quinta-feira, 6 de outubro de 2011

É possível alugar um amigo?

Após a antiga reportagem sobre o aluguel de familiares no Japão, o método das recordações sucessivas avançou 15 anos e encontrou na edição de 26 de agosto de 2007 do jornal Folha de São Paulo uma reportagem de Paulo Sampaio que focaliza o aluguel de amigos no Brasil. Solitário paga R$ 300 para ter ‘amigo’ é o titulo da reportagem e dela selecionei os trechos apresentados abaixo por considerá-los capazes de provocar reflexões interessantes.
“Atenção você, leitor, que sofre com a falta de ‘amigos, desses que olham nos olhos e falam com sinceridade’, não fique assim pra baixo: seu problema pode estar resolvido.
O mercado de babás de luxo acaba de acrescentar a seu crescente leque de ofertas o assim chamado ‘personal friend’. Trata-se de um especialista em amizade profissional, que cobra por hora para ser seu amigo, conversar e acompanhá-lo em voltinhas pelo shopping ou, se for no Rio, pelo calçadão, tomando uma água de coco.
Não há cunho psicológico ou sexual, dizem os ‘personal friends’ que anunciam serviços na internet. Os psicólogos não precisam se sentir ameaçados. O novo profissional faz questão de esclarecer que não tem a menor intenção de ser terapeuta. Disponibiliza apenas a amizade.
A profissão é nova mesmo. Os entrevistados começaram no ramo há menos de um ano e, segundo dizem, estão com a agenda tomada. Ah, importante: o serviço acaba na amizade, descartando-se, portanto, qualquer proposta de cunho sexual. Que tal? Sorriu? Então aí vão os detalhes: o amigo pessoal por dinheiro cobra uma taxa que pode variar de R$ 50 a R$ 300; em geral prefere trabalhar em lugares públicos e não tem restrições quanto à faixa etária.
(...)
O ‘personal friend’ Welington Alves, 47, que também usa o termo para se classificar no Orkut, respondeu à reportagem que ainda não tem cabedal suficiente na área para dar entrevistas. Diz ele no Orkut: “Se você é do Rio, capital, se sente só e não possui pessoas que possam ser classificadas de verdadeiros (as) amigos (as) e precisa de um ombro amigo, um confidente ou um acompanhante para conversar ou desabafar, veio ao lugar certo. O serviço não é garantido e é pré-agendado’.”
Antoine de Saint-Exupéry, o extraordinário autor de O Pequeno Príncipe, responderia negativamente a pergunta que intitula esta postagem e ficaria perplexo diante da reportagem que a provocou. São dele as seguintes palavras:
"Os homens compram tudo pronto nas lojas... Mas como não há lojas de amigos, os homens não têm amigos."
Sim, amizades não se compram prontas; amizades são construídas ao longo do tempo. Saint-Exupéry desapareceu juntamente com o avião que pilotava, 67 anos se passaram, as lojas para vender amigos continuam não existindo, mas já existem pessoas que, em troca de dinheiro, oferecem seu tempo para “atuar” como amigos nesta sociedade repleta de simulações, hipocrisias e fingimentos, e escassa de verdadeiras amizades.
O que são verdadeiros amigos? Será que são aquelas pessoas que mesmo sem conhecermos “adicionamos” no Facebook ou no Orkut? Não, não são esses. Usando apenas o que é dito na reportagem, verdadeiros amigos são pessoas que possuem as seguintes características: olham nos olhos, falam com sinceridade, oferecem um ombro amigo, são confidentes e são alguém com quem se pode conversar ou desabafar. Ou seja, verdadeiros amigos são algo cada vez mais raro nesta sociedade onde cada um interessa-se apenas por si próprio.
Assusta-me a crença que as pessoas têm em coisas que deveriam ser inacreditáveis. Como é que alguém acredita que um dos maiores causadores de desavenças e de inimizades – o dinheiro – seja capaz de comprar verdadeiras amizades? Como é possível acreditar que ao pagar para ser acompanhado em voltinhas pelo shopping ou, se for no Rio, pelo calçadão, tomando uma água de coco, aluga-se um verdadeiro amigo.
Depois de tudo o que foi dito acima, qual é a resposta para a pergunta que intitula esta postagem? Sim ou não?
O “personal friend” Welington Alves tem dúvida. “O serviço não é garantido e é pré-agendado”, diz ele. Antoine de Saint-Exupéry sabe que não e eu concordo com ele. Aliás, minha concordância com Saint-Exupéry vem desde a leitura de O Pequeno Príncipe, aos quinze anos de idade. Na capa do meu exemplar, que guardo até hoje, aparecem os nomes de dois autores, pois acrescentei o meu. Minha admiração pelas ideias apresentadas nesse maravilhoso livro fez com que eu desejasse ter sido co-autor. Mas deixemos de lado essas reminiscências e voltemos para a questão que lhes propus: É possível alugar um amigo?

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