quarta-feira, 14 de março de 2012

Reflexões provocadas por "Escolhas certas"

O texto Escolhas certas tem muito a ver com coisas ditas neste blog, e algumas delas em postagens bem recentes. São palavras de Cristovam Buarque:
“A realidade brasileira é o resultado de nossas decisões no passado. E, pelo que vemos da nossa realidade, muitas escolhas foram erradas.”
“Mas a nossa história mostra uma trágica preferência por escolhas erradas e parciais, prisioneiras do imediatismo, que desprezaram as escolhas definitivas e de longo prazo.”
Alguém não enxerga que tais afirmações têm tudo a ver com a prática de usar paliativos em vez de soluções, conforme é dito em “O que não me mata me fortalece” ou “Os problemas de hoje provêm das ‘soluções’ de ontem”?
Cristovam cita várias escolhas erradas, mas, em minha opinião, ele dá ênfase à questão da violência e o mesmo é feito nestas reflexões. Até porque se essa questão não for resolvida de pouco ou de nada adiantará atuar sobre as demais. Não, no meu entender, nós ainda não escolhemos combater a violência, pois combatê-la é atuar sobre as condições que propiciem o seu surgimento e sua propagação, e não apenas prender ou matar seus praticantes. Combater a violência é, conforme diz Cristovam, escolher a construção de uma sociedade pacífica, em vez de escolher o caminho de garantir segurança para proteger a população rica, convivendo com a violência.
Confesso que para mim é muito difícil entender o que seja garantir segurança, pois considero tal garantia algo comparável a enxugar gelo. Ou seja, da mesma forma que o gelo jamais ficará seco, as pessoas jamais terão a segurança garantida, pois a cada dia a criminalidade aumenta sua capacidade maléfica e novos antídotos precisam estar sempre sendo desenvolvidos. Dessa forma, como pode alguém estar seguro, isto é, livre de todo e qualquer medo? Portanto, considero que estar seguro seja algo inalcançável enquanto agirmos assim.
Em relação à garantia de segurança creio que seja válida uma paráfrase que fiz a partir de uma conhecida frase: "Cidade limpa não é a que mais se varre; é a que menos se suja". Mutatis mutandis, "Cidade segura não é aquela na qual mais se prende; é aquela na qual menos se delinque". E cidade onde menos se delinqüe são aquelas pertencentes a uma sociedade pacífica, usando as palavras de Cristovam Buarque.
Segundo Cristovam, lutar acertadamente contra a violência é construir uma sociedade unificada e pacífica. O problema é que a construção de tal sociedade carece da falta de vontade de encontrar soluções que atendam os interesses coletivos e não apenas os de alguns privilegiados. Ou seja, é preciso que ocorra uma drástica mudança na mentalidade nesta sociedade onde a maioria dos que podem pagar para que alguém faça tudo por eles vê-se, inteiramente, desobrigada de qualquer ação em prol da coletividade. Como construir uma sociedade unificada se o que as pessoas buscam é, exatamente, o oposto, ou seja, a segregação.
Como construir uma sociedade unificada se o que ocorre, cada vez mais, é a criação e manutenção de "ilhas" cuja finalidade é segregar pessoas conforme suas condições financeiras. Bairros que recebem toda a atenção enquanto outros recebem nenhuma. Lugares para ricos viverem e lugares para pobres sobreviverem (ou seria "subviverem"?). Em vez de incentivar a colaboração para que mais pessoas tenham acesso a uma vida melhor, esta sociedade oferece (a preços proibitivos para a maioria) a possibilidade de os “privilegiados” refugiarem-se em “condomínios fechados” localizados em “bairros nobres” e neles viverem livres da insegurança reinante nos lugares destinados aos que não podem pagar para morar em locais “seguros”.
E morando em locais “seguros” muitos desses privilegiados, provavelmente entediados com suas vidas naqueles ambientes artificiais, deles saem para dar vazão a seus baixos instintos e produzir algum tipo de violência que possa trazer alguma emoção a sua vida sem sentido. Coisas como queimar índios adormecidos em bancos de praça sob o pretexto de ser um mendigo; espancar de mulheres em pontos de ônibus sob o pretexto de ser uma prostituta; queimar moradores de rua sem pretexto algum e espancar quem tentar impedi-los etc. Ou seja, a violência tornou-se algo tão banal que cada vez mais ela é praticada até por indivíduos que, aparentemente, não têm motivo para fazê-lo.
“Estas são escolhas erradas. (...) Mas a nossa história mostra uma trágica preferência por escolhas erradas e parciais, prisioneiras do imediatismo, que desprezaram as escolhas definitivas e de longo prazo. (...) Talvez porque depois de uma, duas, três ou mais escolhas erradas a mudança do destino fica mais difícil, mesmo diante das escolhas certas.”
Essas são afirmações de Cristovam Buarque. Sim, depois de uma, duas, três ou mais escolhas erradas, o que não foi morto se fortalece e torna-se mais difícil de matar. E para destacar ainda mais a afinidade entre o texto de Cristovam Buarque e uma postagem feita recentemente neste blog digo o seguinte: A insegurança de hoje provém das escolhas erradas de ontem. Em fevereiro de 1942, Alberto Pasqualini, que foi senador da República e que dá nome a uma refinaria da Petrobras, disse: "O analfabetismo, a falta de ocupação, a vida difícil e a miséria poderão criar uma grave situação de insegurança que evoluiria para uma criminalidade irreprimível". Escolhemos não dar atenção a sua advertência e o resultado esta aí.
Portanto, se a mudança do destino fica mais difícil após a seqüência de escolhas erradas a única solução é empenhar-se com afinco na aplicação de escolhas certas. E isto deve ser feito antes que seja tarde demais e a dificuldade transforme-se em impossibilidade. Dito isto, creio que não faz sentido terminar este texto com aquela conhecida frase: Quem viver verá. Portanto, para encerrá-lo escolhi uma afirmação de alguém que sobreviveu a extrema situação de passar três anos em quatro campos de concentração durante a Segunda Guerra Mundial. É de Viktor Frankl, criador da que ficou conhecida como a terceira escola vienense de psicoterapia - a logoterapia -, a seguinte afirmação:
“Pode-se tirar tudo de um homem exceto uma coisa: a última das liberdades humanas – escolher a própria atitude em qualquer circunstância, escolher o próprio caminho.”
Vocês acham que fiz uma escolha certa?

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