Conforme
explicado no final da anterior, esta postagem é composta de trechos extraídos do
vídeo transcrito nas três anteriores. Trechos que por serem, por
mim, considerados tão marcantes, levaram-me a com eles elaborar uma postagem
cuja intenção é: preservando a essência do texto maior produzir um menor com a finalidade
de estimular as pessoas a, periodicamente, relê-lo para que não deixemos cair
no esquecimento as maravilhosas ideias contidas no magnífico vídeo publicado no
canal "O Labirinto".
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Antes mesmo que uma criança descubra quem é, o mundo
apressa-se em dizer quem ela deve ser. Assim, em vez de se tornarem
exploradores do real, muitos pequenos se convertem em produtos de um sistema
que não deseja indivíduos livres, mas peças úteis para sustentar estruturas já
existentes.
A doutrinação funciona porque não dá tempo para o
questionamento nascer. Implanta certezas antes que a dúvida seja capaz de
germinar. Quando uma criança é ensinada a repetir sem questionar, a obedecer
sem compreender, a aceitar sem refletir, sua capacidade crítica é amputada. Mas
talvez o aspecto mais cruel dessa realidade seja que a doutrinação não é
apresentada como opressão, e sim como cuidado.
A sociedade esconde o controle sob o disfarce da
educação, da tradição, da cultura e até do amor. Pais e mestres dizem estar
preparando para a vida, quando muitas vezes estão apenas ajustando os filhos a
um padrão que os torna úteis ao sistema e dóceis à autoridade. O verdadeiro
perigo não está naquilo que as crianças sabem, mas naquilo que nunca terão a
chance de descobrir por si mesmas.O preço da doutrinação é a perda da
autonomia. E a perda da autonomia é a morte da liberdade antes mesmo que ela
seja vivida.
Se quisermos uma sociedade mais justa, mais sábia e mais humana,
precisamos começar pelo óbvio: permitir que nossas crianças sejam crianças, que
descubram o mundo com seus próprios olhos, que façam perguntas sem medo, que
duvidem sem culpa e que ousem imaginar sem limites.
Quando
uma criança aprende desde cedo que não deve levantar muitas perguntas, que deve
apenas repetir o que foi dito, e seguir o que está escrito, ela está sendo
preparada para a vida adulta como parte de uma engrenagem maior, é uma
preparação para aceitar hierarquias sem questioná-las, para obedecer a regras
sem refletir sobre sua justiça, para seguir tradições sem avaliar sua
relevância.
Ao invés de cultivar a chama da curiosidade natural que
toda criança traz consigo, a escola tende a abafá-la sob camadas de regras,
repetições e verdades absolutas que não podem ser questionadas. É a educação
transformada em treinamento, a aprendizagem reduzida à memorização, a
criatividade sacrificada em nome da obediência. Essa estrutura não é neutra,
ela serve a propósitos que ultrapassam os muros da escola.
Por trás dos currículos engessados, e dos métodos
padronizados, esconde-se uma lógica de poder que utiliza a escola como
ferramenta de manutenção da ordem. É por isso que disciplinas que estimulam a
criatividade e o pensamento crítico são frequentemente desvalorizadas enquanto
conteúdos que formam trabalhadores dóceis e previsíveis são priorizados.
A arte, a filosofia e a imaginação são tratadas como
luxos secundários quando na verdade deveriam estar no coração do processo
educativo. O que se deseja, em última instância, não é uma geração capaz de
pensar por si mesma, mas uma geração que saiba se adaptar sem reclamar, que
produza sem refletir, que consuma sem medir as consequências. Assim, a sala de
aula se transforma em uma extensão da máquina social, uma réplica em miniatura
do mundo adulto que espera por essas crianças. Competitivo, hierarquizado,
sufocante.
A mesa enfileirada diante do quadro é o prelúdio das
baias de escritório. A prova cronometrada é o treino para a pressão dos prazos.
A nota é a preparação para o salário que mede não o valor humano, mas a
utilidade produtiva. Ao invés de um espaço para florescer, a escola se torna um
campo de treinamento para a obediência. E o mais trágico é que tudo isso é
normalizado, vendido como educação de qualidade, quando no fundo se trata de um
projeto silencioso de conformidade.
Mas a doutrinação não se limita aos muros da escola, ela
se infiltra em cada tela, em cada propaganda, em cada desenho animado que a
criança assiste. O entretenimento com suas cores vibrantes e canções
cativantes, muitas vezes carrega mensagens ocultas, estereótipos sutis e
valores cuidadosamente plantados. Personagens que definem o que é ser bonito, o
que é ser bem-sucedido, o que é normal e o que é aceitável, moldam a imaginação
infantil desde cedo. Se a escola doutrina pela disciplina, a mídia doutrina
pelo desejo, transforma crianças em consumidores antes mesmo que aprendam a
somar. Ensina-as a desejar antes que compreendam o valor de uma escolha.
Aprisiona sua imaginação dentro de moldes fabricados em massa.
A criança não cresce livre, cresce moldada, manipulada,
domesticada. Essa realidade nos conduz a uma revelação sombria: a verdadeira
escravidão do futuro não está na falta de liberdade política, mas na ausência
de liberdade interior. Uma criança doutrinada se torna um adulto que não sabe questionar,
que não consegue imaginar alternativas, que aceita como natural aquilo que lhe
foi imposto. Torna-se trabalhador dócil, consumidor previsível, cidadão
manipulável.
No lar, espaço que deveria ser refúgio, a doutrinação
muitas vezes ganha roupagem de tradição. É claro que educar uma criança exige
transmitir valores, mas o problema começa quando a transmissão vira imposição,
quando a orientação se transforma em sufocamento, quando o diálogo dá lugar ao
é assim porque eu digo. A casa então deixa de ser um espaço de acolhimento e se
torna mais uma engrenagem de modelagem, onde a espontaneidade da infância se
dissolve sob o peso das expectativas. A maior prisão é aquela que a criança
aprende a chamar de lar, escola, normalidade.
A sociedade moderna com sua pressa e seu culto à
produtividade, acrescenta mais uma camada a essa doutrinação silenciosa. Rouba
da criança o tempo de ser criança. Brincar, sonhar, explorar, errar e se
reinventar tornam-se luxo em um mundo que já as coloca em cursos de idiomas,
aulas de reforço, esportes competitivos e agendas dignas de executivos.
Resgatar o valor do ócio criativo é outro passo
essencial. Em uma sociedade que glorifica a pressa e a produtividade, até mesmo
as crianças são forçadas a viver em agendas lotadas de compromissos como se a
brincadeira fosse perda de tempo. Mas é justamente no brincar livre que se
forjam habilidades profundas: a imaginação, a empatia, a autonomia, a
resiliência. Brincar é ensaiar a vida, é criar mundos possíveis, é aprender sem
a consciência pesada da obrigação. O ócio criativo não é ausência de atividade,
mas presença de um espaço fértil para que a criança se reinvente continuamente
sem amarras e sem pressões externas.
A infância que deveria ser sinônimo de tempo livre, se
converte em preparação ansiosa para um futuro que talvez nunca venha. E ao
fazer isso, a sociedade não apenas doutrina, mas acelera o processo de
alienação. Crianças aprendem que seu valor está no desempenho, que sua
identidade está no sucesso, que sua aceitação depende de se encaixar. Assim, o
ciclo se fecha. A escola exige obediência, a mídia exige consumo, a família
exige repetição, e a sociedade exige produtividade.
Libertar a infância não significa abandoná-la à própria
sorte ou transformá-la em um experimento sem direção, mas sim oferecer um
ambiente fértil onde ela possa experimentar, errar, questionar e imaginar sem
medo. É permitir que a criança descubra por si mesma o prazer do aprendizado, a
alegria da curiosidade, a coragem da dúvida. Significa trocar a imposição pelo
diálogo, a rigidez pela flexibilidade, a repetição pela exploração.
Ensinar não o que pensar, mas como pensar. Essa deveria
ser a máxima da verdadeira educação. A mente infantil não nasceu para decorar
dogmas prontos, mas para navegar por mares de possibilidades. O grande desafio
está em criar condições para que a criança não apenas acumule informações, mas
aprenda a lidar com elas criticamente, a compará-las, a contextualizá-las, a
questioná-las. Porque informação sem reflexão não é sabedoria, é apenas
repetição mecânica. Nesse sentido, a escola que liberta não é aquela que entope
de conteúdos, mas a que desperta perguntas. Não é a que entrega respostas
definitivas, mas a que estimula a busca. Não é que cobra silêncio absoluto, mas
a que acolhe vozes múltiplas, divergentes, criativas.
Uma verdadeira educação também significa oferecer
múltiplas perspectivas para que a criança aprenda desde cedo que não existe uma
única forma de interpretar o mundo. Isso implica contato com culturas diversas,
com histórias diferentes, com visões contrastantes. Assim, em vez de um cidadão
moldado para obedecer, surge um indivíduo capaz de escolher conscientemente, de
decidir seus valores, de trilhar seu próprio caminho.
Pais e educadores nesse processo deixam de ser
doutrinadores para se tornarem guias. Não são escultores que esculpem à força
um modelo pronto, mas jardineiros que nutrem o crescimento natural de cada
árvore. Eles apontam horizontes, mas não cortam asas. Mostram caminhos, mas não
obrigam passos. Oferecem ferramentas, mas não impõem muros.
Uma educação verdadeiramente transformadora não mede o
valor de uma criança por suas notas ou diplomas, mas pela sua capacidade de ser
livre, crítica e criativa. Uma criança quando ainda não contaminada pelos
padrões rígidos e interesses ocultos da sociedade enxerga o mundo com olhos
limpos capazes de ver beleza onde o adulto já só vê utilidade.
A mente infantil é a última fronteira da liberdade. É
nela que a imaginação ainda não foi colonizada pela propaganda, pelas normas
sociais rígidas, pelas exigências de sucesso e de consumo. É nela que floresce
a capacidade de maravilhar-se com o simples, de rir sem motivo, de perguntar
sem medo. E justamente por isso, ela se torna alvo das forças de poder. Governos,
religiões, sistemas educacionais e corporações sabem que quem controla a
infância, controla o amanhã. Defender essa fronteira, portanto, é lutar contra
a manipulação mais perversa de todas, aquela que rouba a liberdade antes mesmo
que ela seja compreendida.
Resistir à doutrinação infantil é lutar pelo futuro da
humanidade. Cada criança que cresce com liberdade de pensamento, é uma fagulha
que desafia o conformismo. O futuro não será decidido apenas por tecnologias ou
políticas, mas pelo tipo de infância que cultivarmos hoje, e é essa decisão,
silenciosa e cotidiana que definirá não apenas a vida de cada criança, mas o
destino de toda a civilização. E se queremos um futuro diferente, é preciso
começar agora com a coragem de romper com o velho modelo e plantar na infância
as sementes de uma humanidade mais lúcida, mais autônoma e, sobretudo, mais
livre. E talvez, no fim das contas, a grande rebelião contra esse sistema de
moldagem esteja em proteger a infância como o espaço da simplicidade, da
curiosidade e da autenticidade.
Uma humanidade adestrada é uma humanidade condenada. Mas
uma humanidade que ousa cultivar a liberdade desde cedo é uma humanidade que se
renova, que encontra forças para reescrever sua história, que ainda pode sonhar
com o mundo mais justo.
A escolha está diante de nós. Ou aceitamos que nossas
crianças sejam moldadas para servir a engrenagens invisíveis ou ousamos romper
o ciclo e devolver-lhes o direito de pensar, imaginar e viver plenamente. Essa
escolha não é abstrata, mas concreta, ela está na forma como educamos, como
dialogamos, como permitimos ou não que a curiosidade floresça.
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