domingo, 12 de junho de 2016

Reflexões provocadas por "Uma nação partida"

Oito postagens atrás, em "Grandes transformações dão trabalho, exigem união" (27.04.2016), espalhei a seguinte afirmação de Eliza Capai: "A igualdade de gêneros na Suécia ainda não é consumada.". E acrescentei: "E nessa ideia de algo ainda não consumado eu incluo coisas como civilização, sociedade, democracia e cidadania.". Das sete postagens que a seguiram, (em conformidade com a ideia de publicar postagens que possuam alguma afinidade com a [s] anterior [es]), em cinco delas citei tal acréscimo.
Na penúltima das cinco, afirmei que "tais coisas (civilização, sociedade, democracia e cidadania) jamais serão consumadas em sua plenitude, pois são construções permanentes que precisam ser aperfeiçoadas per omnia saecula saeculorum. Afinal, sendo produtos das ações do homem, civilização, sociedade, democracia e cidadania são coisas cuja qualidade será sempre diretamente proporcional a qualidade dos homens que as produzem.
Nesta postagem, faço um acréscimo na relação de tais coisas. E o faço em função de algo dito por Dorrit Harazim no artigo apresentado na postagem anterior. "Em 1863, quando Abraham Lincoln pronunciou o crucial discurso de Gettysburg sobre o qual foi construída a ideia de nação, ele alertou para a 'obra inacabada' que o país ainda tinha pela frente.", diz Dorrit Harazim. Os grifos são meus.
O alerta para a "obra inacabada" que o país ainda tinha pela frente, feito por Abraham Lincoln no momento em que "pronunciou o crucial discurso de Gettysburg sobre o qual foi construída a ideia de nação", para mim, serve para outro alerta: que nação é uma coisa a ser acrescentada na relação de "algo ainda não consumado", deixando tal relação assim: "E nessa ideia de algo ainda não consumado eu incluo coisas como civilização, sociedade, democracia, cidadania e nação.".
Mas o alerta de Lincoln serve para mais uma coisa: remeter-me a primeira postagem deste blog, publicada em 1º de fevereiro de 2011. Respondendo à pergunta que intitula a referida postagem – Por que criei um blog? - a primeira frase, da primeira postagem deste blog é a seguinte. "Porque acredito em uma afirmação atribuída a Caio Graco: 'Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros só mudam as pessoas'." Por que o alerta de Lincoln remete-me a tal postagem e a tal frase? Porque, no meu entender, a seguinte paráfrase tem tudo a ver com o alerta feito por ele. 'Discursos não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os discursos só mudam as pessoas'.
Vocês concordam que "o alerta para a 'obra inacabada' que o país ainda tinha pela frente, feito por Lincoln, em um discurso sobre o qual foi construída a ideia de nação", tem tudo a ver com tal paráfrase? Concordam que uma das finalidades daquele discurso era conclamar as pessoas a darem prosseguimento à obra inacabada de construção de uma nação? Sim, quem muda o mundo são as pessoas.
Reparem que na frase extraída do texto de Dorrit Harazim aparecem as palavras país e nação. Palavras que a maioria, equivocadamente, usa de forma indistinta. Não, nação e país não são a mesma coisa. Enquanto país é um território habitado por uma coletividade, nação (como é dito no parágrafo acima) é uma ideia a ser construída. Uma ideia que passa pela transformação de uma coletividade em um povo. Povo, eis mais uma coisa mal entendida. São de um artigo de Rubem Alves, publicado na edição de 17 de outubro de 2006 do jornal Folha de S.Paulo, as palavras apresentadas no parágrafo abaixo, com as quais concordo plenamente.
"Todo mundo fala no povo. Mas quem sabe o que é um povo? Santo Agostinho sabia. 'Um povo', disse ele, 'é um conjunto de pessoas racionais unidas por um mesmo sonho'. Idos os sonhos o povo se desfaz e as pessoas retornam à triste condição de 'cada um por si', a guerra de todos contra todos, os fortes devorando os fracos."
O que é uma nação? É um país habitado por um povo; por "um conjunto de pessoas racionais unidas por um mesmo sonho". Idos os sonhos o povo se desfaz, a nação se parte e as pessoas retornam à triste condição de "cada um por si", a guerra de todos contra todos, os fortes devorando os fracos.
Construir a ideia de nação, eis uma das pretensões de Abraham Lincoln ao pronunciar o crucial discurso de Gettysburg. E sabendo que nações são construídas por ações, e não por discursos, o que ele fez ele? Alertou as pessoas "para a 'obra inacabada' que o país ainda tinha pela frente.". Que obra? A construção da nação norte-americana. Interessante é que até mesmo as palavras usadas por Dorrit Harazim parecem-me perfeitas: "(...) quando Abraham Lincoln pronunciou o crucial discurso de Gettysburg sobre o qual foi construída a ideia de nação, ele alertou para a 'obra inacabada' que o país ainda tinha pela frente." Faz sentido discordar da afirmação que país e nação não são a mesma coisa?
Quantos países existem no mundo? Eis uma pergunta para a qual não há uma resposta única. 193, 195, 200 e 206 são algumas respostas. Quantas nações existem no mundo? Considerando tudo o que é dito acima, nenhuma. Quantas nações partidas existem no mundo? No meu entender, também nenhuma. Como assim? Nenhuma nação e nenhuma nação partida? Sim, é isso mesmo, pois em conformidade com tudo o que é dito acima, se é nação não é partida, e se é partida não é nação. Sim, neste insano mundo em que sobrevivemos, até hoje, o que nele existe são apenas países.
Esta postagem começa dizendo que "Grandes transformações levam tempo, dão trabalho e exigem união", lembram? E termina dizendo que transformar coletividades em povos e países em nações é algo que leva tempo, dá trabalho e exige união, ou seja, é uma grande transformação. Uma grande transformação que dificilmente ocorrerá enquanto a autodenominada espécie inteligente do universo não conseguir desenvolver as três seguintes habilidades: a autoconsciência, a empatia e a capacidade de entender a interdependência entre ações e consequências.

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