"Civilização,
sociedade e cidadania: fáceis de pronunciar, mas difíceis de encontrar!
(...) Coisas cujo encontro é algo simplesmente imprescindível para a extinção
do que compõe o título desta postagem: as cidades-demônio e a aptidão para
destruir." Com essas palavras encerrei a postagem anterior e decidi qual
seria a posterior. Enxergando na extinção das cidades-demônio e da aptidão para
destruir uma grande transformação, escolhi para espalhar por meio desta
algumas respostas da jornalista Eliza Capai em uma entrevista concedida à
Natália Boere, publicada na edição de 29 de março de 2016 do jornal O Globo, em um espaço intitulado Conte algo que não sei. Uma entrevista
publicada sob o título 'Grandes
transformações dão trabalho, exigem união' na qual a entrevistada diz coisas
sobre as quais creio que vale a pena refletirmos.
'Grandes transformações dão trabalho, exigem união'
Documentarista, que veio ao Rio para um debate, aposta em temas sociais e de gênero. Ela foi a Suécia e ao Uruguai pesquisar políticas públicas que deram certo
"Tenho 36 anos, sou formada em jornalismo
e me considero uma documentarista guerrilheira itinerante. Gosto de me deslocar
para ver a sociedade e a cultura sob diferentes ângulos. E gosto de ouvir
diversas vozes para entender o que é o mundo sob perspectivas diferentes."
(Eliza Capai, jornalista)
Conte algo que não sei.
Uma coisa que eu não sabia é que o avanço na
tentativa de igualdade de gêneros na Suécia não foi num estalar de dedos e
resultado de uma vontade divina. Foi luta mesmo, sindical e de partidos
políticos engajados. Vi como asa grandes transformações levam tempo, dão
trabalho e exigem união.
Em que patamar está essa luta?
A igualdade de gêneros
na Suécia ainda não é consumada. Mesmo lá, as mulheres ainda ganham menos que
os homens. A licença parental é um exemplo muito claro. Há uma lei de 1973 que
estabelece 480 dias para mães e pais dividirem como bem entenderem, porque o
filho é dos dois. Mas, por 20 anos, praticamente só as mulheres tiravam essa
licença. Então, em 1993, o governo sueco estabeleceu 30 dias obrigatórios para
os pais. Sete anos depois, 60 dias. Este ano, 90 dias. A previsão é que, se a
lei continuar sendo aprimorada, em 2035, ou seja, três gerações depois de sua
implementação, pais e mães dividirão os dias igualmente.
Você é feminista?
Sou feminista, porque se não fossem as
feministas do passado eu não teria viajado sozinha para realizar a série
documental "Políticas públicas que deram certo", que
produzi, filmei, editei e finalizei; não teria ido para uma universidade,
porque esses não eram os lugares das mulheres. Sou feminista para agradecer por
poder fazer o que faço hoje e para garantir que as novas gerações de homens e
mulheres possam ser mais felizes.
Como o feminismo se manifesta no seu dia a dia?
Venho de uma família muito feminina. Tenho
duas irmãs, meus pais eram separados, então, em algum momento em casa, éramos
quatro mulheres muito fortes. Cresci sem traumas e sem recalque por ser mulher,
e entendi bem mais tarde como eu estava num lugar privilegiado de autoestima. E
acabou que o meu trabalho é para dar voz a mulheres em situação de opressão. O
Brasil é um dos campeões de feminicídio e violência doméstica. Quando tomamos
consciência e refletimos sobre as coisas, somos capazes de transformar.
*************
"Gosto de me deslocar para ver a
sociedade e a cultura sob diferentes ângulos. E gosto de ouvir diversas vozes
para entender o que é o mundo sob perspectivas diferentes.", eis a
primeira afirmação de Eliza a chamar minha atenção. Afirmação que me fez
lembrar uma opinião interessante sobre o que seja viajar. Em um livro intitulado
Lisboa em Pessoa, João Correia Filho afirma:
"Para mim, viajar não é passar apressadamente por monumentos e fachadas.
Viagens precisam ser momentos de descanso, mas também de reflexão, de emoção e
de aprendizado. Viajar é uma forma divertida de, ao olhar outra cidade, outro
país, outra cultura, compreendermos um pouco mais de nós mesmos.".
"Compreendermos um pouco mais de nós
mesmos" é uma afirmação que me faz lembrar uma palestra do historiador
Leandro Karnal. Uma palestra (https://www.youtube.com/watch?v=0zBGSik_XwA) durante a qual, ao
falar sobre o modo como hoje se vive, ele diz algo mais ou menos assim: "Como
não conseguimos estar conosco, queremos estar em todos os lugares do mundo. Como
não toleramos estar na nossa casa ou pensativos, então queremos estar
visitando lugares durante todo o tempo, em uma vida para rodar, rodar, rodar
até que fiquemos tão tontos que percamos a consciência de nós mesmos.". E,
consequentemente, percamos também qualquer possibilidade de compreendermos um
pouco de nós mesmos.
"Uma coisa que eu não sabia é que o avanço na tentativa de igualdade de gêneros na Suécia não foi num estalar de dedos e resultado de uma vontade divina. Foi luta mesmo, sindical e de partidos políticos engajados. Vi como as grandes transformações levam tempo, dão trabalho e exigem união."
Uma coisa que Eliza
Capai não sabia é que grandes transformações levam tempo, dão trabalho e exigem união;
que não ocorrem num estalar de dedos nem são resultado de uma vontade divina. E
nós, sabíamos disso?
"A igualdade de gêneros na Suécia ainda
não é consumada.", diz Eliza, acrescentando que "A licença parental é
um exemplo muito claro." Criada por uma lei de 1973, estabelecendo 480
dias para mães e pais dividirem como bem entenderem, porque o filho é dos dois,
20 anos depois o governo sueco estabeleceu trinta dias obrigatórios para os
pais, devido ao fracasso da divisão 'como bem entendessem' deixada a cargo de mães e de
pais. Entender que cuidar dos filhos é atribuição dos dois é algo que os pais
sempre tiveram dificuldade para entender. Sete anos depois, o período foi aumentado
para 60 dias, e dezesseis anos depois para 90. Ou seja, para chegar a 37,5% da
quantidade de dias que caberão aos pais quando a igualdade de gêneros, finalmente,
tiver sido consumada foram necessários 43 anos.
Sendo assim, será que faz sentido acreditar na
seguinte afirmação de Eliza: "A previsão é que, se a lei continuar sendo
aprimorada, em 2035, ou seja, três gerações depois de sua implementação, pais e
mães dividirão os dias igualmente". Afinal, se para conseguir chegar a 90
dias foram necessários 43 anos, será que em 19 anos (de 2016 a 2035) conseguir-se-á aumentar
em 150 dias a licença paternal? O que vocês acham? Realmente, grandes transformações
levam tempo, dão trabalho e exigem união!
"Sou feminista, porque se não fossem as
feministas do passado eu não teria viajado sozinha para realizar a série
documental. (...) Sou feminista para agradecer por poder fazer o que
faço hoje e para garantir que as novas gerações de homens e mulheres possam ser
mais felizes.". Que declarações fantásticas! Reconhecer
que o que hoje se tem deve-se a coisas feitas por alguns indivíduos que vieram
antes e que a si cabe a responsabilidade de tornar melhor o mundo para quem vier
depois é uma fantástica demonstração de grandeza humana. E uma autêntica
demonstração "da consciência de ser parte de um TODO."
"A igualdade de gêneros na Suécia ainda
não é consumada.", diz Eliza. E nessa ideia de algo ainda não consumado eu
incluo coisas como civilização, sociedade, democracia e cidadania. Coisas cuja
consumação requerem grandes transformações. Transformações que levam tempo, dão
trabalho e exigem união. Transformações difíceis de fazer, mas como diz o
protagonista do filme Patch
Adams – O amor é contagioso, ao ouvir que o que pretende fazer é algo muito
difícil, "Tudo o que vale a pena fazer é difícil.".
Sendo assim, o que me resta agora é recorrer à
parte religiosa e orar para que vocês consigam refletir sobre tudo o que é dito
acima, pois como diz a última afirmação de Eliza Capai por mim selecionada, "Quando
tomamos consciência e refletimos sobre as coisas, somos capazes de
transformar." Afirmação que, no meu entender, talvez fique até melhor
alterando a ordem em que as palavras são apresentadas. "Quando
refletimos sobre as coisas e tomamos consciência, somos capazes de
transformar." Sabendo que transformar leva tempo, dá trabalho e exige
união.
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