domingo, 12 de outubro de 2025

Dia das Crianças: o Nobel de Economia

O nascimento de um neto, em 20 de dezembro de 2024, despertou em mim o interesse em atualizar-me quanto aos modos de interagir adequadamente com crianças. Em conformidade com tal interesse, sem lembrar como, descobri um livro lançado em 2024 com um instigante título: "A Bula de Cada Criança - O olhar humanista de um pediatra sobre como cuidar dos filhos sem receita pronta", de autoria de Roberto Cooper. Um livro no qual, na condição de mantenedor de um blog intitulado "Espalhando ideias", não tive como não enxergar inúmeras ideias para por ele serem espalhadas. Já tendo espalhado dois textos, segue mais um.
Dia das Crianças: o Nobel de Economia
Praticamente como em todas as datas que celebram alguém, também no dia 12 de outubro, o Dia das Crianças, há um forte cunho comercial que o criou e o sustenta. Datas (mães, pais, namorados e crianças) vendem. Nada contra, afinal de contas a economia precisa se movimentar, gerar riqueza, empregos e melhoria do nível de vida. Richard Thaler, professor de Ciências Comportamentais e Economia na Universidade de Chicago e vencedor do Prêmio Nobel, estudou uma linha chamada Economia Comportamental. Trata-se de uma abordagem que incorpora ao conhecimento de economia boa dose de psicologia.
Em 2002, outro pesquisador que segue a mesma linha, Daniel Kahneman, também recebeu o Nobel de Economia. De forma simplória (a ser criticada pelos eventuais economistas que lerem este texto), a economia comportamental incorpora nas suas análises uma faceta irracional do comportamento humano. Uma linha mais clássica ou ortodoxa crê firmemente que o ser humano tomará as melhores decisões baseadas em uma análise lógica, buscando otimizar seus ganhos e/ou minimizar perdas ou riscos. Para esses estudiosos, seríamos um "homo economicus", ator racional, cujo comportamento (tomada de decisões) é previsível e redutível a modelos matemáticos.
Ocorre que a nossa história pessoal (sejamos sinceros, quantas decisões sem fundamento racional tomamos? Ou quantas decisões envelopamos em racionalidade apenas para não revelar um desejo irracional?) e coletiva (guerras, intolerância de toda espécie, machismo, obesidade, uso de tabaco) nos mostram que não podemos ser reduzidos a um modelo mecânico de uma máquina que pensa. Somos seres, indivíduos, com alta complexidade e vetores (muitos desconhecidos de nós) que nos impulsionam no percurso das nossas vidas. Nesse contexto, agraciar um pesquisador que introduz a irracionalidade e relativa imprevisibilidade no comportamento humano deveria nos fazer repensar o modelo vigente de privilegiar a lógica e racionalidade.
Se você chegou até aqui, deve estar se perguntando se eu deixei de ser pediatra e resolvi estudar economia. O elo que farei (me acompanhem neste salto!) é o de que crianças não precisam de um Prêmio Nobel para lembrá-las de que a irracionalidade é um atributo fundamental e inerente ao ser humano. Não é um atributo do "homo economicus" idealizado por alguns, mas do homo (quase) sapiens que somos. 
Para começar, observemos um bebê com poucos dias de vida. É um ser humano sem a menor capacidade de cognição, sem processar pensamentos de forma lógica, ordenada, analítica ou sistemática. É apenas uma esponja de sensações. Tudo que se passa a seu redor é captado e absorvido, sem o filtro da racionalidade. Portanto, sem nenhuma possibilidade de discussão, a existência repleta de estímulos e registros precede a lógica e a racionalidade.
O bebê cresce e, dadas as boas condições, vai amadurecendo. Esse amadurecimento leva um bom tempo em que somos capazes de observar como um pensamento pré-lógico ou mágico infantil domina o universo da criança. Ainda não há espaço para metáforas, tudo é muito concreto. As fábulas lidas ou contadas representam algo que, de fato, aconteceu ou acontece em algum lugar. Vestir-se de princesa ou Homem-Aranha não é uma fantasia. É uma transformação. Naquele momento, a criança se percebe e se sente como se princesa ou Homem-Aranha fosse. As histórias que nossos filhos "inventam" são absolutamente fascinantes e dignas de serem registradas para que possam ser recontadas a eles mesmos, uma vez mais crescidos ou adultos. Isso, sem falar na criatividade para inventar brinquedos, a partir de sucata doméstica ou fazer pinturas, modelagens e colagens. O medo, tão natural em crianças, é outra manifestação explícita e observável da fase de "irracionalidade" que precede a introdução da lógica no pensamento infantil. De forma resumida, a imensa criatividade das crianças é uma homenagem à irracionalidade.
Para aqueles que ficam incomodados com o termo irracionalidade, contaminados que estão com o valor da racionalidade, podemos usar a palavra simbolismo ou simbólico. A imensa criatividade das crianças é uma homenagem ao ser simbólico que elas exibem e que nós temos vergonha de mostrar.
No Dia das Crianças, como em outros, vale pegar carona no Prêmio Nobel de Economia para justificarmos uma boa dose de irracionalidade nos nossos atos. Amor, carinho e afeto não são lógicos ou racionais. Estar perto, estar junto, sem uma justificativa ou sem estar fazendo algo, simplesmente estando, não é lógico ou racional: não raro, ficamos aflitos por não estarmos fazendo nada! Fabular, inventar, criar, encenar não é lógico nem racional. Vejam que tudo que nossos filhos querem de nós é que também sejamos irracionais.
Para concluir, um segredinho: se formos irracionais, nós vamos nos divertir também, e muito. Bom Dia das Crianças todos os dias!
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Para concluir (a postagem), uma provocação: se formos inteligentes (dispondo-nos a colocar em prática o segredinho revelado no parágrafo anterior), após nos divertirmos muito neste Dia das Crianças, refletir sobre o que é dito em mais um instigante texto do pediatra Roberto Cooper, elaborado à luz de seu olhar humanista, talvez seja uma boa ideia para tentarmos obter o que ele nos deseja na última frase de seu texto: "Bom Dia das Crianças todos os dias!"

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