Inspirada pela
passagem do Dia da Consciência Negra
ou de Zumbi dos Palmares, a redação
da postagem anterior (Dias de inconsciência) me fez lembrar algo
publicado, há 21 anos, no livro Um caminho com o coração, de Jack
Kornfield. Publicada a postagem, três dias depois, encontrei, na edição de
novembro de 2014 da revista Filosofia,
um artigo no qual existem passagens inteiramente sintonizadas com afirmações
feitas no referido livro. Ou seja, além de "ser uma caixinha de surpresas",
como diz Joseph Climber, a vida é também uma caixinha de coincidências. O
artigo é intitulado A viagem suicida pós-moderna e é assinado por Matêus Ramos Cardoso. Matêus é bacharel em filosofia, pós-graduado
em ética e filosofia pelo Instituto ProMinas, em ciências da religião pela
Universidade Cândido Mendes (RJ) e professor de filosofia na E.E.M. Macário
Borba, em Sombrio (SC).
"O
elemento mais bem-ajustado da nossa sociedade é a pessoa que não
está morta nem viva, apenas entorpecida, enfim um morto-vivo,
um zumbi." (...) "Um
dos nossos vícios mais difundidos é a velocidade. A sociedade tecnológica
obriga-nos a aumentar o ritmo da nossa produtividade e o ritmo das nossas
vidas.", são coisas ditas no livro publicado há 21 anos.
"Diante de uma
realidade extremamente veloz que se renova a cada instante, alguns acabam se
adaptando e vivem como zumbis, mortos-vivos numa sociedade que parece caminhar
para o abismo, como numa grande marcha lenta, um congestionamento humano que se
dirige para seu próprio velório. (...) Afinal, estar adaptado a uma sociedade
doente não é um bom sinal. (...) O modo de vida hodierno é caracterizado pela
constante necessidade de produção, que cresce a cada instante. (...) A máxima
cartesiana é substituída pela máxima contemporânea: 'Produzo, logo
existo!'", são coisas ditas na revista publicada há poucos dias.
Tudo a ver, não? Gostei
demais do artigo, porém considerando que ele tem nove páginas (embora entre
elas existam fotos e gravuras) dele extraí apenas alguns trechos para
apresentar nesta postagem.
A viagem suicida pós-moderna
O teólogo Henri Nouwen
(1932 – 1996), inspirado na "espiritualidade do deserto", valoriza o
silêncio, a oração, o encontro com Deus e a busca de uma vida simples. Segundo
ele, "nosso mundo se aventurou em uma viagem suicida". Seria possível
pronunciar uma palavra de esperança diante do turbilhão de agonias inerentes a
uma sociedade onde impera a tirania da velocidade? Diante de uma realidade
extremamente veloz que se renova a cada instante, alguns acabam se adaptando e
vivem como zumbis, mortos-vivos numa sociedade que parece caminhar para o
abismo, como numa grande marcha lenta, um congestionamento humano que se dirige
para seu próprio velório.
O modo de vida
hodierno é caracterizado pela constante necessidade de produção, que cresce a
cada instante. Dessa perspectiva, os indivíduos em meio a um estilo de vida
exigente, perdem, entre tantas coisas, a saúde. O hiperconsumismo, atual
procedimento padrão do homem contemporâneo, tem um preço muito alto; vive-se
constantemente sob uma enorme pressão para que esse estilo de vida seja
mantido, o que acarreta, por um lado, no aumento das exigências e, por outro,
na redução das satisfações. Passos apressados que beiram o desespero. A máxima
cartesiana é substituída pela máxima contemporânea: "Produzo, logo
existo!"
Assistimos a uma
contemporaneidade veloz, onde todas as atividades são atropeladas pela extrema
rapidez em tentar solucionar os problemas. Vivemos entre as urgências dos
milésimos. Não há recreio para a humanidade, não há intervalos, e toda a pausa para
um suspiro que nos permita viver livre por alguns minutos parece colocar nossa
existência em um curto-circuito. Parar é blasfemar contra o modus operandi atual. (...)
Para podermos refletir
com mais clareza acerca da rapidez tecnológica, que se estende para a
subjetividade do ser humano, analisamos a argumentação do doutor em comunicação
Dênis de Moraes: "Até 2005, Motorola, Nokia, Samsung e LG conseguiam
colocar nas mãos dos clientes um modelo novo de celular a cada dezoito meses.
Tal prazo agora é considerado uma eternidade. A média caiu para nove meses. Em
alguns casos, o lançamento demora seis". Desse modo, podemos ter uma ideia
de como a cultura tecnológica acaba se incorporando ao comportamento humano, o
amor se torna um prazer automático e acabamos robotizando nossas vidas. E a
grande questão não é se surgirão computadores com uma consciência humana, mas
se nós já não estamos vivendo como máquinas, apenas executando funções
rapidamente, de forma eficaz e não refletida.
(...) Examinemos, por
um momento, nosso cotidiano. Geralmente, somos muito atarefados, reuniões para
ir, visitas a fazer, compromissos, etc. É raro o momento em que não temos o que
fazer, e quando este momento acontece, não conseguimos desfrutar do ócio, pois
a culpa de "não estar produzindo nada", assola nosso ser. Vivemos,
cada vez mais, de uma maneira compulsiva, pois já não temos a calma para parar
e refletir sobre nossas ações, nossos projetos de vida. Simplesmente seguimos
fazendo seja lá o que for, de maneira automática, como máquinas obedecendo a comandos:
é preciso motivar as pessoas a produzirem, a obter dinheiro, e todos precisam
estar contentes (ou acreditando que estão contentes).
(...) O indivíduo é
muito mais do que um objeto, que compra e é comprado, que é tomado pelo
sistema, que se dedica a um trabalho para "ganhar a vida", que segue
o caminho inverso da lógica da satisfação e da simplicidade.
Nessa viagem suicida
pós-moderna, percebe-se que na grande maioria das vezes as pessoas sofrem
demais com respostas "erradas" devido ao fato de que ainda não
tiveram a coragem de olhar para dentro de si e fazer a pergunta certa: "Afinal,
o que queremos da vida?"
*************
Por que espalho um
texto que em seu primeiro parágrafo questiona se "Seria possível
pronunciar uma palavra de esperança diante do turbilhão de agonias inerentes a
uma sociedade onde impera a tirania da velocidade?"? Seria eu um
desesperançado? Não, desesperançado é exatamente o contrário do que sou. Conforme
é explicado na postagem Otimistas, pessimistas e esperançosos, considero-me
um esperançoso.
O que é um
esperançoso? É alguém que acredita que - desde que os indivíduos que a compõem
disponham-se a fazer a sua parte – sempre será possível tornar melhor uma
sociedade. Mas em que consiste cada um fazer a sua parte? Primeiramente, em avaliar
o caminho pelo qual a sociedade está seguindo em sua viagem. Feita a avaliação,
o próximo passo é agir de modo a corrigir o caminho equivocado que, por
desventura, esteja sendo seguido, pois como diz Matêus Ramos, a sociedade parece
estar caminhando para o abismo, para seu próprio velório. É nisto que consiste
a esperança: no reconhecimento da existência de coisas erradas e na disposição
para atuar no sentido de corrigi-las.
Dito isto, segue uma
recomendação. Toda vez que for publicada neste blog alguma postagem que alguém veja
como algo que sugere desesperança, a recomendação é interpretá-la à luz do que
é dito nos dois parágrafos anteriores, ok? Interpretá-la como uma avaliação compartilhada
por alguém que, embora seja um integrante desta sociedade repleta de indivíduos
cada vez menos reflexivos, é alguém que já consegue perceber que determinados comportamentos
equivocadamente adotados como padrão por esta sociedade, são, na verdade, práticas
inteiramente impeditivas à construção de algo que possa fazer jus ao termo
civilização.
Nessa viagem suicida
pós-moderna, percebe-se que na grande maioria das vezes as pessoas sofrem
demais com respostas "erradas" devido ao fato de que ainda não
tiveram a coragem de olhar para dentro de si e fazer a pergunta certa: "Afinal,
o que queremos da vida?"
É com o parágrafo acima
que Matêus Ramos encerra seu artigo. Olhar
para dentro de si e fazer a pergunta certa: "Afinal, o que queremos da
vida?" Seria isso uma avaliação de como estamos vivendo a vida?
Avaliar! Eis a primeira coisa que precisa ser feita por aqueles que quiserem
verdadeiramente mudar o que quer que seja para melhor. Afinal, como corrigir o
que está sendo feito de modo equivocado sem uma verdadeira avaliação do que esteja
sendo feito? Avaliações! Eis uma das coisas estupidamente negligenciadas e deturpadas
pela dita espécie inteligente do Universo.
2 comentários:
Caro amigo, obrigado por compartilhar de um dos meus artigos. Sua apreciação é fiel ao texto original, parabéns..
att
Prof. Matêus
Caro Prof. Matêus,
Considerando que a intenção deste blog é "espalhar ideias que ajudem a interpretar a vida e provoquem ações para torná-la cada vez melhor", ler o seu artigo e não compartilhá-lo seria algo imperdoável.
Obrigado por sua atenção e pelo comentário.
Um abraço,
Guedes
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