Sede de Sentido é o título de um livro de Viktor Emil Frankl. Criador da que ficou conhecida como a terceira escola vienense de psicoterapia: a logoterapia. As anteriores são as de Sigmund Freud e de Alfred Adler. Em uma tradução literal, logoterapia significa terapia através do sentido.
Viktor Frankl começou cedo. Aos quinze anos, passou a se corresponder com Freud. Aos dezesseis, deu sua primeira conferência, sobre o tema A respeito do sentido da vida. Creio que isto fazia parte da capacitação para enfrentar as terríveis dificuldades que adviriam.
Dos trinta e sete aos quarenta, precisou, mais do que nunca, vivenciar o sentido da vida. Ele, a mulher grávida e a família foram deportados para diferentes campos de concentração e somente ao fim da guerra – quando foi libertado -, ele tomou conhecimento da morte da esposa, dos pais e do irmão. Tendo sido capaz de preservar, em tal situação desumanizadora, a capacidade de manter a liberdade do espírito, esta indelével experiência pessoal foi marcante em sua obra terapêutica e em seus escritos.
“Nós que vivemos nos campos de concentração podemos lembrar de homens que andavam pelos alojamentos confortando a outros, dando o seu último pedaço de pão. Eles devem ter sido poucos em número, mas ofereceram prova suficiente que tudo pode ser tirado do homem, menos uma coisa: a última das liberdades humanas - escolher sua atitude em qualquer circunstância, escolher o próprio caminho.”
Escolher o próprio caminho e ter um porquê viver. Segundo Viktor Frankl, quem não apresentava capacidade para isto dificilmente sobrevivia a um campo de concentração. É dele a afirmação: Vai mais longe quem tem um propósito. E quem se prepara para o impossível.
Viktor Frankl atingiu notoriedade mundial, a despeito de suas teses contrariarem as correntes psicanalíticas tradicionais e dominantes, conforme demonstra o parágrafo abaixo, copiado de Sede de Sentido.
“Certa vez, comecei uma preleção para estudantes da Universidade de Oslo com estas palavras: ‘Meus caros ouvintes: venho de Viena. Venho da cidade de Sigmund Freud. Mas não venho do tempo de Sigmund Freud’. É um fato que, nos dias que correm, as frustrações existenciais vêm dando muito mais trabalho a nós, médicos neurologistas, do que as frustrações sexuais. Alfred Adler, na sua época, colocou no centro da sua teoria o sentimento de inferioridade; mas hoje este lugar pertence ao sentimento de falta de sentido, que muitas vezes aparece associado a uma sensação de vazio, e que por isso denominei ‘vácuo existencial’.”
Para comprovar o que acabara de dizer, acrescenta:
“Gostaria de citar aqui, dentre a imensa quantidade de material disponível, a carta de um estudante americano que me escreveu para Viena. Diz: ‘Tenho 22 anos, um diploma universitário, um carro luxuoso, e sou financeiramente independente. Além disso, tenho mais sexo e mais prestígio à minha disposição do que sou capaz de consumir. E agora encontro-me diante da pergunta: Para que serve tudo isso?’ A carta é representativa: relata o que muitos sentem.”
Em Um Sentido para a Vida, publicado em 1978, ele afirma:
“Em nossos dias um número cada vez maior de indivíduos dispõe de recursos para viver, mas não de um sentido pelo qual viver”.
As teses de Viktor Frankl foram verificadas por testes e pesquisas realizadas por ele e por inúmeros colaboradores espalhados por vários países. Vejamos alguns exemplos:
“O teste Projeto de Vida (PIL-test), criado por James C. Crumbaugh e Leonard T. Maholik e o Logoteste de Elisabeth S. Lukas foram aplicados em milhares de sujeitos e os dados fornecidos pelo computador não deixam dúvida alguma de que o desejo de sentido seja um fato real.
Analogamente a pesquisa, conduzida por S. Kratochvil e I. Planova do Departamento de Psicologia da Universidade de Brno na Tchecoeslováquia, forneceu a prova de que ‘o desejo de sentido é realmente uma necessidade específica não reduzível a outras necessidades e está presente em medida maior ou menor em todos os seres humanos’.
Um antigo assistente meu da Universidade de Harvard, Von Eckartsberg, um germano-americano, analisou a situação de vinte profissionais que se tinham graduado naquela universidade vinte anos antes. Nesse meio tempo, tinham seguido carreiras brilhantes; entre eles havia advogados, juízes, industriais, cirurgiões, psicanalistas. Mas um grande percentual desses homens, vinte anos depois, afirmava não saber para que servira todo o seu sucesso. Alguns se diziam desesperados. Estavam numa crise de falta de sentido; encontravam-se mergulhados no desespero, apesar de todo o seu sucesso.”
Diante do que foi dito acima, não me parece difícil perceber que a Sede de Sentido origina consequências desastrosas para a sociedade na qual vivemos e que é conveniente escrever sobre elas. Mas fazê-lo neste texto é algo sem sentido, pois uma parte dos leitores não apresenta fôlego para leituras mais longas. Por isso, fiquemos por aqui. Matemos tal sede com pequenos goles. Deixemos as consequências para a próxima postagem.
5 comentários:
Oi Guedes
Acho que todos passamos por momentos em que nos falta o sentido das coisas... principalmente no trabalho. Acho que buscar o sentido das coisas, passa - também - por falar sobre essa angústia gerada pela falta de sentido. Fazemos isso de forma pessoal, com amigos, familiares, nos bares... mas, e no trabalho, onde passamos a maior parte de nosso dia?...
Deve haver uma solução (já que as soluções e os problemas fazem parte do mesmo sistema,não é mesmo?).
Abraço.
Sheila
Oi Sheila
Seu comentário me fez antecipar algo previsto para uma próxima postagem. Viktor Frankl diz que: “O sentido de uma pessoa, coisa ou situação, não pode ser dado. Tem que ser encontrado ‘pela própria pessoa’ – mas não ‘dentro dela’, porque isto iria contra a lei da autotranscendência do existir humano”. E diz também que “encontrar o sentido” está em estreita relação com a percepção da realidade.
Creio que isto explique o fato de a imensa maioria passar por momentos em que lhes falta o sentido das coisas. E parece que tais momentos ocorrem em quantidade a cada dia maior. Afinal, vivemos em uma sociedade que dificulta o que diz Viktor Frankl. As pessoas vivem apenas em função delas próprias e percebem (sic) a realidade que outros (os meios de comunicação) lhes mostram. Ou seja, fazem, exatamente, o contrário do que deveriam. Sendo assim, creio que fica muito difícil encontrar sentido.
Sim, “buscar o sentido das coisas, passa por falar sobre essa angústia gerada pela falta de sentido”. Afinal, falar sobre ela demonstra que já a percebemos, e perceber é condição fundamental para nos levar a agir de forma a corrigir qualquer coisa que deveria ser diferente do que é.
E se é no trabalho que passamos a maior parte de nosso dia – e de nossa vida – é evidente que também nele, aliás, principalmente, devemos buscar o sentido das coisas.
Sim, “as soluções e os problemas fazem parte do mesmo sistema”. Krishnamurti diz que a compreensão do problema traz com ela a solução. Isto explica porque nossos problemas persistem. Aliás, o nosso problema não é a falta de persistência, é a persistência na falta. Nós teimamos em resolver (sic) problemas sem entendê-los, e isto é, simplesmente, impossível. No post “Consequências do desconhecimento do Raciocínio Sistêmico” cito um “brilhante” caso que presenciei no ambiente de trabalho. Sim, há soluções, desde que mudemos nossa mentalidade e passemos a aceitar que o entendimento do problema é imprescindível para chegarmos a elas (as soluções).
Beijos
Guedes
Guedes,
Seus textos são espetaculares e me faz refletir. Na minha opinião esse texto está diretamente relacionado com o lado "humano" dos seres humanos.
Quando falamos de realizações pessoais não podemos nos prender nas relizações que trouxeram benefícios individuais. Para mim o importante é realizar coisas que gerem benefícios coletivos ou para outra pessoa, ou seja, contribuir para a sociedade, para um determinado grupo, seja a família, os amigos ou os colegas de trabalho.
As realizações pessoais que trazem benefícios individuas são importantes, pois podem contribuir positivamente para as realizações pessoais que geram benefícios coletivos, mas na maioria dos casos elas tornam os seres humanos menos humanos, afastando-o totalmente de Deus.
É imprescionante como vemos líderes religiosos longe de Deus, como vemos governantes longe da sua população e como vemos grandes profissionais quebrando o seu juramento, tudo isso para gerar benefícios individuais.
Um grande abraço.
Michelito,
Obrigado pelo elogio aos textos.
Seu comentário me leva a citar mais um brilhante conceito de Viktor Frankl. Transcrevo a seguir o parágrafo inicial da passagem que no livro Sede de Sentido é intitulada “A Autotranscendência”.
“A vontade de sentido constitui, em meu entender, um dos aspectos básicos de um fenômeno antropológico fundamental a que dou o nome de ‘transcendência de si mesmo’. Esta autotranscendência do existir humano consiste no fato essencial de o homem sempre ‘apontar’ para além de si próprio, na direção de alguma causa a que serve ou de alguma pessoa a quem ama. E é somente na medida em que o ser humano se autotranscende que lhe é possível ‘realizar-se’ – tornar-se ‘real’ – a si próprio.”
No meu entender, seu comentário tem tudo a ver com o que diz Viktor Frankl.
Parabéns, futuro “logoterapeuta”!
Abraços,
Guedes
Para pensar: Sto Agostinho encontrou o sentido da vida dentro dele mesmo.
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