Que a vida é uma caixinha de surpresas é algo que pode-se aprender
ao ouvir a história de Joseph Climber. Que ela é uma caixinha de coincidências
é algo que descobri percebendo as coincidências que a vida costuma me proporcionar.
Uma das mais recentes levou-me a elaborar esta postagem, e eu explico. Não
sendo um leitor diário do jornal O Globo,
é fato que algumas vezes fui surpreendido ao nele encontrar alguma matéria que
tenha despertado meu interesse, em algum dia em que o tenha lido por acaso. Foi
o que ocorreu na minha última ida ao cabeleireiro quando, ao ler o referido
jornal, vi sair da caixinha de coincidências uma reportagem-entrevista contendo
ideias em conformidade com o meu modo de enxergar as coisas e também com algumas
ideias espalhadas por este blog.
A reportagem-entrevista foi publicada na
edição de 17 de junho de 2016, em um espaço intitulado Conte algo que não sei. Thierry Goater, pesquisador e professor, é o
entrevistado, Gabriela Antunes é a entrevistadora, e a reportagem-entrevista é intitulada
'Sem emoções não podemos mudar o mundo'.
'Sem emoções não
podemos mudar o mundo'
Pesquisador francês, especialista em literatura vitoriana, esteve no Rio para participar de palestra sobre o escritor inglês Thomas Hardy, na UFF
"Tenho 51 anos, sou francês, pesquisador
e professor de Literatura Inglesa da Universidade de Rennes 2. Apaixonei-me por
idiomas ainda pequeno. Era uma forma de me comunicar com pessoas diferentes.
Comecei com inglês, alemão, latim até ver que o mais importante era a
literatura."
(Thierry Goater, professor)
Conte algo que não sei.
A luta pela liberdade e emancipação das
minorias nunca estará terminada, assim como a manutenção da democracia é um
processo contínuo, que nunca terá fim. Não podemos pensar, nem por um momento,
que um retrocesso é impossível. É como na política. Quando um partido
conservador ganha cargos, ele pode criar leis que nos levem de volta ao
passado. Se algo está terminado na vida, não é vida, e sim morte. A vida tem
que evoluir o tempo inteiro.
A literatura pode ajudar nessa luta?
Pode parecer que a
literatura tem um papel pequeno na mudança da sociedade, principalmente se
comparada a um panfleto político, por exemplo. Mas, mesmo pequeno, é
importante, pois a literatura é uma ferramenta magnífica para mudar a
mentalidade das pessoas ao apelar às suas emoções. Thomas Hardy, um novelista
vitoriano que eu estudo, acreditava piamente nisso. Se a arte tem algo a fazer
é apelar para as emoções dos leitores. Sem emoções nós não podemos mudar o
mundo.
Como assim?
A literatura permite que as pessoas tomem consciência
das coisas. Sem a literatura, sem as artes de forma geral, talvez elas não
conseguissem enxergar certos problemas. Quando escrevi minha tese de doutorado,
descobri que Hardy gostava de defender as pessoas, principalmente aquelas em
situação social desfavorável, e especialmente as mulheres. Elas eram as pessoas
mais sofridas da sociedade na época, mas, ao mesmo tempo, as personagens mais
interessantes em seus romances e contos. Apresentando-as dessa maneira, ele
forçava os leitores a enxergarem como as mulheres eram oprimidas, a
perceberem que havia algo errado na maneira como nossa sociedade patriarcal as
tratava. Outro fator importante para que isso aconteça é o processo de
identificação. Quando você força um leitor com o pensamento mais conservador,
seja homem ou mesmo mulher, a se identificar com uma heroína oprimida o
escritor força o leitor a tomar partido da luta daquela mulher oprimida,
daquela vítima.
E você acha que, hoje, os artistas utilizam
bem isso?
Penso que sim. Quanto mais tecnológico e
sofisticado é o nosso mundo, mais iremos precisar da arte. Porque, num mundo
nesses moldes, os sentimentos tendem a ser suprimidos e deixados de lado. Como
a arte apela às emoções, sempre vamos precisar dela para representar as
minorias e defendê-las. É claro que existem autores chauvinistas e extremamente
sexistas, e não podemos evitar que eles existam, mas a maioria dos artistas tem
uma sensibilidade com o que há de errado na sociedade. Na verdade, eu acredito
que os artistas sejam os olhos da Humanidade, que nos mostram aquilo que não
conseguimos enxergar. Há uma força reveladora nas artes.
Muito tem se falado sobre a importância de
representatividade das minorias na arte e na cultura pop. Essa
representatividade importa?
Sim, claro. A literatura e todas as formas de
arte podem ser usadas na luta contra os estereótipos. Isso é muito importante,
pois vivemos cercados de clichês. É preciso mudar o nosso ponto de vista,
envolver as minorias no mainstream.
As artes precisam incluir essas pessoas para que elas possam ter voz. Ser
minoria é uma questão de poder e não de quantidade. Então, o papel das artes,
da literatura, é representar essas minorias e dar a elas a possibilidade de
falar e expressar quem elas são.
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"A luta pela
liberdade e emancipação das minorias nunca estará terminada, assim como a
manutenção da democracia é um processo contínuo, que nunca terá fim. Não
podemos pensar, nem por um momento, que um retrocesso é impossível.",
responde Thierry Goater diante da solicitação Conte algo que não sei.
"Nessa ideia de
algo ainda não consumado eu incluo coisas como civilização, sociedade, democracia e cidadania. Coisas que
jamais serão consumadas em sua plenitude, pois são construções permanentes que
precisam ser aperfeiçoadas per omnia
saecula saeculorum.", digo eu em Reflexões provocadas por "A tênue divisão entre homem e macaco". Vocês
concordam que este parágrafo e o anterior têm tudo a ver?
"A literatura
permite que as pessoas tomem consciência das coisas. Sem a literatura, sem as
artes de forma geral, talvez elas não conseguissem enxergar certos problemas.
(...) A literatura é uma ferramenta magnífica para mudar a mentalidade das
pessoas ao apelar às suas emoções. (...) Sem emoções nós não podemos mudar o
mundo.", afirma Thierry Goater.
As afirmações acima remetem-me
à primeira postagem deste blog, publicada em 1º de fevereiro de 2011.
Respondendo à pergunta que intitula a referida postagem – Por que criei um blog? - a primeira
frase, da primeira postagem deste blog é a seguinte. "Porque acredito em uma afirmação atribuída a Caio Graco: 'Livros não mudam o mundo, quem muda o mundo são as pessoas. Os livros
só mudam as pessoas'.". Vocês concordam que este e o anterior são mais
dois parágrafos que têm tudo a ver? Mas tem mais.
"Na verdade, eu
acredito que os artistas sejam os olhos da Humanidade, que nos mostram aquilo
que não conseguimos enxergar. (...) Quanto mais tecnológico e sofisticado é o
nosso mundo, mais iremos precisar da arte. Porque, num mundo nesses moldes, os
sentimentos tendem a ser suprimidos e deixados de lado."
Sim, quanto mais tecnológico e sofisticado for o nosso mundo, mais precisaremos
de algo que nos ajude a evitar que nossos sentimentos sejam suprimidos e
deixados de lado, pois como afirma Charles Chaplin no célebre O último discurso, proferido no filme O grande ditador (de 1940), "Mais do que de máquinas, precisamos de humanidade. Mais do que
inteligência, precisamos de afeição e doçura. Sem essas virtudes, a vida
será de violência e tudo será perdido.".
Sim, "Num mundo tecnológico
e sofisticado, os sentimentos tendem a ser suprimidos e deixados de lado.".
Sim, "Mais do que inteligência,
precisamos de afeição e doçura, pois sem essas
virtudes, a vida será de violência e tudo será perdido." Sim, "Sem
emoções e sentimentos nós não podemos mudar o mundo.". Mudá-lo para melhor, pois mudar é algo que,
inevitavelmente, ocorrerá sempre como decorrência do somatório das ações, e das
omissões, de todos os indivíduos que nele sobrevivem. Será que dá para discordar
dos três "Sim" apresentados acima? No meu entender, não.
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