quinta-feira, 8 de agosto de 2024

Viver 150 anos

"Somos todos visitantes deste tempo, deste lugar. Estamos só de passagem. O nosso objetivo é observar, crescer, amar. E depois vamos para casa."
(Provérbio Aborígene)
A vontade de elaborar esta postagem surgiu após a leitura de uma matéria publicada na edição 265 da revista Vida Simples (referente a março de 2024). Intitulada Nosso Futuro, ela começa assim: "Estudos dizem que o humano que vai viver 150 anos já nasceu. Mas o que estamos fazendo com essa oportunidade?". Segue a íntegra da referida, e curta, matéria.
Nosso Futuro
  Documentário traz à tona uma investigação essencial no nosso século: a revolução da longevidade já começou
"Estudos dizem que o humano que vai viver 150 anos já nasceu. Mas o que estamos fazendo com essa oportunidade? O documentário Quantos Dias. Quantas Noites, de Cacau Rhoden, traz um mergulho nos propósitos da nossa existência. Entre os especialistas ouvidos, que nos levam a enxergar caminhos e desigualdades no tema, além da nossa conexão com o tempo e a idade, está a ativista em cuidados paliativos Ana Michelle Soares, a AnaMi, que morreu aos 40 anos após enfrentar um câncer, deixando três livros como legado. "Eu não media segundos, mas momentos significativos", ela contou.
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"Estudos dizem que o humano que vai viver 150 anos já nasceu. Mas o que estamos fazendo com essa oportunidade?", eis as duas primeiras frases de uma matéria que cita um documentário que "traz um mergulho nos propósitos da nossa existência". Tendo encontrado, no endereço https://www.google.com/search?client=firefox-b-d&q=quantos+dias+quantas+noites#fpstate=ive&vld=cid:ef1e6c32,vid:_biFEZgRYd0,st:0, o referido documentário, dele extraí alguns trechos que reproduzo nesta postagem acompanhados de reflexões por eles provocadas. Dos trechos selecionados, o primeiro a ser reproduzido aqui é uma fala da médica, geriatra e escritora Ana Cláudia Quintana Arantes, apresentada a seguir.
"Dizem que a pessoa que vai viver 150 anos já nasceu. Eu penso que a gente precisa de um pouco mais de coerência, sabe? Por que quais são as condições que a gente está oferecendo pra essa pessoa viver? Onde ela vai viver? Quem vai poder viver?"
Sim, a gente precisa de um pouco mais de coerência. E concordando com os questionamentos da doutora Ana Cláudia, acrescento mais alguns. Que percentual dos habitantes deste planeta conseguirá viver 150 anos? Quanto custará viver durante esse tempo? Que percentual dos habitantes terá como pagar para viver 150 anos? Será que alguém que, para manter-se vivo precisa matar-se trabalhando como entregador do ifood ou como um trabalhador em outras atividades precarizadas, vai querer viver 150 anos? Será que, em um mundo onde cada vez mais abundam as ocupações degradantes e escasseiam as ocupações dignificantes, seus descendentes conseguirão uma ocupação do grupo das dignificantes e escaparão daquelas do grupo das degradantes? Você já ouviu falar em probabilidade? Você é daqueles (as) que acreditam em fada madrinha ou daqueles (as) que acreditam em bruxa malvada e em bicho papão? Será que faz algum sentido imaginar uma sociedade na qual qualquer um consegue "se dar bem" exercendo a "promissora" carreira de empreendedor? Com que qualidade será vivida tal quantidade de anos? O que deveria, realmente, nos interessar: a quantidade de ou a qualidade dos dias que se vive?
"É viver mais ou viver com qualidade? Eu quero acrescentar vida aos dias ou eu quero acrescentar, simplesmente, dias a vida?", questiona Alexandre Silva, Líder da Comunidade Compassiva.
Prosseguindo com os questionamentos, seguem alguns feitos por Alexandre Kalache, Médico Gerontólogo, Presidente do Centro Internacional de Longevidade Brasil.
"Quem é que envelhece, como, e o que é longevidade para quem? Quando você está excluído, que você mora longe, que o transporte público é terrível, que você não tem acesso, que você não pode se divertir, que você não tem as oportunidades de trabalho decentes, que te protejam, sua saúde vai embora. E você tem um terço da população que tem entre 18 e 30 anos que nem trabalha e nem estuda, como é que você vai querer que esse cara envelheça bem? Como falar de longevidade nesse contexto?"
E ao se referir a contexto, o doutor Kalache leva-me a trazer para esta postagem mais um trecho de sua participação no referido documentário.
"Se você pega os estudos mostrando onde as pessoas têm uma longa vida, e uma vida feliz com qualidade de vida, invariavelmente, você chega a comunidades que são muito coesas, que têm muito contato entre as pessoas e as pessoas têm trocas constantes, permanentes, é muito mais qualidade de vida que vem desse capital social, das relações, desses relacionamentos."
"Comunidades que são muito coesas, que têm muito contato entre as pessoas e as pessoas têm trocas constantes, permanentes". Eis o contexto que "os estudos mostram" como sendo aquele em que "as pessoas têm uma longa vida, e uma vida feliz com qualidade de vida".  
Comunidades que são nada coesas, que têm pouco ou nenhum contato entre as pessoas e as pessoas chegam até a orgulharem-se de não interagirem com os demais moradores dos condomínios fechados em que optam por viver cercadas por uma série de interações com bugigangas tecnológicas que as dispensam da necessidade de interações com seres humanos. Eis o contexto que hipotéticos estudos sobre o modo de viver nas grandes cidades muito provavelmente mostrariam como sendo aquele em que, embora "as pessoas consigam vir a ter uma longa vida", dificilmente "elas conseguirão ter uma vida feliz com qualidade de vida", pois tal contexto é, simplesmente, oposto àquele definido pelas palavras do doutor Kalache.
Intitulada As Zonas Azuis, a postagem publicada em 10 de janeiro de 2024 focaliza tipos de comunidades que lembram as citadas pelo doutor Kalache. Extraídos da postagem "Os dilemas éticos da tecnologia (final)", publicada em 14 de junho de 2024, os dois próximos parágrafos, têm tudo a ver com o que é dito no parágrafo anterior.
"Werner também é leitor assíduo de outro filósofo, este bem contemporâneo, o sul-coreano naturalizado alemão Byung-Chul Han, autor de 'A sociedade do cansaço'. Ele comenta que em um livro recente, intitulado 'Não coisas', Han discorre sobre a digitalização do mundo como uma ameaça à ordem terrena, à ordem das coisas materiais, que são fundamentais para nos dar o senso de um mundo habitável.
"Ele afirma que não vivemos mais entre o céu e a terra, mas entre o Google Cloud e o Google Earth. Não é um mundo mais palpável e nem tangível. Isso nos gera a ilusão de que somos seres incondicionados e separados da natureza, podendo alcançar técnicas cada vez mais eficientes para postergar a vida, torná-la mais cômoda e cada vez mais conveniente. Mas esse mundo digital não nos traz nenhuma orientação sobre como viver uma vida boa e significativa. Na ausência de um norte, optamos simplesmente por viver mais. Mas essa é uma vida sem vivacidade, esvaziada de significados e de sentido'".
Será que já não passou do tempo de acreditarmos que a tecnologia por si só jamais será capaz de nos proporcionar um mundo melhor? Prometendo que nos libertaria de inúmeras tarefas e, consequentemente, nos proporcionaria mais tempo para dedicarmos a coisas que nos proporcionem prazer, a tecnologia se apossou de todo o nosso tempo. Se antes estávamos ligados às atividades profissionais durante uma determinada quantidade de horas por dia, hoje temos duas opções: estarmos ligados às atividades profissionais durante as 24 horas do dia ou estarmos desempregados. Agora, a nova promessa é de aumentarmos nossa permanência nesta dimensão por períodos cada vez maiores. É impressionante a facilidade com que os integrantes da autodenominada espécie inteligente do universo cai mais de uma vez em golpes assemelhados! Você conhece uma expressão que diz: me engana que eu gosto. Pois é! A referida espécie tem gostos muito estranhos! Gostos que prejudicam a si mesma. Você concorda que a denominação mais correta seria: espécie estúpida do universo? Albert Einstein concorda, como demonstra uma conhecida afirmação a sua seguinte afirmação: "Existem apenas duas coisas infinitas – o universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao universo."
Expectativas de vida cada vez maiores, em termos de anos; cada vez menores, em termos de significado, eis o que nos é oferecido nesse estonteante mundo digital em "uma vida sem vivacidade, esvaziada de significados e de sentido.", como diz Byung-Chul Han.
"Se esta sociedade se preocupasse menos com o tempo e mais com a qualidade desse tempo, estava perfeito.", diz a atriz e coreógrafa Mona Rikumbi, no referido documentário.
"Se esta sociedade se preocupasse menos com as pessoas que terão oportunidade de viver 150 anos e mais com as pessoas que não conseguem viver 150 meses, estava perfeito.", diz a paráfrase feita por mim.
Encerrando esta postagem que focaliza a longevidade, o próximo parágrafo reproduz um trecho de um livro de autoria de um imortal, de um imortal da ABL - Academia Brasileira de Letras. Extraído do livro Futuro Ancestral de autoria do líder indígena, ambientalista, filósofo, poeta e escritor brasileiro Ailton Krenak, considero-o perfeito para encerrar esta postagem.
"Para completar o circo, tem um monte de gente querendo viver eternamente: pessoas que morrem de medo de morrer. A borboleta morre, o passarinho vem voando, bate a cara aqui e morre, a abelha se reproduz e morre, a bananeira cresce, dá banana e morre... Nós somos os únicos chatos do planeta que querem prevalecer na face da Terra a todo custo e, claro, não entrar na lista de extinção de jeito nenhum. Tem uma frase interessante que é atribuída ao Einstein: 'A vida começou aqui na Terra sem os humanos e pode terminar sem nós'. Esse pode é um cuidado lá dele, de não detonar de vez a bomba. Já eu sou mais arrogante e digo que a vida começou sem os humanos e vai acabar sem a gente. Não somos os donos da chave nem seremos os últimos a sair. Aliás, acho antes que seremos postos para fora – por incompetência, inadimplência, abuso e todo o tipo de prevaricação em que a gente se meteu em favor da ideia de prolongar nossa própria vida."

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