sexta-feira, 5 de fevereiro de 2016

Reflexões provocadas por "Viva a Des-ilusão"

Em 15.12.2013: A Grande Ilusão. Em 20.12.2013: Reflexões provocadas por "A Grande Ilusão". Em 27.10.2015: 'A independência é uma ilusão'. Em 19.01.2016: Viva a Des-ilusão (I). Em 26.01.2016: Viva a Des-ilusão (final). Ou seja, chamar atenção para a necessidade de aprendermos a lidar com a ilusão é algo que agrada bastante ao mantenedor deste blog. Por quê? Porque, no meu entender, os piores males que afligem esta civilização (sic) decorrem do gosto (ou seria o fascínio?) que a tal da espécie inteligente do universo tem por ilusões.
"Psicólogos observaram que no âmago do ego, silenciosamente, inconscientemente, se esconde um maroto e sutil 'me engana que eu gosto'. E é assim que somos vitimados pelo engodo mágico das aparências. (...) É dificílimo não se iludir. Mas impossível não é.", diz o professor Hermógenes em Viva a des-ilusão. Até porque, como diz o personagem de Robin Williams no filme Amor além da vida: "O que alguém chama de impossível é simplesmente algo que jamais tinha visto". Personagem que sempre dizia a todos da família "nunca desista". E sobre como tornar possível não se deixar iludir o professor diz o seguinte:
"Aprimorar o discernimento é uma das maiores conquistas que precisamos e podemos realizar. Parar de tomar o temporário como eterno, o aparente como realidade, o embuste como verdade, o cambiante por imutável, o falso por verdadeiro, o acidental por essencial, o impróprio por conveniente, o mal pelo bem, o mau pelo bom..."
"Aprimorar o discernimento" e dessa forma possibilitar a destruição de ilusões que nos são passadas desde a mais tenra idade, como afirma Peter M. Senge em uma passagem de seu livro A Quinta Disciplina, apresentada no parágrafo abaixo.
"Desde a mais tenra idade, nos ensinam a dividir os problemas, a fragmentar o mundo, o que parece ter o dom de facilitar tarefas e questões complexas. Mas o preço que pagamos por isso é enorme, pois deixamos de ver as consequências de nossos atos e perdemos a noção de integração com o todo maior. (...) As técnicas e ideias apresentadas neste livro destroem a ilusão de que o mundo é composto por forças separadas, não relacionadas entre si."
E ao citar as palavras de Peter M. Senge apresentadas no parágrafo acima, imediatamente eu lembro algo que li em duas passagens de um livro de Philip Slater intitulado A Busca da Solidão – A Cultura Americana no Ponto de Ruptura. Passagens intituladas A Grande Ilusão e O Dilema da Liberdade e a partir das quais elaborei o parágrafo abaixo.
"Poderíamos apresentar inúmeros exemplos das diversas formas pelas quais os norte-americanos buscam minimizar, restringir ou negar a interdependência em que se baseia a vida de todas as sociedades humanas. (...) O universo não se apresenta como um conjunto de partículas isoladas, mas sim como um todo interligado. Acreditar que nossos destinos sejam mutuamente independentes pode ser eticamente defensável, mas é algo perfeitamente estúpido."
"A interdependência em que se baseia a vida de todas as sociedades humanas". Interdependência que faz com que "acreditar que nossos destinos sejam mutuamente independentes (...) seja algo perfeitamente estúpido."! Por quê? Porque é acreditar em uma ilusão, como afirma Gyalwa Dokhampa, mestre budista, em uma reportagem-entrevista publicada na edição de 29 de julho de 2015 do jornal O Globo em um espaço intitulado Conte algo que não sei e espalhado por este blog em 27 de outubro de 2015. Indagado sobre qual a mensagem mais importante que tenta passar ele responde assim:
"Penso que, nas sociedades ocidentais, as pessoas querem ser independentes, mas a verdade é que ninguém consegue ser independente, somos todos interdependentes. A independência é uma ilusão. Devemos tomar consciência de que somos interdependentes e, depois disso, pensar no que podemos fazer para cuidar das coisas dais quais dependemos, como o ambiente, as árvores, o ar, a água, o nosso país e todos os seres humanos com quem partilhamos este planeta."
"A independência é uma ilusão", diz Gyalwa Dokhampa. "A independência é a grande ilusão", diz Philip Slater. Uma ilusão que, segundo Peter M. Senge, precisa ser destruída, "pois é ao acreditar que o mundo seja composto por forças não relacionadas entre si que deixamos de ver as consequências de nosso atos e perdemos a noção de integração com o todo maior". Perda de noção que nos impede de desenvolver uma capacidade imprescindível para a construção de uma civilização que faça jus a essa denominação. Que capacidade é essa? O raciocínio sistêmico.
O Raciocínio Sistêmico, eis o título da quinta postagem deste blog. Elaborada a partir do livro A Quinta Disciplina e publicada em 14 de fevereiro de 2011. Postagem que vale muito a pena ler!
"As pessoas querem redescobrir a sensação de viver numa comunidade verdadeira. Estamos fartos de solidão, independência e competição." A afirmação é do filósofo e teólogo canadense Jean Vanier (1928, ...) e o grifo é meu. Será que as pessoas estão realmente fartas de tais coisas? Tomara que sim! Independência! Eis, no meu entender, uma das duas maiores ilusões pelas quais é fascinada a tal da espécie inteligente do universo. Qual é a segunda? Aquela que o professor Hermógenes denomina megailusão. Que ilusão é essa? Nas próprias palavras do professor, megailusão é:
"A errônea convicção de que somos tão-somente o corpo. Ora, nosso corpo não passa de provisório equipamento emprestado, sujeito a adoecer e fatigar-se, e programado para envelhecer e ser descartado. Nós, em realidade, em essência, somos o Espírito, o Ser Eterno, livre de doença, debilidade, fadiga, decadência e extinção. Só escapamos de tão medíocre destino quando conseguimos remover o véu e, des-iludindo-nos, alcançamos a Verdade sobre o que Real e essencialmente somos – a Vastidão, o Eterno, o Imortal..."
E diante do que o professor Hermógenes denomina megailusão, imediatamente, me vem à mente uma afirmação do teólogo, filósofo e paleontólogo francês Teilhard de Chardin (1881 – 1955). Uma afirmação que neste blog é usada como uma das citações que ilustram uma coluna intitulada E, para o resto da vida..., localizada abaixo da Citação da semana. Qual é a afirmação? "Não somos seres humanos vivendo uma experiência espiritual; somos seres espirituais vivendo uma experiência humana." Professor Hermógenes e Teilhard de Chardin, tudo a ver, não? Alguém discorda?
Até aqui esta postagem focalizou apenas aquelas que, no meu entender, são as ilusões fundamentais para a produção da maioria dos males que afligem a dita espécie inteligente do universo, mas a lista de ilusões é algo infindável. E para terminar esta postagem escolhi da interminável lista os quatro seguintes exemplos.
- A ilusão de que a qualidade de uma sociedade não seja consequência direta das ações de todos os seus componentes.
- A ilusão de que em cada ladrãozinho prepotente que inferniza nossas vidas nada exista que tenha a ver com a nossa indiferença, que nada fez pelas crianças que eles um dia foram... (Exemplo elaborado a partir de uma frase do Padre Zezinho scj.)
- A ilusão de que em uma civilização (sic) regida, acima de tudo, por uma lei denominada "da oferta e da procura" seja possível acabar com o tráfico de drogas apenas prendendo, ou até mesmo matando, alguns dos que atuam no lado da oferta.
- A ilusão de que seja possível problema e solução serem de naturezas diferentes. Ou seja, a ilusão de que problemas gerados por descaso social podem ser solucionados por meio de força policial.
Com uma querida ex-colega de trabalho, aprendi uma frase que com a troca de uma palavra considero perfeita para encerrar estas reflexões: "Agora que eu perdi as esperanças me sinto bem melhor." Mutatis mutandis: "Agora que eu perdi as ilusões me sinto bem melhor." O professor Hermógenes compara a ilusão a um encalhe, pois ambos "nos retém num ponto qualquer do caminho". Portanto, festejemos o des-encalhe. Viva a Des-ilusão!

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