“Frequentemente o que motiva uma escola a me chamar para dar uma palestra são os problemas de violência, indisciplina e desrespeito enfrentados pelos professores, (...). Para o pesquisador de psicologia moral Yves de La Taille, as escolas enfrentam indisciplina e problemas de convívio porque estão transmitindo valores egoístas aos alunos.”
Ou seja, o que motiva uma escola a chamá-lo para dar uma palestra é nada mais nada menos que o grande problema
da maioria dos que vivem nesta sociedade: a dificuldade para conviver em
harmonia com os que estejam ao seu redor. E é aí que entra uma das finalidades
das escolas: contribuir na formação ética e moral dos alunos. Afinal, é nelas
que eles passam grande parte de sua vida ainda em desenvolvimento. Quem tem o hábito
de ler os comentários feitos no blog viu que há quem pense que a formação ética
e moral dos filhos é tarefa apenas dos pais, mas Yves e eu temos
opinião diferente. Se dispuserem de algum tempo, leiam os comentários da postagem anterior.
Em um mundo onde os pais - por trabalharem em
tempo integral - dispõem cada vez menos de tempo para conviver com os filhos, é
cada vez mais importante a atuação das escolas na formação ética e moral dos seres ainda em desenvolvimento. Afinal, (repetindo algo que já foi dito acima) é nas
escolas que eles passam grande parte de sua vida enquanto preparam-se
para vivê-la. Portanto, no meu entender, as escolas têm que participar
ativamente das respostas às perguntas que Yves associa,
respectivamente, as palavras moral e ética: “Como devo agir?” e “Que
vida eu quero viver?”. Segundo ele, “Para explicar como uma pessoa legitima o
conjunto de regras morais é preciso saber que perspectivas éticas ela adota. A
formação ética e moral caminhará nesse sentido.” Concordo plenamente com ele.
Mas o que se vê nesta sociedade do
cada um por si, onde ninguém se considera responsável pela transmissão de
valores existenciais, são as escolas abdicarem de sua tarefa de contribuir
para a formação ética e moral dos alunos. Segundo Yves, “algumas
escolas parecem shoppings e suas paredes suam riqueza”. Vocês já repararam
que é cada vez maior a quantidade de faculdades localizadas dentro de shoppings?
Perceberam que neste ano a comemoração do “Dia do Mestre” coincidiu com a do
“Dia do Comerciário”? Percebem que a educação já é confundida com o comércio?
Para Yves de La Taille, não adianta esperar
que os alunos vivam harmoniosamente e solidários, se as escolas pregam que
desejam formar vencedores e líderes.
“Tem escolas em que você entra e a primeira coisa que vê é troféu. Ou seja, ela diz : “nós somos uma escola de vencedores”. Eu, sinceramente, prefiro uma escola em que a primeira coisa que se vê sejam trabalhos de alunos, símbolos ligados ao conhecimento, a alternativas ao mundo exterior. Frequentemente as escolas pensam: “vamos formar líderes”. Essas escolas fazem uma opção ética clara: é preciso ser competente, vencedor e líder. Isso é um entendimento sobre o que é ser alguém na vida, que, a meu ver, não é muito coerente com depois falar de respeito e solidariedade.”
Não consigo discordar do que foi dito acima.
Aliás, é nessas escolas voltadas para a formação de vencedores e líderes que é produzida a maioria dos protagonistas dos escândalos que, infelizmente, já nos acostumamos a ver no noticiário. Outra afirmação de Yves é que “Para ter mais alunos,
muitas vezes as escolas fazem concessões, adaptam-se aos valores das famílias, não
contradizem os pais.” Pais cada vez mais perdidos diante de um mundo
que foi transformado em um imenso mercado. E aqui eu recorro a uma passagem de um
texto de Zeca Baleiro intitulado Era uma vez uma infância.
“Não é de hoje que noto pais e mães ansiosos com o lugar dos filhos no mercado de trabalho (?). Lembro de, numa reunião à qual fui certa vez em uma escola mais conservadora onde meus filhos não viriam a estudar, ter visto um pai pedir a palavra e perguntar à coordenadora, em alto e bom som: ‘O que a escola faz para preparar as crianças para o mercado de trabalho?’. Um silêncio desconcertante tomou conta da sala, e, jeitosamente, a moça tentou explicar àquele apressado sujeito que escolas fundamentais não têm essa função, que são responsáveis por um ensino mais elementar, etc. Detalhe: as crianças em questão eram pirralhos de seis anos de idade prestes a entrar para o primeiro ano do ensino fundamental.”
E ao falar em escola conservadora, lembro do
colégio onde ocorreu o episódio que despertou a minha vontade de espalhar as
ideias contidas na entrevista de Yves de La Taille. Colégio que é reincidente
na ocorrência de episódios trágicos. Recentemente ocorreu um fatal com um aluno
de 12 anos e há pouco mais de um ano outro que foi parar nas páginas da revista
Veja Rio em uma reportagem intitulada
Covardia no pátio. Segundo a
reportagem, “um menino de 6 anos foi agredido por outro de 14 no intervalo das
aulas e o episódio bizarro foi definido pela direção da escola como
‘brincadeira inconsequente’. Brincadeira inconsequente que resultou nas seguintes consequências: “dois
inchaços sob o couro cabeludo (na nuca e pouco acima da orelha esquerda), um
galo com um corte na testa e 48 horas em observação, em uma clínica na Lagoa”. “Uma
entrevista do supervisor administrativo do São Bento, Mário Silveira, foi
emblemática. Ele elogiou o valentão, afirmando que é um excelente estudante, e
disparou; ‘Esse menino (o agressor)
já está mais do que punido. Mais do que aquele que se acidentou, que já está
alegre e fagueiro em casa’.” Ou seja, não interessa ao colégio livrar-se do
valentão, pois trata-se de “um excelente estudante” que poderá ajudar a elevar
os índices de aprovação do colégio em futuros concursos. E possibilitar mais
troféus para o colégio.
Yves de La Taille
diz que “A preocupação sobre ética praticamente não existe nas escolas, muitas
nem sabem o que é ética.”, e o episódio citado acima contribui para a
veracidade de tal afirmação. Mas ética não é a única coisa que praticamente não
existe nas escolas. No trecho abaixo, Yves aponta a ausência de uma coisa imprescindível à formação de algo que mereça
ser chamado de civilização: cidadania.
“Fui convidado a dar uma palestra em um colégio bem famoso e bom de São Paulo, onde há um grupo que dá aula de cidadania para alunos do ensino médio. Como cheguei um pouco antes do horário, fiz um tour pela escola. No final da palestra, perguntei retoricamente: “As paredes desta escola falam o quê?” Eu mesmo respondi imediatamente: “tecnologia”. Eles não haviam pensado nisso antes, mas concordaram. “E a cidadania?” Está totalmente ausente das paredes. A última coisa que alguém pode imaginar, quando entra em uma escola como essa, é que a cidadania é um tema importante. É preciso colocar nas paredes; é algo institucional. Não estou dizendo que a cidadania é a coisa mais importante, mas não se pode deixá-la no rodapé. Os professores que falam dela raramente são considerados os mais importantes. É mais um problema da escola. Hoje se coloca demasiadamente as coisas nas costas do professor. Sozinho, o que ele fará?”
Ou seja, naquele colégio bem famoso e bom até existe
um grupo que fala de cidadania, mas as paredes falam de outra coisa. E por
terem mais espaço para falar, pois falam durante todo o tempo, a voz das
paredes acaba abafando a dos professores. Sendo a voz da escola, ela tende a prevalecer
sobre a voz dos professores que falam sobre cidadania.
Então, dá para concordar com a
imprescindibilidade das escolas atuarem na formação ética e moral dos seres que
integram esta insana sociedade para que, finalmente, eles aprendam a conviver?
Dá para discordar do que foi dito por Yves de La Taille? Que postagem longa! E
incompleta, pois a entrevista que a provocou dá margem a outras reflexões. Aos
que quiserem ler outras reflexões provocadas pela entrevista, sugiro a leitura
dos comentários sobre a postagem anterior. Aos que fizeram as suas reflexões,
sugiro que as compartilhem usando a função comentário oferecida pelo blog.
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