quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

A Carta do Cacique Seattle

O grande chefe de Washington diz que quer comprar a nossa terra. Essa ideia é estranha para nós. Como é possível comprar ou vender o céu e o calor da terra? Se o ar fresco e o brilho das águas não nos pertencem, como podemos vendê-los?

Cada parte desta terra é sagrada para meu povo. O ramo do pinheiro, os grãos de areia à beira-mar, a névoa na floresta escura, o vaga-lume e o beija-flor, todos pertencem à história e às tradições de meu povo.

A seiva que corre nas árvores carrega memórias do homem de pele vermelha. Conhecemos a seiva das árvores como conhecemos o sangue que corre em nossas veias.

O homem branco não compreende nosso modo de viver. Uma porção de terra, para ele, é como outra qualquer. A terra não é sua irmã, nem sua amiga. Depois de exauri-la, abandona-a, deixando para trás o túmulo de seus antepassados e os sonhos de seus filhos.

O homem branco trata sua mãe – a terra – e seu irmão – o céu – como bens a serem comprados e vendidos, como faz com as ovelhas e as pedras preciosas. Quando o homem branco morre e vai caminhar entre as estrelas, esquece sua terra de origem.

Mas a morte de um homem de pele vermelha nunca é esquecida por sua terra. As flores perfumadas são nossas irmãs; os cervos, os cavalos, as grandes águias são nossos irmãos. Os cumes rochosos, os sulcos úmidos das campinas, o coração que pulsa nos potros e o homem – todos pertencem à mesma família.

Quando o grande chefe de Washington diz que quer comprar nossa terra, ele pede muito de nós. Diz que nos reservará um lugar em que possamos viver confortavelmente. Ele será nosso pai e nós seremos suas crianças.

Nós iremos considerar sua oferta. Mas não será fácil, pois esta terra é sagrada para nós. A água brilhante que corre em nossos rios não é só água; é também o sangue de nossos ancestrais. O murmurar das águas é a voz de meu avô. Os reflexos no lago contam histórias da vida de meu povo.

Os rios são nossos irmãos. Os rios matam nossa sede, carregam nossas canoas e alimentam nossas crianças.

Se vendermos nossa terra, o grande chefe de Washington deverá ensinar a seus filhos que os rios são também seus irmãos, e que, doravante, deverão tratá-los com a mesma gentileza com que tratam seus irmãos.

Nossos costumes são diferentes. A visão das suas cidades faz doer os olhos do homem de pele vermelha. Talvez porque eu seja um selvagem e não compreenda.

Não há lugar calmo nas cidades dos homens de pele branca. Não há lugar onde se possa ouvir as flores desabrocharem na primavera ou o bater das asas de um inseto. A algazarra insulta os ouvidos.

Mas o que é a vida, se não podemos ouvir o solitário choro de uma ave ou a conversa dos sapos, à noite, ao redor da lagoa? Sou um homem de pele vermelha e não compreendo.

Prefiro o suave murmúrio do vento que vem do lago e bate no rosto, e o cheiro do vento banhado pela chuva e perfumado pelos pinheiros.

O ar é precioso para o homem de pele vermelha. Todos os seres compartilham o mesmo ar: os animais, as árvores, o homem. O homem branco parece não notar o ar que respira. Como alguém que agoniza longamente, ele se torna insensível ao mau cheiro.

Se lhe vendermos nossa terra, o grande chefe de Washington deverá lembrar-se que o ar também é sagrado para nós, que o ar compartilha seu espírito com todos os seres a quem dá vida. A brisa que permitiu a nosso avô sua primeira inspiração também recebeu seu último suspiro.

Esta terra deverá permanecer intacta e sagrada, como um lugar em que até o homem branco possa saborear o vento adoçado pelas flores da campina.

Deverá também tratar os animais desta terra como seus irmãos. Meus olhos já viram búfalos abandonados pelo homem branco, que atirara neles de seu trem. Eu sou um selvagem e não compreendo como um cavalo-de-ferro fumegante pode ser mais importante que os búfalos.

O que seria dos homens sem os animais? Se todos os animais se fossem, o homem morreria de uma imensa solidão de espírito. O que quer que aconteça com os animais, logo acontece com os homens. Todas as coisas estão ligadas.

O grande chefe de Washington deverá ensinar às suas crianças que o solo sob seus pés contém as cinzas dos nossos avós. Assim elas aprenderão a respeitar a terra.

E deve ensinar a elas o que temos ensinado às nossas: que a terra é nossa mãe. O que acontece com a terra, acontece com os filhos da terra.

Não foi o homem que teceu a rede da vida; ele é apenas um fio nessa trama. O que ele fizer a esse tecido, estará fazendo a si próprio. Mesmo o homem branco não pode ser dispensado desse sentido comum.

Uma coisa nós sabemos, e o homem branco poderá um dia descobrir – nosso Deus é o mesmo Deus. O homem branco pode pensar que O possui, da mesma forma que deseja possuir nossa terra: mas não pode.

Ele é o Deus de todos os homens, e Sua compaixão é a mesma, seja para o homem branco ou o homem de pele vermelha. Esta terra é preciosa para Ele, e feri-la é desrespeitá-Lo.

Os brancos também passarão; talvez mais rápido que as outras tribos. De tanto contaminarem sua cama, serão sufocados em seus próprios dejetos. Mas, ao morrer, brilharão como um incêndio, iluminados pela força do Deus que os trouxe à terra e que por algum propósito especial lhes deu domínio sobre ela e sobre o homem de pele vermelha.

O destino é um mistério para nós. Não entendemos por que búfalos são mortos, por que cavalos selvagens são domesticados, por que os recantos secretos das florestas são impregnados do hálito de tantos homens e a vista de colinas é maculada pela presença de fios que falam.

Onde está o bosque? Desapareceu. Onde está a águia? Foi embora. Sabem o que significa dizer adeus ao potro veloz e à caça? É o fim da vida e o começo da sobrevivência.

Quando o último homem de pele vermelha for banido junto com sua selva, e sua memória for somente a sombra da nuvem passando sobre as campinas, ainda estarão aqui os terrenos à beira-mar? E as florestas? Terá sobrado algo do espírito do meu povo?

Amamos nossa terra como uma mãe ama seu bebê. Portanto, se lhe vendermos nossa terra, grande chefe de Washington, ame-a como nós a amamos. Tome conta dela como temos tomado. Guarde em sua memória a lembrança da terra que lhe entregamos. Preserve-a, para que todas as crianças e todos os homens a amem, como Deus ama a todos nós.

De uma coisa nós sabemos: há somente um deus. Nenhum homem, de pele vermelha ou branca, pode desconhecer isto. Somos irmãos, apesar de tudo.



O tempo passou e confirmou a profecia do cacique. Ele tentou fazer com que o governo cumprisse as promessas, mas não conseguiu. Aparentemente, suas ideias foram derrotadas, mas o que ficou na história foram as suas palavras e não as do governador que com ele negociou a venda das terras. Que grande ironia! Realmente, a vida é cheia delas!

5 comentários:

Anônimo disse...

Deixa eu ver se eu entendi direito o que é raciocínio sistêmico utilizando coisas que vi até agora no blog. Eu seria um dos macacos que tem algum raciocínio sistêmico ao difundir uma idéia que conecta o post “Eu sei, mas não devia” aos posts da carta do Cacique e a um comentário feito no próprio blog ao dizer que todos nos acostumamos a usar pratos, talheres e outros descartáveis, mas não devíamos, por termos consciência ecológica e amor à Terra que vivemos. E que se queremos diminuir a quantidade de lixo gerado no mundo em que vivemos precisamos espalhar essa idéia e também sempre que possível não usar tais produtos porque para mudar não basta querer é preciso agir.

Guedes disse...

Amigo Anônimo,
Deixe-me ver se expliquei direito o que é raciocínio sistêmico usando coisas que disse até agora neste blog.
Na postagem “Eu sei, mas não devia” fiz “uma chamada” para a postagem seguinte dizendo que ela trataria de algo que as pessoas não sabem, mas deviam.
Na postagem seguinte, expliquei o conceito de algo que considero que as pessoas não sabem, mas deviam – “O Raciocínio Sistêmico” - e fiz uma referência ao “Fenômeno do Centésimo Macaco”. Disse também que via na arte da conversação o uso do raciocínio sistêmico e, sendo assim, resolvi aplicá-lo para na seqüência das postagens neste blog.
Posteriormente, em “Considerações finais sobre o raciocínio sistêmico” fiz referência ao Cacique Seattle dizendo que ele demonstrou ter raciocínio sistêmico e sugeri a leitura de sua carta.
Depois, expliquei como surgiu a tal carta e, finalmente, a publiquei em uma postagem.
O que eu não consigo explicar é onde você viu o comentário que diz ter sido feito no próprio blog:
“que todos nos acostumamos a usar pratos, talheres e outros descartáveis, mas não devíamos, por termos consciência ecológica e amor à Terra que vivemos. E que se queremos diminuir a quantidade de lixo gerado no mundo em que vivemos precisamos espalhar essa idéia e também sempre que possível não usar tais produtos porque para mudar não basta querer é preciso agir”.
Será que você pensou em fazê-lo, mas não o fez? Mas deveria, pois ele tem tudo a ver com o raciocínio sistêmico.
Li uma opinião muito interessante que dizia, mais ou menos, o seguinte: se, um dia, seres de outra civilização chegarem a este planeta - e não encontrarem habitantes - eles concluirão que foram exterminados pelo lixo causado pelo excesso de descartáveis.
E isto me lembra do Cacique Seattle quando diz: ”O homem branco parece não notar o ar que respira. Como alguém que agoniza longamente, ele se torna insensível ao mau cheiro”.
Sim, o homem branco se torna insensível ao lixo que produz e agoniza lentamente devido ao abuso que faz da praticidade do descartável, sem perceber que ele próprio se torna descartável. Ele polui a terra em que vive e não percebe algo que o Cacique Seattle sabia: “O que acontece com a terra, acontece com os filhos da terra”.
Do que você diz ter sido dito em um comentário deste blog eu só reconheço a frase que encerra o seu comentário:
“Para mudar não basta querer é preciso agir”. Foi dita em um comentário do Michel.
Desculpe-me se o (a) confundi, pois não foi esta a minha intenção.
Nossa! Isto não é um comentário, é uma nova postagem! Será que comentários têm limite de caracteres? Este testará isto.
Abraços,
Guedes

Anônimo disse...

Amigo Guedes,
A minha intenção foi fazer um comentário que relacinasse todos os ótimos posts q li nesse blog.
A parte dos pratos, talheres e outros descartáveis foi uma consideração minha de mais uma coisa com que as pessoas se acostumaram, mas não deviam. No fim do post inclusive há um parágrafo que você diz que todos nós poderíamos acrescentar alguns parágrafos ao texto da escritora e jornalista. Acrescentei algo que pudesse conectar ao post da carta do Cacique e utilizei uma variação do nome do blog dizendo que precisamos espalhar essa idéia de não usar os descartáveis.
Está certo em dizer que a única coisa que usei de comentários do blog foi a frase:
“Para mudar não basta querer é preciso agir.”
Usei comentários (no plural) porque ela também apareceu na sua resposta ao Michel, talvez isso tenha gerado confusão.
Achei que usar tal frase faria sentido para chamar a atenção de algo que muitos não percebem. Ao mesmo tempo que falam de não poluir fazem uso abusivo do descartável. É muito comum, por exemplo, as pessoas acharem que alguém deve despoulir a Baía de Guanabara e usarem um copo descartável apenas uma vez e jogá-lo fora e pegar outro para usar em menos de meia hora. Fazem isso porque se acostumaram, mas não deveriam. Como muitos também se acostumaram, mas não deveriam a achar que o copo descartável delas não vai fazer diferença em um meio ambiente já tão poluído.
Abraço e parabéns pelo blog.

Guedes disse...

Amigo Anônimo,
Percebi a sua intenção de relacionar os post e até mesmo os comentários feitos no blog.
O mal-entendido, na minha leitura do seu comentário, ocorreu devido ao seguinte trecho: “(...) e a um comentário feito no próprio blog ao dizer que todos nos acostumamos a usar pratos, talheres e outros descartáveis, mas não devíamos, por termos consciência ecológica e amor à Terra em que vivemos”. Ao lê-lo, entendi que a opinião sobre os descartáveis teria sido lida por você em algum comentário do blog. Como não a encontrei em nenhum deles, lhe perguntei se era um comentário que você pensou em fazer, mas não fez.
Ao dizer que foi uma consideração sua você respondeu a minha pergunta e esclareceu o mal-entendido.
Realmente, eu disse, no final do post “Eu sei, mas não devia”, que todos nós poderíamos acrescentar alguns parágrafos ao texto de Marina Colasanti, mas ao ler o seu comentário, para mim, não ficou claro que o trecho sobre os descartáveis era um acréscimo ao referido texto.
Para mim, a confusão foi gerada pelo que foi dito acima, e não pela referência a frase “Para mudar não basta querer é preciso agir” - dita pelo Michel e repetida na minha resposta.
A sua alusão ao descaso com os problemas causados pela praticidade do descartável é importantíssima e bastante oportuna. Concordo plenamente com tudo o que você disse sobre os descartáveis. Eles podem ser extremamente práticos, mas tal praticidade tem um preço altíssimo e quando a natureza apresentar a conta seremos incapazes de pagá-la. E, conseqüentemente, seremos despejados deste planeta como inquilinos inadimplentes que, equivocadamente, julgavam-se proprietários. Pobres seres humanos, vítimas de sua tão enaltecida praticidade. Tão práticos e tão incoerentes. Como você diz em seu comentário: Falam em não poluir e abusam do descartável. Que falta lhes faz o raciocínio sistêmico para perceber que o abuso do descartável e a poluição são coisas interligadas.
Termino dando a minha interpretação de “querer” e de “agir” na frase “Para mudar não basta querer é preciso agir”.
Querer é esperar que as coisas mudem para o que “eu” quero sem que “eu” precise agir.
Agir é perceber que as “minhas” ações são indispensáveis para que as coisas mudem para o que “eu” quero.
Obrigado pelo elogio feito aos posts e aos parabéns pelo blog.
Abraços,
Guedes

CJ disse...

Muito bom o texto da carta do Cacique Seattle.

Abs,