segunda-feira, 29 de junho de 2015

Reflexões provocadas por "O empresário sem funcionários"

A enxurrada de reflexões provocadas por O empresário sem funcionários foi tão grande que ao concluir o texto que seria publicado nesta postagem o fato de não conseguir estancá-la levou-me a elaborar outro inteiramente diferente daquele que eu concluíra. Ou seja, sob o título acima, muito mais pode ser dito além do que é apresentado abaixo e encontrar um ponto de corte para encerrar esta postagem foi algo realmente difícil.
Dentre os vários significados existentes no Aurélio para a palavra progresso, selecionei o seguinte: desenvolvimento ou alteração em sentido favorável; avanço, melhoria. E dentre algumas afirmações envolvendo a palavra progresso, as duas primeiras que me vieram à cabeça ao ler o artigo de Carlos Chagas são as seguintes. "O fascínio pelo progresso nos faz cegos para o apocalipse." (Gunther Anders, filósofo alemão, em 1957). "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem.", (Alexis Carrel, cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo, na década de 1930).
Que relação há entre o parágrafo acima e o artigo O empresário sem funcionários? Ambos advertem-nos sobre as desastrosas consequências do fascínio por duas coisas: a tecnologia e o progresso dela oriundo. Fascínio que leva a dita espécie inteligente do Universo a negligenciar o que (segundo Alexis Carrel) a civilização tem como finalidade: o progresso do homem. Fascinado pela ideia de inserir inteligência em máquinas, o homem segue pela vida afora ignorando que a verdadeira inteligência consiste em usar as máquinas de forma inteligente.
Que forma seria essa? Usar as máquinas para servirem ao homem, e não para ocuparem seu próprio lugar. Usá-las para mecanizar as atividades mecânicas e repetitivas, mas jamais as que possibilitem as imprescindíveis interações humanas das quais dependem até mesmo os equilíbrios mental e emocional do ser humano.
"O mal do passado foi os homens se tornarem escravos. O perigo do futuro é que eles se tornem robôs.", afirmou Erich Fromm (1900-1980), psicanalista, filósofo e sociólogo alemão. Fascinado pela possibilidade de dispor de máquinas que a ele assemelhem-se, o homem acabou tornando-se indiferente à sorte dos demais homens, passou a agir, ou melhor, a funcionar como se fosse uma máquina e a interessar-se apenas por seus novos semelhantes: as máquinas. É em conformidade com tal modo de agir (ou de funcionar) que interpreto a empolgação demonstrada com a ideia de empresas sem funcionários.
"A tecnologia moderna é capaz de realizar a produção sem emprego. O diabo é que a economia moderna não consegue inventar o consumo sem salário.", afirmou Herbert de Souza (1935-1997), o Betinho, um sociólogo na verdadeira acepção da palavra. Produção sem emprego! Eis o sonho oferecido pela tecnologia e aceito por aqueles que entendem que se o funcionário, ou melhor, o colaborador (segundo o linguajar atual) perdeu o emprego, isso é problema dele. Afinal, o colaborador é ele, não o empresário, não é mesmo? Ficou sem emprego? Monte sua própria empresa e resolva o seu problema. Mas será essa a solução para o universal problema do desemprego? Não, não acredito que seja, pois, no meu entender, essa pretensa solução é mais um dos inúmeros exemplos da equivocada crença de que problemas coletivos podem ser resolvidos de forma particular. Uma crença equivocada sobre a qual não nos faltam advertências, dentre elas a apresentada a seguir.
"O que não convém ao enxame não convém tampouco à abelha.", é uma afirmação atribuída a Marco Aurélio (121-180), o imperador-filósofo. Em outras palavras: o que for um mal, se aplicado ao todo, não deve ser objeto de desejo da parte. Aplicada ao todo, a fantástica ideia de empresas sem funcionários será um bem ou um mal? Vocês já refletiram sobre isso? Carlos Chagas já, segundo o parágrafo abaixo.
"Todos têm o direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, a ir e vir e, sem esquecer, todos têm o direito ao trabalho. Querer mudar os pilares da filosofia e tornar o trabalho algo supérfluo, lentamente dispensável, mais do que discriminar a maior parte da Humanidade significará condenar o indivíduo à miséria, ao abandono e à barbárie.", diz Carlos Chagas em seu artigo. E ao dizê-lo me faz lembrar a seguinte afirmação de Alberto Pasqualini, feita em fevereiro de 1945: "O analfabetismo, a falta de ocupação, a vida difícil e a miséria poderão criar uma grave situação de insegurança que evoluiria para uma criminalidade irreprimível."
Uma criminalidade irreprimível criada pela falta de ocupação, pela vida difícil e pela miséria. Ou seja, por fatores que, no meu entender, têm muito a ver com a ideia de empresas sem funcionários e consequentemente de colaboradores entregues a sua própria sorte (ou seria ao seu próprio azar?). Uma criminalidade irreprimível que creio que também pode ser explicada à luz de um trecho de O último discurso, proferido no filme O grande ditador (de 1940), do genial Charles Chaplin. Os grifos são meus.
"A máquina, que produz abundância, tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido."
Vocês perceberam quantas citações contendo advertências sobre práticas equivocadas adotadas pela dita espécie inteligente do Universo são apresentadas nesta postagem? Advertências que teimosamente ela insiste em não acatar. Não acatamento explicado pela seguinte afirmação de Jonathan Swift (1667-1745), autor de As Viagens de Gulliver: "Como é possível esperar que a humanidade ouça conselhos, se nem sequer ouve as advertências".
E com uma advertência Carlos Chagas encerra o seu artigo: "Como contra a natureza das coisas ninguém investe impunemente, seria bom que certos colunistas tomassem cuidado. Porque se 550 caminhões chegarem a ser produzidos sem nenhum operário, também terá chegado o dia em que suas colunas acabarão feitas apenas com notas vindas de procedência externa. Será então a hora das lamentações...".
Sim, nesta civilização (sic) caracterizada pela competitividade e pela mentalidade do cada um por si, chegará o dia em que depois de ter assistido a desgraça dos outros, dando graças por não ter sido consigo, cada um por si terá diante de si a hora das lamentações. A hora de lamentar pelas advertências desprezadas. A hora de perceber que, como adverte Rania Al-Abdullah (esposa do rei Abdullah II e rainha consorte da Jordânia desde 1999), em artigo publicado em 10 de maio de 2015 no jornal O Estado de S. Paulo, "o benefício do desenvolvimento tecnológico sem o progresso moral é apenas uma ilusão".
E ao citar a advertência da rainha Rania Al-Abdullah eu lembro a de Alexis Carrel, apresentada no segundo parágrafo: "A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem." Sim, se o progresso imprescindível é o do homem, não o das máquinas, "o benefício do desenvolvimento tecnológico sem o progresso moral é apenas uma ilusão".
E foi assim, usando o método das associações sucessivas de citações contendo advertências que, conforme dito no primeiro parágrafo, após ter concluído o texto a ser publicado elaborei outro inteiramente diferente. Portanto, conseguindo superar a vontade de prosseguir, coloco aqui um fim nas associações, para que esta postagem possa enfim ser publicada. Mas que a quantidade de reflexões provocadas por O empresário sem funcionários vai muito além das apresentadas nesta postagem, para mim, não há a menor dúvida. Vocês já fizeram as suas?

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