavam sendo utilizados para bombardear os seus
conterrâneos durante a Revolução Constitucionalista. Em 1932, a família
transferiu-o para um hotel no Guarujá, em função do agravamento do seu estado
de saúde. Em 23 de julho de 1932, quando estava no saguão do hotel, ouviu um
avião bombardeando um alvo próximo; retirou-se e entrou no elevador de volta à
suíte. Olympio Peres Munhoz, o ascensorista relata as palavras angustiadas de
Alberto: eu nunca pensei que minha
invenção fosse causar derramamento de sangue entre irmãos.
Vestiu um terno e
revirou o armário até encontrar duas gravatas vermelhas que usava na época dos
seus voos épicos em Paris. Amarrou-as em torno do pescoço, pegou uma cadeira e enforcou-se,
pendurado no chuveiro. São várias as hipóteses para o seu suicídio, mas as
evidências recaem sobre a esclerose múltipla, a depressão, o uso do seu invento
para fins militares e, provavelmente, pelos conflitos que o atormentaram
durante toda a sua vida.
A Carta de Despedida
"O que adianta, senhores, viver e não
interferir na vivência das pessoas? O que adianta passarmos nesta vida como uma
flecha, rápida e imperceptível?"
A verdade da vida consiste em fazermos parte,
de atuarmos pelo bem do homem, e não como uma triste lembrança de mau agouro,
que amarga os sonhos, assim como os ditadores do passado, a fome do presente e
o pessimismo do futuro.
Viver consiste no dia-a-dia, e não no amanhã.
É atuar descompromissadamente a favor do próximo, pois já dizia o poeta "belo
dar ao ser solicitado, porém é mais belo dar sem ser solicitado, por haver
apenas compreendido".
Senhores, muito sofri. Fui utilizado como
joguete, intensificando um panorama caótico e antropofágico.
A escravidão mental é um dos nossos males, o
apego ilimitável à materialidade nos corrompe, como a relva exposta ao fogo.
Perdemos a noção do que é ético, pois a ética capitalista não preserva a
existência da humanidade, ela é em si e por si. É a essência daquilo que de mal
temos.
Onde, digam-me, podemos encontrar um refúgio,
um subterfúgio, a fim de nos mantermos invulneráveis daquilo que nos aflige? No
amor.
No amor pelo próximo, no amor pela vida, no
amor desapegado e sem interesse, pois daqui nada se leva, somente as boas (ou
más) lembranças voluptuosas que levaremos para o Jardim do Éden, ou para algum
lugar diametralmente oposto, mais profundo e odioso.
Como sabem, associam minha imagem à daquele
instrumento, que, doravante, o considero um mero instrumento supérfluo e de
utilização, sobretudo beligerante.
De quanto vale, pergunto-lhes, todo
desenvolvimento tecnológico se o homem não é a medida e o fim dessas coisas?
Que ordem é essa que obriga o homem àquilo de mais desprezível e assustador? Se
essa exacerbada materialidade nos conduz a um fim nocivo, por que tudo isso
tornou um vício?
Senhores, despeço-me de vossas mercês deixando
uma mensagem que sirva de ferramenta para, mesmo que minimamente, altere os
seus dia-a-dias e suprima, a partir do momento em que se tornem conscientizados de
tais verdades, a corrupção do mundo: "O homem somente se faz homem na
relação com o próximo. O alicerce nas relações é a confiança recíproca. E às
vezes somos iludidos pela confiança, mas a desconfiança faz com que sejamos
enganados por nós mesmos."
Alberto Santos Dumont
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Conheci a Carta de Despedida de Santos Dumont
no início deste ano e, imediatamente, senti vontade de espalhá-la, pois lê-la
possibilitou-me conhecer o modo fraterno como Santos Dumont enxergava a vida e,
de certa forma, entender seu trágico ato.
Para alguém que crê que "A verdade da
vida consiste em fazermos parte, de atuarmos pelo bem do homem", constatar
que sua invenção passou a ser usada exatamente para o contrário, ou seja, para
o mal é algo cuja dificuldade em lidar, eu não consigo avaliar.
Para quem "Não quer patentes,
recompensas, nem constrói seus aviões para vender e os coloca à disposição de
todos", perceber que "à materialidade nos corrompe e que perdemos a
noção do que é ético, pois a ética capitalista não preserva a existência da
humanidade, ela é em si e por si. É a essência daquilo que de mal temos" é
mais uma coisa cuja dificuldade em lidar, eu não consigo avaliar.
Para quem questiona "De quanto vale todo
desenvolvimento tecnológico se o homem não é a medida e o fim dessas coisas?
Que ordem é essa que obriga o homem àquilo de mais desprezível e assustador? Se
essa exacerbada materialidade nos conduz a um fim nocivo, por que tudo isso se
tornou um vício?", ver-se como alguém que contribuiu para todo esse
desenvolvimento tecnológico, é uma coisa que, para mim, é impossível avaliar.
Considerando o que é dito nos três parágrafos
anteriores, vejo o trágico ato de Santos Dumont como algo que tirou desta
dimensão um ser que já conseguira entender certas coisas que a imensa maioria dos
que aqui estão, ainda não é capaz de entender. Coisas como:
- "A verdade da vida consiste em fazermos
parte, de atuarmos pelo bem do homem. (...) Viver consiste no dia-a-dia, e não
no amanhã. É atuar descompromissadamente a favor do próximo, pois já dizia o
poeta "belo dar ao ser solicitado, porém é mais belo dar sem ser
solicitado, por haver apenas compreendido".
- "É no amor pelo próximo, no amor pela
vida, no amor desapegado e sem interesse, que podemos encontrar um refúgio, um
subterfúgio, a fim de nos mantermos invulneráveis àquilo que nos aflige."
- "O homem somente se faz homem na
relação com o próximo. O alicerce nas relações é a confiança recíproca. E às
vezes somos iludidos pela confiança, mas a desconfiança faz com que sejamos
enganados por nós mesmos."
Encontrar em uma desgraça algo do qual se
possa tirar algum proveito, creio que pode ser visto como um lampejo de
sabedoria. Sabedoria que possibilita ver a Carta de Despedida de Santos Dumont como
uma oportunidade de nela aprender o modo fraterno como ele enxergava a vida. Um
modo fraterno sem o qual jamais conseguiremos construir algo que possa fazer
jus ao termo civilização.
"A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas,
mas, sim o do homem.", afirma Alexis Carrel (1873 - 1944) "De quanto vale todo desenvolvimento tecnológico se o homem
não é a medida e o fim dessas coisas?",
questiona Alberto Santos Dumont (1873 – 1932). Nascidos no mesmo ano, e quase no
mesmo mês, Carrel nasceu em 28 de junho e Santos Dumont em 20 de julho, em
alguma coisa os dois concordavam. Vocês concordam com esta afirmação? Para os
que responderem afirmativamente, segue outra indagação: Vocês concordam com
eles?
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