A enxurrada de reflexões provocadas por O empresário sem funcionários foi tão grande que ao concluir o
texto que seria publicado nesta postagem o fato de não conseguir estancá-la
levou-me a elaborar outro inteiramente diferente daquele que eu concluíra. Ou
seja, sob o título acima, muito mais pode ser dito além do que é apresentado abaixo
e encontrar um ponto de corte para encerrar esta postagem foi algo realmente
difícil.
Dentre os vários
significados existentes no Aurélio
para a palavra progresso, selecionei o seguinte: desenvolvimento ou alteração
em sentido favorável; avanço, melhoria. E dentre algumas afirmações envolvendo
a palavra progresso, as duas primeiras que me vieram à cabeça ao ler o artigo
de Carlos Chagas são as seguintes. "O fascínio pelo progresso nos faz
cegos para o apocalipse." (Gunther Anders, filósofo alemão, em 1957).
"A civilização não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim
o do homem.", (Alexis Carrel, cirurgião, fisiologista, biólogo e sociólogo,
na década de 1930).
Que relação há entre
o parágrafo acima e o artigo O empresário sem funcionários? Ambos advertem-nos sobre as desastrosas consequências do
fascínio por duas coisas: a tecnologia e o progresso dela oriundo. Fascínio que
leva a dita espécie inteligente do Universo a negligenciar o que (segundo
Alexis Carrel) a civilização tem como finalidade: o progresso do homem. Fascinado
pela ideia de inserir inteligência em máquinas, o homem segue pela vida afora
ignorando que a verdadeira inteligência consiste em usar as máquinas de forma
inteligente.
Que forma seria essa? Usar as máquinas para servirem ao homem, e
não para ocuparem seu próprio lugar. Usá-las para mecanizar as atividades mecânicas
e repetitivas, mas jamais as que possibilitem as imprescindíveis interações humanas
das quais dependem até mesmo os equilíbrios mental e emocional do ser humano.
"O mal do passado foi os homens se tornarem escravos. O perigo do
futuro é que eles se tornem robôs.", afirmou Erich Fromm
(1900-1980), psicanalista, filósofo e sociólogo alemão. Fascinado pela possibilidade
de dispor de máquinas que a ele assemelhem-se, o homem
acabou tornando-se indiferente à sorte dos demais homens, passou a agir, ou
melhor, a funcionar como se fosse uma máquina e a interessar-se apenas por seus
novos semelhantes: as máquinas. É em conformidade com tal modo de agir (ou de
funcionar) que interpreto a empolgação demonstrada com a ideia de empresas sem
funcionários.
"A tecnologia moderna é capaz de realizar a produção sem
emprego. O diabo é que a economia moderna não consegue inventar o consumo sem
salário.", afirmou Herbert de Souza (1935-1997), o Betinho, um sociólogo
na verdadeira acepção da palavra. Produção sem emprego! Eis o sonho oferecido
pela tecnologia e aceito por aqueles que entendem que se o funcionário, ou melhor, o colaborador (segundo o linguajar
atual) perdeu o emprego, isso é problema dele. Afinal, o colaborador é ele, não
o empresário, não é mesmo? Ficou sem emprego? Monte sua própria empresa e
resolva o seu problema. Mas será essa a solução para o universal problema do
desemprego? Não, não acredito que seja, pois, no meu entender, essa pretensa
solução é mais um dos inúmeros exemplos da equivocada crença de que problemas
coletivos podem ser resolvidos de forma particular. Uma crença equivocada sobre
a qual não nos faltam advertências, dentre elas a apresentada a seguir.
"O que não convém ao enxame não convém tampouco à
abelha.", é uma afirmação atribuída a Marco Aurélio (121-180), o
imperador-filósofo. Em outras palavras: o que for um mal, se aplicado ao todo,
não deve ser objeto de desejo da parte. Aplicada ao todo, a fantástica ideia de
empresas sem funcionários será um bem ou um mal? Vocês já refletiram sobre
isso? Carlos Chagas já, segundo o parágrafo abaixo.
"Todos têm o
direito à vida, à saúde, à educação, ao lazer, a ir e vir e, sem esquecer,
todos têm o direito ao trabalho. Querer mudar os pilares da filosofia e tornar
o trabalho algo supérfluo, lentamente dispensável, mais do que discriminar a
maior parte da Humanidade significará condenar o indivíduo à miséria, ao
abandono e à barbárie.", diz Carlos Chagas em seu artigo. E ao dizê-lo me
faz lembrar a seguinte afirmação de Alberto Pasqualini, feita em fevereiro de
1945: "O analfabetismo, a falta de ocupação, a vida difícil e a miséria poderão
criar uma grave situação de insegurança que evoluiria para uma criminalidade
irreprimível."
Uma criminalidade irreprimível criada pela falta de ocupação, pela
vida difícil e pela miséria. Ou seja, por fatores que, no meu entender, têm
muito a ver com a ideia de empresas sem funcionários e consequentemente de colaboradores entregues a sua própria
sorte (ou seria ao seu próprio azar?). Uma criminalidade irreprimível que creio
que também pode ser explicada à luz de um trecho de O último discurso, proferido no filme O grande ditador (de 1940), do genial Charles Chaplin. Os grifos
são meus.
"A máquina, que produz abundância,
tem-nos deixado em penúria. Nossos conhecimentos fizeram-nos céticos; nossa
inteligência, empedernidos e cruéis. Pensamos
em demasia e sentimos bem pouco. Mais do que de
máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que inteligência, precisamos de
afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida será de violência e tudo
será perdido."
Vocês perceberam
quantas citações contendo advertências sobre práticas equivocadas adotadas pela
dita espécie inteligente do Universo são apresentadas nesta postagem?
Advertências que teimosamente ela insiste em não acatar. Não acatamento
explicado pela seguinte afirmação de Jonathan Swift (1667-1745), autor de As Viagens de Gulliver: "Como é
possível esperar que a humanidade ouça conselhos, se nem sequer ouve as
advertências".
E com uma advertência
Carlos Chagas encerra o seu artigo: "Como contra a natureza das coisas
ninguém investe impunemente, seria bom que certos colunistas tomassem cuidado.
Porque se 550 caminhões chegarem a ser produzidos sem nenhum operário, também
terá chegado o dia em que suas colunas acabarão feitas apenas com notas vindas
de procedência externa. Será então a hora das lamentações...".
Sim, nesta civilização
(sic) caracterizada pela competitividade e pela mentalidade do cada um por si,
chegará o dia em que depois de ter assistido a desgraça dos outros, dando
graças por não ter sido consigo, cada um por si terá diante de si a hora das
lamentações. A hora de lamentar pelas advertências desprezadas. A hora de
perceber que, como adverte Rania Al-Abdullah (esposa do rei Abdullah II e
rainha consorte da Jordânia desde 1999), em artigo publicado em 10 de maio de
2015 no jornal O Estado de S. Paulo, "o
benefício do desenvolvimento tecnológico sem o progresso moral é apenas uma
ilusão".
E ao citar a
advertência da rainha Rania Al-Abdullah eu lembro a de Alexis Carrel,
apresentada no segundo parágrafo: "A civilização
não tem como finalidade o progresso das máquinas; mas, sim o do homem."
Sim, se o progresso imprescindível é o do homem, não o das máquinas, "o benefício do
desenvolvimento tecnológico sem o progresso moral é apenas uma ilusão".
E foi assim, usando o
método das associações sucessivas de citações contendo advertências que,
conforme dito no primeiro parágrafo, após ter concluído o texto a ser publicado
elaborei outro inteiramente diferente. Portanto, conseguindo superar a vontade
de prosseguir, coloco aqui um fim nas associações, para que esta postagem possa
enfim ser publicada. Mas que a quantidade de reflexões provocadas por O empresário sem funcionários vai muito
além das apresentadas nesta postagem, para mim, não há a menor dúvida. Vocês já
fizeram as suas?
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