O excelente texto de
Eliane Brum (apresentado nas duas postagens anteriores) começa assim: “A crença
de que a felicidade é um direito tem tornado despreparada a geração mais
preparada”. Preparada do ponto de vista de habilidade para usar a infindável
quantidade de ferramentas oferecidas pela tecnologia, despreparada porque não
sabe lidar com frustrações, porque não sabe lidar com a dor e as decepções. Preparada
para usar equipamentos e meios eletrônicos, despreparada para interagir
adequadamente e conviver harmoniosamente com seres humanos. Mas qual será a
abrangência dessa geração?
“É, principalmente, a classe média que estudou
em bons colégios, (...) que teve acesso à tecnologia. Uma geração que teve
muito mais do que seus pais, (...) que cresceu com a ilusão de que a vida é
fácil (...), pois ganhou tudo, sem ter de lutar por quase nada de relevante, e,
portanto, desconhece que a vida é construção – e que para conquistar um espaço
no mundo é preciso ralar muito”. Mas por que será que essa geração é assim?
Porque é oriunda de pais que, equivocadamente,
“fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e protegê-los de todos os
perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem reciprocidade, (...) que
lhes ensinaram a pensar que merecem, seja lá o que for que queiram. Pais para
quem frustrar os filhos é sinônimo de fracasso pessoal. Mas é possível uma vida
sem frustrações? Não é importante que os filhos compreendam como parte do
processo educativo duas premissas básicas do viver, a frustração e o esforço”? Mas por que será que esses pais agem assim?
Talvez devido a alguma espécie de complexo de culpa
por não disporem de tempo para dar atenção aos filhos. A busca alucinada da tão
almejada realização profissional consome uma quantidade cada vez maior de seu tempo e os leva a dedicar às necessidades emocionais dos filhos uma quantidade de tempo cada vez menor. Já tive a oportunidade de ver uma charge na
qual um filho pergunta ao pai quanto ele ganha por dia com a intenção de comprar
algum tempo para interagir com ele. No meu entender, é devido à falta de tempo citada no início do parágrafo que os pais (usando as
palavras de Eliane Brum) “fazem malabarismos para dar tudo aos filhos e
protegê-los de todos os perrengues – sem esperar nenhuma responsabilização nem
reciprocidade”. O problema é que esse tudo
é composto apenas de bens materiais e nada
possui em termos de atendimento das necessidades emocionais de seres humanos em
desenvolvimento.
Assim como qualquer texto, Meu filho, você não merece nada está
sujeito a diferentes interpretações. Portanto, creio que existe quem o veja como
uma crítica a essa geração que despreza o esforço e que acredita que a
felicidade é uma espécie de direito, mas creio que também existe quem o veja como
uma crítica aos que contribuíram e / ou contribuem para propiciar as condições para o surgimento e propagação dessa geração. São
do texto de Eliane Brum as seguintes palavras sobre a referida geração: “(...)
foi ensinada a acreditar que nasceu com o patrimônio da felicidade. E não foi
ensinada a criar a partir da dor. (...) Foram ensinados a pensar que merecem,
seja lá o que for que queiram.” Ou seja, essa geração foi ensinada a ser do jeito que é.
O que considero verdadeiro, independentemente da interpretação, são as seguintes palavras de Eliane Brum: “Pais e filhos têm pagado caro pela crença de que a felicidade é
um direito. E a frustração um fracasso. (...) Basta andar por esse mundo para
testemunhar o rosto de espanto e de mágoa de jovens ao descobrir que a vida não
é como os pais tinham lhes prometido.” Ou seja, com o comportamento atual tanto pais
quanto filhos são prejudicados, portanto, creio que deveria haver por parte de ambos o interesse
em corrigir algumas coisas. Então, por que não o fazem?
Porque vivem em uma sociedade avessa a “rever
escolhas e reconhecer equívocos”. Uma sociedade onde é preferível fingir que
tudo vai bem, pois admitir que algo vai mal implica na obrigação moral de
atuar no sentido de corrigir o que vai mal. Uma sociedade onde os pais ainda não aprenderam
a lidar corretamente com os filhos.
O resultado é "pais e filhos angustiados,
que vão conviver uma vida inteira, mas se desconhecem. E, portanto, estão
perdendo uma grande chance. Todos sofrem muito nesse teatro de desencontros
anunciados. E mais sofrem porque precisam fingir que existe uma vida em que se
pode tudo. E acreditar que se pode tudo é o atalho mais rápido para alcançar
não a frustração que move, mas aquela que paralisa".
Pobre geração preparada! Ela me faz lembrar
uma célebre frase de Robert Kennedy: “Os jovens têm tudo, só lhes falta o
essencial”. Será que algum dia os jovens terão o essencial? Será que algum dia
existirá uma geração que poderá dizer algo mais ou menos assim: Meus pais, vocês e eu
merecemos tudo, pois, finalmente, conseguimos
entender qual é o papel de cada um no nosso relacionamento. Será que algum dia existirá uma geração que aprenderá que para dar valor ao que se tem é
imprescindível ter feito algum esforço para obtê-lo? Esses "será" me fazem lembrar uma linda canção da Legião Urbana da qual alguns trechos são apresentados abaixo.
"Será só imaginação? Será que nada vai acontecer? Será que é tudo isso em vão? Será que vamos conseguir vencer? (...) Nos perderemos entre monstros da nossa própria criação. Serão noites inteiras talvez por medo da escuridão. Ficaremos acordados imaginando alguma solução pra que esse nosso egoísmo não destrua o nosso coração. (...) Será que vamos ter que responder pelos erros a mais, eu e você."
Perder-se entre monstros da sua própria criação já aconteceu com uma enorme quantidade de pais. Ficar acordados imaginando alguma solução creio que tenha ocorrido com poucos pais. Responder pelos erros a mais, eu e você, é algo inevitável para todos os que errarem - pais e filhos.
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