quarta-feira, 20 de abril de 2011

O exemplo dos jovens da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB)

Esta postagem apresenta mais um texto recebido de um ex-colega de trabalho e eterno amigo. É a narrativa de um fato presenciado recentemente pelo Eduardo Libardi e que, na minha opinião, revela uma atitude corajosa e rara nesta sociedade caracterizada pela indiferença, apatia e omissão diante de atos condenáveis.

“Guedes,

Você comenta em seu texto (Homem-máquina) como é esperançoso constatar a existência de jovens conscientes da situação em que estamos. Nesse final de semana vivenciei um dos momentos mais marcantes de minha vida. Não sei se você sabe, mas antes das férias dos músicos, em dezembro de 2010, o regente da Orquestra Sinfônica Brasileira (OSB), Roberto Miczuk, os avisou de que teriam que ensaiar um repertório vasto durante as férias para, no retorno dos ensaios da temporada 2011, sofrerem um processo de ‘avaliação’ ou ‘audição’. Eles executariam isoladamente seu instrumento em um biombo por 30 minutos, sem ver os avaliadores.

Diversos músicos recusaram-se a passar por tal ‘avaliação’, alegando que uma ‘audição’ desse tipo seria válida, por exemplo, em um processo de seleção de músicos que o maestro não conhecesse. Alegaram também que a atuação dos músicos nos ensaios extensos e nas próprias apresentações seriam suficientes e mais do que apropriados para o maestro avaliar as suas qualidades e deficiências.

Coincidentemente ou não, ao mesmo tempo em que o maestro implementou esse processo de avaliação, lançou também um processo seletivo internacional para novos músicos, o que levou os músicos da OSB a associarem a avaliação com o interesse do maestro em substituir parte do corpo orquestral, fato negado pelo mesmo.

O resultado foi que aproximadamente 40 músicos (os que se recusaram a ser avaliados) foram demitidos por justa causa, sendo alegada insubordinação grave. Como essa quantidade de músicos representa metade da orquestra, o maestro decidiu que no primeiro semestre a temporada de 2011 seria totalmente executada pelos ‘músicos-estudantes’ da OSB Jovem, que são bolsistas de até 25 anos, em sua maioria estudantes de escola de música ou recém-formados.

No sábado, dia 09/04, iniciaria, no Theatro Municipal a temporada 2011, e eu estava lá, como testemunha ocular. Antes de começar o espetáculo comentei com um rapaz que estava ao meu lado: ‘Será que o regente vai ser vaiado quando entrar?’. Ele disse que não fazia ideia, mas enquanto eu olhava para ele, percebi, na galeria, a presença de diversos músicos conhecidos, e comentei que sim, haveria algum movimento, e ele me disse: ‘É mesmo, acho que a galeria vai dar seu próprio espetáculo’. Mas a minha imaginação não alcançou a beleza do que seria a realidade.

De fato, o maestro entrou e recebeu uma grande vaia. Cumprimentou, como de praxe, o spalla da orquestra e se voltou para o público, ignorando completamente as manifestações de desagrado. O que ele ignorava também é que, enquanto prestava reverência ao público que o vaiava, atrás dele a orquestra deixava de existir. Os músicos, em belíssimo movimento, se retiraram e, quando o maestro se voltou para o palco, já não havia orquestra a reger.

Talvez o maestro confiasse que jovens promissores, com uma oportunidade única de substituir os músicos de uma das maiores orquestras do Brasil, se sentiriam gratificados ao serem desafiados por ele a tocarem em temporada ‘profissional’ com grande qualidade.

Mas sim, eles se retiraram em repúdio a terem que substituir seus mestres, que estavam naquele momento sem emprego, meio de subsistência ou perspectivas para o futuro...Alguns dos músicos demitidos já possuíam mais de 30 anos de OSB, escreveram um manifesto que não puderam ler por terem sido cortados os microfones do teatro.

Essa história ainda não acabou, mas esses garotos reverteram uma situação. Antes da peça começar havia:
- Uma orquestra que passava por uma reformulação capitaneada por um maestro austero e considerado por muitos autoritário;

Depois que eles agiram havia:
- Um maestro autoritário à procura de uma orquestra. E possivelmente uma orquestra à procura de um novo maestro.

Encerro com a frase que você escreveu:
Como é esperançoso constatar a existência de jovens conscientes da situação em que estamos.

BRAVO OSB JOVEM!!!!!”

Compartilho do entusiasmo do Libardi pela atitude dos jovens da OSB. Foi uma maravilhosa demonstração de que julgar algo como certo ou errado não deve ser feito com base em: o que me beneficia está certo; o que me prejudica está errado. Lembrando da postagem anterior, eles demonstraram inclusive a prática da verdadeira religiosidade: Não faças a ninguém o que não queres que te façam.

Telefonei para o Libardi para dizer-lhe que publicaria o seu texto no blog e ele me disse que, na internet, muita gente criticara a atitude dos jovens, classificando-os como irresponsáveis e acusando-os de terem prejudicado aqueles que pagaram por um espetáculo a que não assistiram. É uma opinião, e todos têm o direito de opinar, mas a minha é diferente.

Será que todos os que compareceram ao Theatro Municipal concordam as opiniões dos internautas? Creio que não. Afinal, segundo o Libardi, o maestro foi recebido com uma grande vaia que ele, talvez por arrogância, preferiu ignorar. Aliás, ignorar parece ser algo bastante praticado por ele. Entre outras coisas, ele ignora: a contribuição dada por aqueles músicos - autoritariamente demitidos - a uma das mais conceituadas orquestras do Brasil; a perda do seu meio de subsistência, e pior, ignora a dignidade de jovens músicos que não aceitam se aproveitar de um ato condenável praticado contra respeitáveis músicos para ficar com o seu lugar na orquestra. Jovens lúcidos que entendem que aqueles músicos, autoritariamente demitidos, devem ser olhados como sendo eles amanhã.

Criticar os jovens músicos por não apresentarem o espetáculo pelo qual os espectadores pagaram talvez seja demasiadamente rigoroso, pois eles não deixaram de apresentar um espetáculo, apenas proporcionaram um de natureza diferente. Em vez de um espetáculo musical eles ofereceram outro muito menos comum: a demonstração de que ainda existem profissionais com coragem para revoltar-se contra atos condenáveis praticados contra outros profissionais. Creio que a atitude dos jovens músicos superou qualquer expectativa dos espectadores em relação ao espetáculo a que assistiriam. Eles me fizeram lembrar de uma frase de Mark Twain:

“Faça sempre o bem; você contentará alguns e deixará os demais perplexos.”

Os jovens músicos praticaram o bem; contentaram alguns e deixaram os demais perplexos. E pessoas perplexas chegam até a classificar como irresponsáveis aqueles que são capazes de uma atitude nobre.

Um comentário:

Michelito disse...

Nunca imaginei uma cena como essa, realmente se eu estivesse no lugar do Libardi eu terei a mesma sensação. É emocionante ouvir uma história como essa. Que sirva de exemplo para todos nós. Sem querer misturar política, religião e outras coisas. Precisamos brigar pelos direitos e a dignidade de nossos idosos de hoje, pois nós seremos os idosos de amanhã. Pensem nisso.
Um abraço
Michelito