terça-feira, 17 de maio de 2011

O risco da ignorância (I)

Esta postagem apresenta a primeira parte (de duas) de um artigo publicado na edição de 1 de maio de 2011 do jornal O Estado de S. Paulo. O autor é Massimo Pigliucci, professor de filosofia do Centro de Pós-Graduação da Universidade Municipal de Nova York e a tradução é de Augusto Calil.

O risco da ignorância

“Vivemos numa era em que o conhecimento – no sentido de informação – é constantemente oferecido em tempo real, mas ainda assim, falta-nos a habilidade elementar de interpretar todo o conteúdo

De acordo com Platão, a ignorância é a raiz de todo o mal. O filósofo grego nos ofereceu também uma famosa e ainda atual definição do conceito oposto: o conhecimento. Para Platão, o conhecimento é a “crença verdadeira justificada”. Esta definição merece certas considerações enquanto meditamos a respeito dos perigos da ignorância no século 21.

Platão pensou que três condições teriam de ser satisfeitas para que possamos “conhecer” alguma coisa: a ideia em questão precisa ser verdadeira; precisamos acreditar nela (afinal, se não acreditarmos em algo que é verdadeiro, não poderemos afirmar conhecê-lo); e, em um aspecto mais sutil, é preciso que haja justificação – deve haver motivos para acreditarmos que a ideia é verdadeira.

Tomemos como exemplo algo que todos nós pensamos conhecer: a Terra é (aproximadamente) redonda. Isso é tão verdadeiro quanto podem ser os fatos astronômicos, particularmente porque enviamos satélites artificiais para a órbita e vimos que, realmente, o planeta é arredondado. A maioria de nós (com exceção de uns pouco lunáticos adeptos da hipótese da Terra plana) também acredita que as coisas, de fato, sejam assim.

E quanto à justificação dessa crença? Como responderíamos se alguém perguntasse por que acreditamos que a Terra é redonda? O ponto de partida mais óbvio seria indicar as imagens de satélite já mencionadas, mas, então, nosso cético interlocutor poderia indagar, com razão, se de fato sabemos como tais imagens foram feitas. A não ser os especialistas em engenharia espacial e em softwares de imagem, todos os demais encontrariam problemas para responder desse ponto em diante.

É claro que poderíamos citar motivos mais tradicionais para se crer que a Terra é redonda, como o fato de nosso planeta projetar uma sombra arredondada sobre a Lua durante os eclipses. Naturalmente, teríamos de estar em posição de explicar – caso questionados – o que é um eclipse e como descobrimos a sua dinâmica.

Pode-se ver até onde isso poderia chegar sem grande esforço: se formos longe o bastante, a maioria de nós não conhece, no sentido platônico, praticamente coisa nenhuma. Em outras palavras, somos muito mais ignorantes do que percebemos.

Sócrates, o professor de Platão, ganhou fama ao provocar as autoridades atenienses e se dizer mais sábio do que o Oráculo de Delfos, que afirmava ser o mais sábio de todos, pois ele, ao contrário da maioria das pessoas (incluindo-se entre elas as autoridades atenienses), tinha consciência de que nada conhecia.

Se a humildade de Sócrates era sincera ou apenas uma piada secreta às custas dos governantes no poder (antes de tais governantes o terem condenado à morte quando se cansaram de sua irreverência), a questão é que o ponto de partida da sabedoria está no reconhecimento do quão pouco nós, de fato, conhecemos.”

Continua depois de amanhã

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