Diferentemente
das demais postagens do tipo "Reflexões provocadas por ..." em que compartilho
reflexões minhas, esta apresenta algumas reflexões que me foram enviadas, por
e-mail, por três ex-colegas de trabalho a quem considero eternas amigas.
"Viver
é relacionar-se diz
o título de um livro de Vimala Thakar (1921 – 2009), ativista social
indiana e professora espiritual, que li há muitos anos, e do qual lembrei-me ao
ler o primeiro dos três e-mails.
Considerando que relacionar-se é algo que envolve duas
pessoas e que jamais existirão duas pessoas iguais, as relações estabelecidas
serão sempre algo único. Unicidade que, no meu entender, explica o que diz a amiga
que me enviou o primeiro dos três e-mails, reproduzido a seguir.
"Quando alguém que amamos morre, é como se perdêssemos…"
"Eu gostaria de acrescentar… perdemos as conversas que tínhamos somente com aquela pessoa, perdemos as lembranças que junto daquela pessoa gostávamos de recordar, perdemos as lembranças que eram só dela e ela contava, levando a gente a ter aquele passado quase como se fosse nosso."
Ou seja... perdemos várias coisas que tínhamos unicamente
com aquela pessoa que morre. Coisas que, "sendo só dela", mas que "sendo
por ela nos contado", levava-nos à ilusão de "tê-las quase como se
fossem nossas". Ilusão que é desfeita "quando alguém que amamos morre".
Não, no meu entender, mas, no meu observar, "quando
alguém que amamos morre", muitas ilusões são desfeitas, dentre elas a de
que haverá sempre um amanhã no qual poderemos dedicar às pessoas que dizemos
amar, uma quantidade de tempo que seja suficiente para o desenvolvimento de
algo que possa fazer jus ao termo convivência. Pegando emprestadas duas frases
do texto da doutora Ana Claudia, a ilusão de ser possível adiar, para um nada
garantido amanhã, a busca de "tempo para darmos o beijo que não damos
hoje, para oferecermos o abraço que não oferecemos hoje, a palavra que não
pronunciamos hoje. Para oferecer presença naqueles momentos em que o
oferecido foi silêncio".
O terceiro dos e-mails recebido é mais um que fez-me
lembrar do referido livro, pois também há nele algo que pode ser explicado pela
unicidade de cada relação. Segue a transcrição do terceiro e-mail.
"Principalmente esta frase: 'a morte do outro nos fere como se fosse a nossa ...'""Porque morre uma parte de nós com quem vai. E essa dor dilacera ... E leva tempo pra recompor essa parte que se foi, se é que conseguimos..."
Sim, "morre uma parte de nós com quem vai". Que
parte? Aquela formada pelas relações que tínhamos "com quem vai".
Quanto à dúvida sobre a possibilidade de conseguir "recompor essa parte
que se foi", tenho a seguinte opinião. Considerando que a parte que se foi
é formada pelas relações que existiam entre dois espíritos que habitavam uma
mesma dimensão, e que recompor pode ser entendido como tornar a compor, entendo
que, a partir do momento em que os dois espíritos passam a habitar dimensões diferentes, recompor a parte que se foi é algo, simplesmente, impossível. E diante de tal
impossibilidade, entendo que o que resta é tentar preencher "essa parte de
nós que morreu com quem vai" com uma forma de relacionamento de outra
natureza, embasada no entendimento que cada um tenha do que ocorre com os
espíritos que vão desta para outra dimensão. Espíritos que habitam uma mesma
dimensão, têm um tipo de relacionamento; espíritos que habitam dimensões
diferentes, têm outro tipo, eis algo que a mim parece óbvio, mas como digo no
final da primeira frase deste parágrafo, essa é a minha opinião, baseada no que
entendo que consegui aprender nesse percurso que a gente chama de vida.
Se, em relação ao primeiro e ao terceiro parágrafos, o
que ocorreu foi associar a eles algo que eu tinha lido, em relação ao segundo, a
associação que fiz ocorreu no sentido contrário. Foi a leitura de um texto que
li após o recebimento do referido e-mail que me levou a associar o que li ao referido
e-mail. Ficou confuso? Eu explico.
Cinco dias após o recebimento do e-mail, estando na casa
da minha filha, encontrei sobre a mesa da sala de jantar alguns exemplares da Revista Quatro Cinco Um – a revista dos
livros. Folheando-as, em uma delas encontrei entre as resenhas nela
contidas uma sobre um livro do filósofo e escritor Renato Noguera intitulado "O
que é luto: como os mitos e as filosofias entendem a morte e a dor da perda".
Foi mais uma daquelas sinistras coincidências com que a vida frequentemente me
presenteia quando estou tentando elaborar algum texto.
Detalhe. Entre as várias revistas que ali estavam, aquela
em que encontrei algo que tem a ver com o que eu estava escrevendo, não era a
edição mais recente, e sim a referente a junho de 2022, que ali havia sido
colocada, sabe-se lá como, para que eu a pudesse encontrar e dela pudesse
extrair alguns trechos que permitam a quem ler esta postagem constatar o quanto
eles têm a ver com o que é dito no terceiro dos e-mails recebidos. O próximo
parágrafo transcreve o e-mail recebido.
"Muito profunda essa abordagem do luto, salientar lembrar que o luto não se dá só pela morte de alguém, mas pelo término de uma relação amorosa, pelo esfacelamento de uma amizade, por alguém querido que foi morar distante, eles nos levam a sentir a presença em nossos atos diários e olhar com profundidade aquilo que toca ainda em nós."
O próximo parágrafo transcreve os trechos do livro que
associo ao que é dito no parágrafo acima.
"Na cultura ocidental contemporânea há um certo tabu em falar disso, da finitude, do limite. Apesar de a morte ser o carro-chefe do livro, o luto também acontece quando a gente deixa de ser criança, perde o emprego, rompe um relacionamento.""O amor cria a disponibilidade de cuidar e ser cuidado. No luto, as pessoas envolvidas vão ter de fazer esse balanço. E o amor também traz consigo a experiência da perda, não só pela morte, mas essas perdas cotidianas: as separações momentâneas, rupturas unilaterais, rompimento de contratos de vinte, trinta anos... São lutos para os quais às vezes não damos muita atenção e não temos talvez um ritual para poder virar a página."
Você consegue constatar que o que é dito pela minha amiga
e o que é dito pelo filósofo e escritor Renato Noguera têm tudo a ver?
Outro detalhe. Minha pretensão em termos de intervalo
entre as postagens é publicar uma nova postagem seis dias após a mais
recente. Ou seja, se a minha pretensão tivesse sido atingida, esta postagem teria sido publicada no 13 e seria completamente
diferente, pois seria impossível nela
constarem as contribuições dadas pelas minhas três amigas, considerando que a
segunda e a terceira das três contribuições chegaram nos dias 13 e 15,
respectivamente. Mais um detalhe. A sinistra contribuição dada pela Revista Quatro Cinco Um, "chegou"
no dia 18, talvez como presente de aniversário.
Minha próxima pretensão: elaborar uma postagem contendo
as minhas reflexões sobre o magnífico texto da doutora Ana Claudia que levou três
das minhas eternas amigas a enviarem-me as suas. Daqui a quantos dias? Não sei.
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