quinta-feira, 16 de agosto de 2012

Reflexões provocadas por "A arte de desaprender"

- Então, por que devo retornar em um ano?
- É o prazo que o prior considera adequado para que o senhor possa desaprender conhecimentos inúteis.
- Desaprender? - surpreendeu-se o médico.
Surpreendeu-se o médico e surpreender-se-ia também a maioria dos integrantes desta sociedade que valoriza o acúmulo de aprendizados, independentemente de terem ou não alguma utilidade para quem os possui. É impressionante a quantidade de conhecimentos inúteis que se adquire pela vida afora! Na escola, no trabalho, nas redes sociais, aprendem-se muitas coisas inúteis e / ou prejudiciais.
Na vida estudantil - cada vez mais profissionalizante e menos "humanizante" - aprendem-se coisas que servem para competir no mercado de trabalho, mas que são inúteis para cooperar na construção de uma sociedade melhor. Acumulam-se conhecimentos para exercer uma determinada profissão, mas o fracasso na busca de um emprego onde possam ser usados torna inútil a maior parte do que se aprendeu.
Na vida profissional, aprendem-se coisas que servem para disputar a insuficiente quantidade de vagas oferecidas para empregos com salários menos aviltantes, mas que muitas vezes são inúteis para as funções a serem desempenhadas em tais empregos.
No teatro corporativo aprendem-se inúmeras coisas para obter certificações de que se trabalha com qualidade, mas o que se constata é que tal aprendizado é muitas vezes inútil, pois a quantidade de retrabalho e de recalls é cada vez maior. Profissionais aprendem tudo sobre novas tecnologias que, segundo eles, facilitarão a vida de quem as usar, mas nada sobre a maneira de se relacionar com aqueles que as usarão. E fazem MBAs (Master of Business Administration) que, em sua maioria, pouco ou nada acrescentam em relação ao desempenho de suas atividades profissionais, mas acrescentam mais títulos ao seu currículo. Afinal, em uma sociedade onde se valoriza o acúmulo de títulos nunca é demais conseguir mais um, não é mesmo? Em um ambiente cada vez mais competitivo, ter mais títulos pode ser uma vantagem sobre os adversários.
Aprendem-se vários idiomas com a finalidade de tornar-se apto a concorrer a vagas de emprego que surjam pelo mundo afora, mas não aprende-se uma linguagem que torne as pessoas aptas a conviver em harmonia no lugar em que estiverem.
Enfim, aprendem-se muitas coisas que precisamos desaprender. Desaprender para que possamos esvaziar o nosso repositório de conhecimentos e nele inserir o que ajude a nos tornar pessoas melhores e, consequentemente, capazes de contribuir para melhorar a insana sociedade em que vivemos. Fazer o que indica o mestre japonês no conto oriental apresentado abaixo.
"Nan-In, um mestre japonês durante a era Meiji (1868-1912), recebeu um professor de universidade que veio lhe inquirir sobre a sabedoria. O professor iniciou um longo discurso intelectual sobre suas dúvidas. Nan-In, enquanto isso, serviu o chá. Ele foi enchendo a xícara a medida que o professor ia falando até que encheu completamente a xícara de seu visitante e continuou a enchê-la, derramando chá pela borda. O professor, vendo o excesso se derramando, não pode mais se conter e disse: 'Está muito cheio. Não cabe mais chá!' 'Como esta xícara,' Nan-in disse, 'você está cheio de opiniões e especulações. Como posso eu lhe ensinar sem você primeiro esvaziar sua xícara?'"
Como podemos aprender o que, realmente, deve nos interessar sem primeiro esvaziar a nossa xícara cheia de conhecimentos inúteis inadvertidamente acumulados pela vida afora? Conforme afirma Frei Betto, "O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida". Vida durante a qual, ainda segundo ele, "carregamos demasiadas mágoas, invejas e até ódios, como se toda essa tralha fizesse mal a outras pessoas que não a nós mesmos". Ou seja, carregamos coisas que prejudicam apenas a nós mesmos. É muita estupidez! E estupidez maior ainda é deixar de desaprender a fazer isso. Isso e outras coisas que só trazem prejuízos a nós mesmos e a própria (ou seria imprópria?) sociedade. Portanto, creio que nunca seja demais repetir: "O desaprendizado é uma arte para quem se propõe a mudar de vida". E mudar de vida é algo que deveria interessar à imensa maioria.
Frei Betto apresentou uma série de coisas que precisamos desaprender; eu acrescentei outras. Quem se habilita a acrescentar mais algumas?

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