Com a finalidade de lhes oferecer mais argumentos em prol da aceitação das insensatas ideias espalhadas por algumas de suas postagens mais recentes, este blog apresenta um texto copiado do livro Contrate Preguiçosos de Eduardo Cupaiolo, citado em uma postagem anterior.
Contrate preguiçosos!
A preguiça pode provocar a mente e gerar produtividade?
- Como é que é? Contratar preguiçosos? Parece papo de maluco!
- Bem... você já me conhece há bastante tempo para saber que costumo andar naquela linha bem tênue. Na porta do hospício. Se não entrar, ninguém consegue me colocar lá dentro, mas se eu fizer uma visitinha a um interno, aí não saio mais!
- Ok, tudo bem. Mas estou falando sério, e você vem com essa idéia maluca. Preciso de uma solução para o problema de desempenho da empresa, e com urgência. Ou daqui a pouco estou desempregada e você, sem cliente.
Dava para ver que a situação era grave, e eu, na verdade, não estava brincando. Ana Rita era minha conhecida há um bom tempo. (...) Ela me havia chamado para ajudá-la num processo de mudança cultural que estava implementando. Foi quando me expôs o seu problema:
Temos um grupo de gestores cuja única motivação parece ser a de manter o status quo. Eles adoram reuniões improdutivas, daquelas em que se discute o sexo dos anjos. Ficam argumentando sobre os detalhes dos detalhes dos detalhes dos planos, mas nunca tomam a iniciativa de colocar algum deles em ação. A empresa está perdendo mercado. Se não reagirmos, estamos mortos. O que faço?
Eu disse a ela o que deveria fazer. E foi aí que esta história começou. Gastei, então, algum tempo para explicar melhor o que estava propondo. Sei que a preguiça não é exatamente uma qualidade muito admirada, e soa estranho usá-la como atributo em contratações. Mas eu realmente achava que estava na hora de contratar preguiçosos. Um tipo especial de preguiçosos.
(...) Acho que isso é um tipo de preguiça. Uma indisposição com atividades irrelevantes, desperdício de vida. Tanta coisa boa para fazer e a gente perdendo tempo com coisas sem importância! Como aquelas reuniões semanais em que o chefe (chefe é ótimo, não?) fala, fala, fala, dá umas broncas e todo mundo (a tribo, eu imagino) escuta com cara de “estou prestando atenção”, mas, na verdade, não está nem aí. No máximo, está pensando: “Lá vem ele de novo”.
O que minha amiga depois entendeu era que dispor de alguns preguiçosos seria interessante nestas situações, mas precisavam ser de um tipo especial. Gente que fica inconformada com gasto inútil de tempo e de recursos, cansada de ouvir sempre a mesma lengalenga. Gente que, cansada de mesmice, sai por aí inventando uma maneira nova, arejada de fazer as coisas. Afinal, não foram preguiçosos assim que inventaram o aqueduto (“este negócio de ir buscar água lá longe é para maluco”, diziam eles), a roda (“Nada de empurrar estas coisas pesadas para cima e para baixo; vamos fazê-las rolar”), a escada rolante, o avião? Não foram eles que acharam melhor investigar as doenças e desenvolver as vacinas do que apenas cuidar dos doentes?
Contrate preguiçosos, não aqueles que parecem adorar trabalhar, mas que, na verdade, não produzem nada, exceto calor, redundância e burocracia inútil. Falo de preguiçosos que estão sempre realizando muito porque seu foco está nos resultados, não nos processos, e que exatamente por isso não aceitam a idéia de que “as coisas são assim mesmo por aqui”. São eles que encontram o caminho mais fácil, mais barato, mais lógico, mais racional.
Já se foi a época em que nos pagavam pelo esforço. Quem contrata alguém para colocar um piano no oitavo andar em um prédio não quer saber se vai pela escada, de helicóptero ou teletransportado, como nos filmes de ficção. Quer apenas o piano lá.
Sua organização quer aumento de produtividade? Produtividade é fazer mais com menos? Então, contrate preguiçosos!
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E se você não for o contratante e sim um contratado, e não for um preguiçoso, torne-se um praticante da arte da preguiça (fazer menos e melhor). Será um duplo benefício: a empresa passará a ter um profissional mais produtivo e você passará a ter mais qualidade de vida. Eu sei que não é fácil. Afinal, atuei durante 3,7 décadas no teatro corporativo e durante todo esse tempo batalhei, sem êxito, para trabalhar menos e melhor. E por agir assim, me aposentei ainda discordando da chefe (ou seria chefa? Para combinar com presidenta). Vocês perceberam que eu jamais uso a expressão minha (ou meu) chefe? Por que será? Porque profissionais conscientes sabem que chefes não são deles, pois se fossem não fariam com eles as coisas que costumam fazer. Discordar de chefes é algo muito comum na vida de profissionais que, como diz Eduardo Cupaiolo, não aceitam a ideia de que "as coisas são assim mesmo por aqui". Incluo-me nesse grupo e concordo com Bertolt Brecht quando diz que "nada deve parecer natural, nada deve parecer impossível de mudar".
Creio que o principal empecilho para que as mudanças desejadas aconteçam seja a quantidade insuficiente de pessoas que se dispõem a lutar por elas. E ao afirmar isto, lembro da segunda postagem deste blog (O fenômeno do centésimo macaco). E de uma afirmação nela contida: "Esse fenômeno mostra que, quando um número suficiente de pessoas se torna consciente de algo, essa consciência se estende a todos." Mutatis mutandis, quando um número suficiente de profissionais se tornar consciente de que "a arte da preguiça está em fazer menos e melhor", essa consciência se estenderá a todos, e as mudanças desejadas ocorrerão. Portanto, urge encontrarmos o centésimo macaco, digo, o centésimo preguiçoso, pois só assim será possível erradicar o culto à arte que está por trás da cultura da dedicação excessiva: A arte da complicação. E, consequentemente, erradicar também a dedicação excessiva e seu maléfico efeito: a ineficiência.
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