sexta-feira, 17 de junho de 2016

"Nossa sociedade da 'era industrial' é o problema"

"Uma grande transformação que dificilmente ocorrerá enquanto a autodenominada espécie inteligente do universo não conseguir desenvolver as três seguintes habilidades: a autoconsciência, a empatia e a capacidade de entender a interdependência entre ações e consequências."
O parágrafo acima apresenta as últimas palavras da postagem anterior. As três habilidades nele citadas foram extraídas de uma reportagem de Vivian Soares feita a partir de uma entrevista com Peter Senge, em Zurique, e publicada na edição de 19 de fevereiro de 2016 do jornal Valor com o título "Nossa sociedade da 'era industrial' é o problema". Grande Peter Senge! Autor de "A Quinta Disciplina", um livro publicado em 1990 que está na "enésima" edição, Senge é um dos maiores propagadores da imprescindibilidade da prática do raciocínio sistêmico. Raciocínio que constitui exatamente o que ele denomina a quinta disciplina. As outras quatro são: domínio pessoal, modelos mentais, objetivo comum e aprendizado em grupo. O raciocínio sistêmico é a quinta, por ser a que integra as outras quatro, fundindo-as num conjunto coerente de teoria e prática, segundo Senge.
Com a intenção de espalhar a imprescindibilidade da adesão à prática da quinta disciplina, a quinta postagem deste blog é intitulada O Raciocínio Sistêmico (14.02.2011). Imediatamente a seguir, foram publicadas Consequências do desconhecimento do Raciocínio Sistêmico (16.02.2011) e Considerações finais sobre o raciocínio sistêmico (19.02.2011). O que não me mata me fortalece ou Os problemas de hoje provêm das soluções de ontem (26.02.2012) é mais uma postagem inspirada em ideias encontradas em "A Quinta Disciplina". Reflexões provocadas por "A Grande Ilusão" (20.12.2013) também contém várias ideias tiradas do excelente livro de Peter Senge, e ainda existem outras. Senge é para ser lido, relido e divulgado. Portanto, embora o texto abaixo não seja dos mais curtos, esforcem-se para lê-lo até o final, com atenção. Os grifos são meus.
"Nossa sociedade da 'era industrial' é o problema"
Defensor de uma educação sistêmica, Peter Senge aponta os obstáculos para isso.
Professor da Sloan School of Management, do MIT, uma das escolas de negócios mais inovadoras do mundo, Peter Senge é conhecido desde os anos 1990 por suas teorias de aprendizagem organizacional e sistemas dinâmicos. Fundador da Society for Organizational Learning (SoL), comunidade global que estuda a interdependência entre pessoas e instituições e os impactos do pensamento sistêmico sobre o mundo corporativo, Senge lança no Brasil o livro "O Foco Triplo – Uma Nova Abordagem para a Educação" (Companhia das Letras), em coautoria com o best-seller Daniel Goleman. Ambos defendem um modelo de ensino que estimule o desenvolvimento de três habilidades nas crianças: a autoconsciência, a empatia e a capacidade de entender a interdependência entre ações e consequências.
Valor: Por que decidiram escrever um livro unindo conceitos da psicologia, como aprendizagem social e emocional, a um tema duro como a dinâmica de sistemas, que usa modelos matemáticos como ferramenta?
Peter Senge: Daniel Goleman e eu percebemos que os estudos de aprendizado emocional e social e de aprendizado sistêmico eram movimentos separados, mas funcionavam bem juntos. O aprendizado social e emocional é uma tendência forte ao redor do mundo. As pessoas vêm percebendo que o desempenho acadêmico não ajuda a desenvolver seres humanos – e podemos ver isso claramente nas empresas e na política. O que me uniu a Daniel é o fato de que mesmo os aspectos sociais e emocionais são uma espécie de sistema. As pessoas tendem a pensar em sistemas profundos, como economia ou ecologia, mas uma família ou qualquer grupo de pessoas funciona como sistema. O elemento comum de tudo é a interdependência.
Valor: Como o senhor descreveria o pensamento sistêmico?
Senge: Trata-se de algo fácil para as crianças. Elas crescem em playgrounds, nas famílias, vivenciando a interdependência do mundo à sua volta. É uma habilidade natural que é quebrada em pedaços quando as colocamos em um sistema que especializa e divide por séries. Um dos exemplos do livro é um grupo de garotos de 6 anos que analisaram sozinhos um sistema dinâmico de como começa uma briga e identificaram um círculo vicioso: ele começa com palavras ofensivas, o que leva a sentimentos feridos, mais palavras ofensivas e ao início da briga. Ninguém pediu a eles para fazer isso, e eles ainda desenharam, o que é uma expressão natural. O que precisamos nos questionar é o porquê de termos modelo educacional que fragmenta o conhecimento. E a resposta é: a educação não é focada nos alunos, mas nos professores, porque são treinados como especialistas.
Valor: Como professor e autor de desenvolvimento organizacional, o senhor vem escrevendo sobre as mudanças nas demandas por competências nos profissionais. De que forma a educação pode se preparar para esse novo mundo do trabalho?
Senge: O sistema educacional é baseado no modelo industrial, no qual tudo é pensado de forma fragmentada. O modelo de divisão por séries funciona muito como uma linha de produção. Mas hoje muitos jovens não querem mais trabalhar em grandes empresas. Eles querem abrir negócios e, para fazer isso, precisam entender e construir sistemas. A educação precisa cultivar senso de propósito, habilidade de criar e organizar coisas novas e de reconhecer os sistemas dos quais fazemos parte. As empresas e indústrias mais inovadoras já têm esses novos valores e são menos preocupadas com regras e mais com as pessoas. Nossa sociedade da "era industrial" é o problema. A solução para companhias e escolas passa por uma mudança cultural profunda, que, no entanto, só vai acontecer a longo prazo.
Valor: O livro usa a história do último navegador astronômico, que se orientava no mar pelos sinais da natureza, sem usar tecnologia. Nossa educação nos tornou cegos para detectar dinâmicas como a da natureza?
Senge: O mundo está cada vez mais conectado de forma global. Para onde quer que olhemos, o mercado de energia, a produção de alimentos, sistemas maiores como a economia e a ecologia, existe essa interdependência. Mas a educação se moveu na direção oposta. Quanto maior a interconexão do mundo, menor a consciência dessa dinâmica. Esse abismo é um dos maiores problemas do mundo. No passado, quando vivíamos em um universo agrário, as crianças eram educadas para observar os sinais da natureza. Hoje, não prestamos atenção nesses sinais, não os entendemos e por isso não somos bons em viver com eles de forma harmônica. As mudanças climáticas são só uma das consequências disso.
Valor: Quais são as principais dificuldades para criar um modelo educacional que ajude as crianças a desenvolver a sua inteligência sistêmica?
Senge: Os professores são o primeiro desafio, porque nosso sistema é centrado neles. Muitos gostam da ideia da educação sistêmica, mas aplicar o modelo requer mudança e novos aprendizados para eles. Algumas escolas têm usado métodos baseados em projetos, em que o professor é um conselheiro, que trabalha junto e aprende com os alunos, em vez de ficar falando para um grupo. Além disso, é preciso engajar outros atores, como políticos, administradores e até os pais, para que a mudança aconteça. A escola também é um sistema e, em muitos sentidos, mais complexa do que uma organização. Os alunos devem ter um papel de liderança nesse processo, por serem atores mais abertos que entendem a desconexão entre o sistema educacional e a vida.
Valor: O livro menciona exemplos de escolas de bairros pobres, o que pode remeter ao Brasil. Nosso sistema educacional é desigual, com estrutura curricular rígida e muitos professores desmotivados e mal pagos. Por onde devemos começar?
Senge: Não faz sentido trabalhar de forma isolada com currículos ou professores. É preciso começar pela liderança, com o ambiente de trabalho e cultural das escolas. A maioria dos professores se importa com as crianças. Podem estar frustrados com a falta de autonomia e com a burocracia do sistema. Muitos não sentem que são apoiados pela sociedade. É um trabalho importante que tem grande senso de propósito, mas eles não se sentem reconhecidos e isso pode torná-los cínicos e desmotivados.
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A entrevista com Peter Senge provoca muitas reflexões!

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