quarta-feira, 27 de abril de 2016

Grandes transformações dão trabalho, exigem união

"Civilização, sociedade e cidadania: fáceis de pronunciar, mas difíceis de encontrar! (...) Coisas cujo encontro é algo simplesmente imprescindível para a extinção do que compõe o título desta postagem: as cidades-demônio e a aptidão para destruir." Com essas palavras encerrei a postagem anterior e decidi qual seria a posterior. Enxergando na extinção das cidades-demônio e da aptidão para destruir uma grande transformação, escolhi para espalhar por meio desta algumas respostas da jornalista Eliza Capai em uma entrevista concedida à Natália Boere, publicada na edição de 29 de março de 2016 do jornal O Globo, em um espaço intitulado Conte algo que não sei. Uma entrevista publicada sob o título 'Grandes transformações dão trabalho, exigem união' na qual a entrevistada diz coisas sobre as quais creio que vale a pena refletirmos.
'Grandes transformações dão trabalho, exigem união'
Documentarista, que veio ao Rio para um debate, aposta em temas sociais e de gênero. Ela foi a Suécia e ao Uruguai pesquisar políticas públicas que deram certo
"Tenho 36 anos, sou formada em jornalismo e me considero uma documentarista guerrilheira itinerante. Gosto de me deslocar para ver a sociedade e a cultura sob diferentes ângulos. E gosto de ouvir diversas vozes para entender o que é o mundo sob perspectivas diferentes."
(Eliza Capai, jornalista)
Conte algo que não sei.
Uma coisa que eu não sabia é que o avanço na tentativa de igualdade de gêneros na Suécia não foi num estalar de dedos e resultado de uma vontade divina. Foi luta mesmo, sindical e de partidos políticos engajados. Vi como asa grandes transformações levam tempo, dão trabalho e exigem união.
Em que patamar está essa luta?
A igualdade de gêneros na Suécia ainda não é consumada. Mesmo lá, as mulheres ainda ganham menos que os homens. A licença parental é um exemplo muito claro. Há uma lei de 1973 que estabelece 480 dias para mães e pais dividirem como bem entenderem, porque o filho é dos dois. Mas, por 20 anos, praticamente só as mulheres tiravam essa licença. Então, em 1993, o governo sueco estabeleceu 30 dias obrigatórios para os pais. Sete anos depois, 60 dias. Este ano, 90 dias. A previsão é que, se a lei continuar sendo aprimorada, em 2035, ou seja, três gerações depois de sua implementação, pais e mães dividirão os dias igualmente.
Você é feminista?
Sou feminista, porque se não fossem as feministas do passado eu não teria viajado sozinha para realizar a série documental "Políticas públicas que deram certo", que produzi, filmei, editei e finalizei; não teria ido para uma universidade, porque esses não eram os lugares das mulheres. Sou feminista para agradecer por poder fazer o que faço hoje e para garantir que as novas gerações de homens e mulheres possam ser mais felizes.
Como o feminismo se manifesta no seu dia a dia?
Venho de uma família muito feminina. Tenho duas irmãs, meus pais eram separados, então, em algum momento em casa, éramos quatro mulheres muito fortes. Cresci sem traumas e sem recalque por ser mulher, e entendi bem mais tarde como eu estava num lugar privilegiado de autoestima. E acabou que o meu trabalho é para dar voz a mulheres em situação de opressão. O Brasil é um dos campeões de feminicídio e violência doméstica. Quando tomamos consciência e refletimos sobre as coisas, somos capazes de transformar.
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"Gosto de me deslocar para ver a sociedade e a cultura sob diferentes ângulos. E gosto de ouvir diversas vozes para entender o que é o mundo sob perspectivas diferentes.", eis a primeira afirmação de Eliza a chamar minha atenção. Afirmação que me fez lembrar uma opinião interessante sobre o que seja viajar. Em um livro intitulado Lisboa em Pessoa, João Correia Filho afirma: "Para mim, viajar não é passar apressadamente por monumentos e fachadas. Viagens precisam ser momentos de descanso, mas também de reflexão, de emoção e de aprendizado. Viajar é uma forma divertida de, ao olhar outra cidade, outro país, outra cultura, compreendermos um pouco mais de nós mesmos.".
"Compreendermos um pouco mais de nós mesmos" é uma afirmação que me faz lembrar uma palestra do historiador Leandro Karnal. Uma palestra (https://www.youtube.com/watch?v=0zBGSik_XwA) durante a qual, ao falar sobre o modo como hoje se vive, ele diz algo mais ou menos assim: "Como não conseguimos estar conosco, queremos estar em todos os lugares do mundo. Como não toleramos estar na nossa casa ou pensativos, então queremos estar visitando lugares durante todo o tempo, em uma vida para rodar, rodar, rodar até que fiquemos tão tontos que percamos a consciência de nós mesmos.". E, consequentemente, percamos também qualquer possibilidade de compreendermos um pouco de nós mesmos.
"Uma coisa que eu não sabia é que o avanço na tentativa de igualdade de gêneros na Suécia não foi num estalar de dedos e resultado de uma vontade divina. Foi luta mesmo, sindical e de partidos políticos engajados. Vi como as grandes transformações levam tempo, dão trabalho e exigem união."
Uma coisa que Eliza Capai não sabia é que grandes transformações levam tempo, dão trabalho e exigem união; que não ocorrem num estalar de dedos nem são resultado de uma vontade divina. E nós, sabíamos disso?
"A igualdade de gêneros na Suécia ainda não é consumada.", diz Eliza, acrescentando que "A licença parental é um exemplo muito claro." Criada por uma lei de 1973, estabelecendo 480 dias para mães e pais dividirem como bem entenderem, porque o filho é dos dois, 20 anos depois o governo sueco estabeleceu trinta dias obrigatórios para os pais, devido ao fracasso da divisão 'como bem entendessem' deixada a cargo de mães e de pais. Entender que cuidar dos filhos é atribuição dos dois é algo que os pais sempre tiveram dificuldade para entender. Sete anos depois, o período foi aumentado para 60 dias, e dezesseis anos depois para 90. Ou seja, para chegar a 37,5% da quantidade de dias que caberão aos pais quando a igualdade de gêneros, finalmente, tiver sido consumada foram necessários 43 anos.
Sendo assim, será que faz sentido acreditar na seguinte afirmação de Eliza: "A previsão é que, se a lei continuar sendo aprimorada, em 2035, ou seja, três gerações depois de sua implementação, pais e mães dividirão os dias igualmente". Afinal, se para conseguir chegar a 90 dias foram necessários 43 anos, será que em 19 anos (de 2016 a 2035) conseguir-se-á aumentar em 150 dias a licença paternal? O que vocês acham? Realmente, grandes transformações levam tempo, dão trabalho e exigem união!
"Sou feminista, porque se não fossem as feministas do passado eu não teria viajado sozinha para realizar a série documental. (...) Sou feminista para agradecer por poder fazer o que faço hoje e para garantir que as novas gerações de homens e mulheres possam ser mais felizes.". Que declarações fantásticas! Reconhecer que o que hoje se tem deve-se a coisas feitas por alguns indivíduos que vieram antes e que a si cabe a responsabilidade de tornar melhor o mundo para quem vier depois é uma fantástica demonstração de grandeza humana. E uma autêntica demonstração "da consciência de ser parte de um TODO."
"A igualdade de gêneros na Suécia ainda não é consumada.", diz Eliza. E nessa ideia de algo ainda não consumado eu incluo coisas como civilização, sociedade, democracia e cidadania. Coisas cuja consumação requerem grandes transformações. Transformações que levam tempo, dão trabalho e exigem união. Transformações difíceis de fazer, mas como diz o protagonista do filme Patch Adams – O amor é contagioso, ao ouvir que o que pretende fazer é algo muito difícil, "Tudo o que vale a pena fazer é difícil.".
Sendo assim, o que me resta agora é recorrer à parte religiosa e orar para que vocês consigam refletir sobre tudo o que é dito acima, pois como diz a última afirmação de Eliza Capai por mim selecionada, "Quando tomamos consciência e refletimos sobre as coisas, somos capazes de transformar." Afirmação que, no meu entender, talvez fique até melhor alterando a ordem em que as palavras são apresentadas. "Quando refletimos sobre as coisas e tomamos consciência, somos capazes de transformar." Sabendo que transformar leva tempo, dá trabalho e exige união.

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