terça-feira, 27 de setembro de 2011

Alugam-se avós, filhos, netos... (I)

Através de e-mail, recebi da Rossella, uma ex-colega de trabalho e amiga distante (mora em Salvador, na Bahia), um comentário bastante interessante provocado pela postagem Dez coisas a serem aprendidas com o Japão, publicada em 26 de agosto de 2011.
“Acabei de ler este texto e fiquei triste. Olhando o nosso povo, busquei identificar pelo menos um item que espelhasse a nossa cultura, e não encontrei. Aqui, qualquer situação, é motivo para tirar proveito.
Como contraponto, o Japão é um país onde há um alto percentual de suicídio. Não conseguimos ver, no cotidiano, a felicidade espelhada no rosto do seu povo.
O que é certo? O que é bom???"
Gosto muito da frase: “A vida só pode ser compreendida olhando-se para trás, mas só pode ser vivida olhando-se para frente”, atribuída ao filósofo e teólogo dinamarquês Soren Kierkegaard, e olhando para trás encontrei uma reportagem publicada em 14.05.1992, no extinto Jornal do Brasil, que creio que ajude a explicar porque não conseguimos ver, no cotidiano, a felicidade espelhada no rosto do povo japonês.
A reportagem é de Teresa Watanabe (Los Angeles Times) e é intitulada Alugam-se avós, filhos, netos... Por entender que ela merece ser espalhada na íntegra, usei o método Jack – vamos por partes – para que não haja queixas quanto ao tamanho do texto.
Alugam-se avós, filhos, netos...
Empresa japonesa oferece dublês para papel de parentes
“Tóquio – É hora da família numa tarde de domingo num subúrbio de Tóquio. Um casal e seu filho de dois anos recebem a mãe da esposa, de 70 anos, na estação de trem e a levam para casa, para uma tarde de macarrão japonês e conversa calorosa. O neto beija a avó e a filha segura sua mão enquanto se fala de morar todos juntos algum dia.
Na comovente cena, registrada por um recente programa de televisão japonês, as emoções da avó podem ser reais. Mas sua família não é.
Na realidade, são dublês profissionais, contratados pela avó ao custo de US$ 1.125, para que ela possa experimentar o calor de uma visita familiar de três horas, ainda que simulada. A verdadeira filha da senhora, uma mulher de 37 anos que trabalha e tem dois filhos, está muito ocupada para ver a mãe regularmente.
No Japão de hoje, um fascinante mercado para qualquer produto imaginável, pode-se agora comprar até amor familiar. Ou ao menos alugá-lo.
Uma empresa de Tóquio, Japan Efficiency Corp (Eficiência Japão) está fazendo um negócio estrondoso ao alugar famílias para pessoas solitárias. Ela também oferece assistentes pessoais para donas de casa ávidas por consideração, ouvidos compreensivos para executivos estressados, até mesmo pessoas para censurar aqueles que estão se mordendo para dizer umas verdades a alguém, mas que não podem fazê-lo nessa cultura repressiva.
A empresa fornece seus bizarros serviços para 21 clientes e tem uma lista de espera de outros 84; mais de 400 se inscreveram para o papel de dublês. O entusiasmo dos clientes revela tanto as mudanças sociais no Japão como a perspicácia da firma.
‘Foi realmente agradável’, disse a cliente de 70 anos. Exultante, acrescentou: ‘Era um sonho meu passar uma tarde agradável como essa’.
De fato, o sucesso da Eficiência Japão sublinha que por trás do brilho exterior da riqueza material do Japão há algumas necessidades emocionais prementes e que a sociedade que realça a harmonia dos relacionamentos humanos está na verdade crivada de tensões.
‘É extremamente estranho para mim que as pessoas queiram alugar famílias, e ainda mais surpreendente que elas pareçam estar satisfeitas’, diz Takeshi Sato, professor de sociologia da Universidade Hitotsubashi de Tóquio. ‘Suponho que as pessoas hoje realmente estejam necessitadas de laços de parentesco’, comenta. ‘Comparado a 50 anos atrás, o sistema familiar no Japão mudou, e as relações familiares estão gradualmente desaparecendo’.”
Continua depois de amanhã

Nenhum comentário: