sábado, 27 de setembro de 2025

Reflexões provocadas por "Amar enquanto é tempo" (I)

Diferentemente das demais postagens do tipo "Reflexões provocadas por ..." em que compartilho reflexões minhas, esta apresenta algumas reflexões que me foram enviadas, por e-mail, por três ex-colegas de trabalho a quem considero eternas amigas.
"Viver é relacionar-se diz o título de um livro de Vimala Thakar (1921 – 2009), ativista social indiana e professora espiritual, que li há muitos anos, e do qual lembrei-me ao ler o primeiro dos três e-mails.
Considerando que relacionar-se é algo que envolve duas pessoas e que jamais existirão duas pessoas iguais, as relações estabelecidas serão sempre algo único. Unicidade que, no meu entender, explica o que diz a amiga que me enviou o primeiro dos três e-mails, reproduzido a seguir.

"Quando alguém que amamos morre, é como se perdêssemos…"

"Eu gostaria de acrescentar… perdemos as conversas que tínhamos somente com aquela pessoa, perdemos as lembranças que junto daquela pessoa gostávamos de recordar, perdemos as lembranças que eram só dela e ela contava, levando a gente a ter aquele passado quase como se fosse nosso."

Ou seja... perdemos várias coisas que tínhamos unicamente com aquela pessoa que morre. Coisas que, "sendo só dela", mas que "sendo por ela nos contado", levava-nos à ilusão de "tê-las quase como se fossem nossas". Ilusão que é desfeita "quando alguém que amamos morre".
Não, no meu entender, mas, no meu observar, "quando alguém que amamos morre", muitas ilusões são desfeitas, dentre elas a de que haverá sempre um amanhã no qual poderemos dedicar às pessoas que dizemos amar, uma quantidade de tempo que seja suficiente para o desenvolvimento de algo que possa fazer jus ao termo convivência. Pegando emprestadas duas frases do texto da doutora Ana Claudia, a ilusão de ser possível adiar, para um nada garantido amanhã, a busca de "tempo para darmos o beijo que não damos hoje, para oferecermos o abraço que não oferecemos hoje, a palavra que não pronunciamos hoje. Para oferecer presença naqueles momentos em que o oferecido foi silêncio".
O terceiro dos e-mails recebido é mais um que fez-me lembrar do referido livro, pois também há nele algo que pode ser explicado pela unicidade de cada relação. Segue a transcrição do terceiro e-mail.
"Principalmente esta frase: 'a morte do outro nos fere como se fosse a nossa ...'"
"Porque morre uma parte de nós com quem vai. E essa dor dilacera ... E leva tempo pra recompor essa parte que se foi, se é que conseguimos..."
Sim, "morre uma parte de nós com quem vai". Que parte? Aquela formada pelas relações que tínhamos "com quem vai".
Quanto à dúvida sobre a possibilidade de conseguir "recompor essa parte que se foi", tenho a seguinte opinião. Considerando que a parte que se foi é formada pelas relações que existiam entre dois espíritos que habitavam uma mesma dimensão, e que recompor pode ser entendido como tornar a compor, entendo que, a partir do momento em que os dois espíritos passam a habitar dimensões diferentes, recompor a parte que se foi é algo, simplesmente, impossível. E diante de tal impossibilidade, entendo que o que resta é tentar preencher "essa parte de nós que morreu com quem vai" com uma forma de relacionamento de outra natureza, embasada no entendimento que cada um tenha do que ocorre com os espíritos que vão desta para outra dimensão. Espíritos que habitam uma mesma dimensão, têm um tipo de relacionamento; espíritos que habitam dimensões diferentes, têm outro tipo, eis algo que a mim parece óbvio, mas como digo no final da primeira frase deste parágrafo, essa é a minha opinião, baseada no que entendo que consegui aprender nesse percurso que a gente chama de vida.
Se, em relação ao primeiro e ao terceiro parágrafos, o que ocorreu foi associar a eles algo que eu tinha lido, em relação ao segundo, a associação que fiz ocorreu no sentido contrário. Foi a leitura de um texto que li após o recebimento do referido e-mail que me levou a associar o que li ao referido e-mail. Ficou confuso? Eu explico.
Cinco dias após o recebimento do e-mail, estando na casa da minha filha, encontrei sobre a mesa da sala de jantar alguns exemplares da Revista Quatro Cinco Um – a revista dos livros. Folheando-as, em uma delas encontrei entre as resenhas nela contidas uma sobre um livro do filósofo e escritor Renato Noguera intitulado "O que é luto: como os mitos e as filosofias entendem a morte e a dor da perda". Foi mais uma daquelas sinistras coincidências com que a vida frequentemente me presenteia quando estou tentando elaborar algum texto.
Detalhe. Entre as várias revistas que ali estavam, aquela em que encontrei algo que tem a ver com o que eu estava escrevendo, não era a edição mais recente, e sim a referente a junho de 2022, que ali havia sido colocada, sabe-se lá como, para que eu a pudesse encontrar e dela pudesse extrair alguns trechos que permitam a quem ler esta postagem constatar o quanto eles têm a ver com o que é dito no terceiro dos e-mails recebidos. O próximo parágrafo transcreve o e-mail recebido.
"Muito profunda essa abordagem do luto, salientar lembrar que o luto não se dá só pela morte de alguém, mas pelo término de uma relação amorosa, pelo esfacelamento de uma amizade, por alguém querido que foi morar distante, eles nos levam a sentir a presença em nossos atos diários e olhar com profundidade aquilo que toca ainda em nós."
O próximo parágrafo transcreve os trechos do livro que associo ao que é dito no parágrafo acima.
"Na cultura ocidental contemporânea há um certo tabu em falar disso, da finitude, do limite. Apesar de a morte ser o carro-chefe do livro, o luto também acontece quando a gente deixa de ser criança, perde o emprego, rompe um relacionamento."
"O amor cria a disponibilidade de cuidar e ser cuidado. No luto, as pessoas envolvidas vão ter de fazer esse balanço. E o amor também traz consigo a experiência da perda, não só pela morte, mas essas perdas cotidianas: as separações momentâneas, rupturas unilaterais, rompimento de contratos de vinte, trinta anos... São lutos para os quais às vezes não damos muita atenção e não temos talvez um ritual para poder virar a página."
Você consegue constatar que o que é dito pela minha amiga e o que é dito pelo filósofo e escritor Renato Noguera têm tudo a ver?
Outro detalhe. Minha pretensão em termos de intervalo entre as postagens é publicar uma nova postagem seis dias após a mais recente. Ou seja, se a minha pretensão tivesse sido atingida, esta postagem teria sido publicada no 13 e seria completamente diferente, pois seria impossível nela constarem as contribuições dadas pelas minhas três amigas, considerando que a segunda e a terceira das três contribuições chegaram nos dias 13 e 15, respectivamente. Mais um detalhe. A sinistra contribuição dada pela Revista Quatro Cinco Um, "chegou" no dia 18, talvez como presente de aniversário.
Minha próxima pretensão: elaborar uma postagem contendo as minhas reflexões sobre o magnífico texto da doutora Ana Claudia que levou três das minhas eternas amigas a enviarem-me as suas. Daqui a quantos dias? Não sei.

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