segunda-feira, 3 de outubro de 2022

O mundo ideal e o real

  "Existe um mundo real, muitas vezes violento, injusto, ganancioso e preconceituoso, e outro ideal, que sonhamos viver, embora façamos pouco para isso."
(Eduardo Gonçalves de Andrade [1947], médico, ex-futebolista, colunista da Folha de S.Paulo, conhecido como Tostão)
Esta postagem espalha um texto escrito por Tostão, um dos grandes jogadores do futebol mundial e integrante do mitológico ataque da seleção brasileira que conquistou o tricampeonato mundial de futebol em 1970. Devido a um descolamento de retina, ele abandonou prematuramente o futebol e dedicou-se à medicina. Após mais de uma década afastado do futebol, retornou como cronista esportivo. A diferença entre Tostão e a grande maioria dos cronistas esportivos é que ele escreve considerando o futebol como algo que influencia o comportamento das pessoas e, consequentemente, contribui para melhorar ou piorar essa coisa denominada sociedade. Já li vários elogios feitos a ele por outros cronistas.
O primeiro parágrafo do texto já seria suficiente para despertar meu desejo de publicar esta postagem, porém existem outros trechos muito interessantes. O texto foi publicado no jornal Folha de São Paulo em 22 de novembro de 2009. Enviado naquela época para a minha lista de e-mails, encontrei-o entre os meus guardados e, considerando-o atual, aplicável a outras comparações entre mundos e propiciador de reflexões, resolvi espalhá-lo por este blog.
O mundo ideal e o real
Existe um mundo real, muitas vezes violento, injusto, ganancioso e preconceituoso, e outro ideal, que sonhamos viver, embora façamos pouco para isso.
A melhor maneira de fazer algo não é ser bonzinho no Natal nem praticar alguns atos generosos para reparar a culpa real e/ou imaginária. É, principalmente, ser, todos os dias, um bom cidadão. Não é fácil. São muitas as tentações.
Quanto maior a distância entre o mundo real e o mundo ideal, maior é o desamparo. É a mesma relação individual entre ego e ego ideal. "Sou o que penso, mas penso ser tantas coisas". (Fernando Pessoa)
Escuto, desde criança, que o esporte é o lugar ideal para as pessoas aprenderem e desenvolverem os valores éticos. Isso nunca foi verdade no esporte de competição e de alto nível. O gol, com a ajuda da mão, que classificou a França para a Copa é mais um de dezenas de exemplos. Nesses lances especiais e decisivos, em que não há dúvidas, o quarto árbitro, com a ajuda da TV, deveria anular o gol. Na emoção de uma partida, os atletas, na busca por glória e dinheiro, pressionados para vencer, demonstram, em gestos automáticos, como o de Henry, ou conscientes, toda a desmedida ambição e toda a esperteza humana.
Um dos motivos relatados para o recente suicídio do goleiro Robert Enke, da seleção alemã, foi o medo que tinha do fracasso. Isso contribuiu para piorar sua crônica depressão. Perder é morrer.
Sempre falam que no esporte aprendem-se valores éticos. Isso não é verdade no esporte de competição e de alto nível.
No mundo ideal, os atletas entrariam em campo só para jogar futebol, com alegria, e respeitariam companheiros, adversários, árbitros e auxiliares, além de tentar dar bons espetáculos.
No mundo real, os jogos, em todo o planeta, principalmente na América do Sul, estão cada dia mais tensos, tumultuados e violentos. Durante a semana, houve pancadaria em dois jogos no Brasil, um no Uruguai e outro na África.
Muitos treinadores e dirigentes, mesmo sem intenção, estimulam a violência com os discursos de ganhar a batalha, perder a guerra, jogar com muita pegada, além de  ofensas aos árbitros.
O que houve com Obina e Maurício e também com Hugo e André Dias (estes não trocaram socos) já aconteceu várias vezes com outros jogadores. Os atletas não suportam a pressão de ter de vencer. Agridem antes de serem agredidos. Quando o time vence, técnicos e dirigentes adoram passar a mão na cabeça de jogador violento.
Se Obina e Maurício tivessem agredido os adversários, e o Palmeiras tivesse vencido, provavelmente os dois não seriam punidos pelo clube. Talvez recebessem até elogios por suas bravuras.
No mundo ideal, a imprensa cobraria, com ênfase, mais qualidade técnica e menos violência. No real, parte de mídia incorporou o discurso dos técnicos de que o importante é o resultado e que, no futebol moderno e de muita marcação, não há mais lugar para futebol bonito e com poucas faltas.
No meu mundo ideal, queria assistir aos jogos somente com o olhar de um poeta e de um apreciador das coisas belas de um espetáculo. No meu mundo real, preciso ser também pragmático e um analista técnico e tático. Eu tento unir os dois mundos. Nem sempre consigo. Os dois se estranham.
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Na época em que o texto foi publicado eu estava há menos de um ano da aposentadoria, ocorrida em outubro de 2010, após 3,7 décadas de atuação no mundo corporativo desempenhando o papel de analista de sistemas.
Sendo assim, no e-mail enviado para a minha lista encaminhando o excelente texto de Tostão, seguia também uma analogia entre coisas do mundo esportivo por ele citadas e coisas do mundo corporativo por mim vivenciadas durante meu longo período de atuação em tal mundo. Considerando que, segundo conversas com alguns amigos que ainda atuam no mundo corporativo, nele não ocorreram significativas mudanças para melhor, a próxima postagem apresentará a versão revista e atualizada de tal analogia.

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