"Olhares apressados, acadêmicos que quiseram - seguindo a onda do momento - escrever antes que os outros e publicar, olhares que não deram o tempo da fotografia nem para a fotografia - parafraseando o professor brasileiro Boris Kossoy. Pressa em julgar fotógrafo e fotografia! Faltou tempo para analisarmos a imagem.", diz Simonetta Persichetti no segundo parágrafo de sua excelente reportagem intitulada O menino que nos ensinou a ver, espalhada pela postagem anterior.
"Escrever antes que os outros e publicar", eis a onda do momento! Onda que me traz à mente uma reportagem intitulada Como não ser escravo da notícia, publicada na edição 240 da revista Trip em fevereiro de 2015. Uma reportagem sobre uma revista inglesa que, indo contra a onda do "escrever antes que os outros e publicar", "tem orgulho de ser a última a dar as notícias'".
Como não ser escravo da notícia
Velocidade é o que importa? Não para Rob Orchard e os editores da Delayed Gratification, uma revista inglesa que pretende ser a última a cobrir os fatos
Em um jornalismo dominado por um fluxo incessante de informações, em que ser o primeiro a dar uma notícia - mais do que a qualidade - é o principal objetivo, o britânico Rob Orchard resolveu dar um passo para trás. Há quatro anos, fundou a revista Delayed Gratification, que segue o princípio do slow journalism: publicada apenas quatro vezes por ano, oferece reportagens sobre as principais notícias dos últimos três meses. (O título da revista significa "gratificação adiada", o ato de deixar um prazer para depois.)
"Há uma parede de informação imensa que chega até nós 24 horas por dia e é demais para nos mantermos por cima", afirma Orchard, que hojé é diretor editorial na The Slow Journalism Company, empresa que publica a Delayed Gratification. "Há muita necessidade de fazer curadoria de notícias - cortar todos os ruídos, absurdos e trivialidades que gastam tempo, trazendo aos leitores as histórias que importam." Para isso, a revista expande a cobertura de fatos marcantes, recupera histórias que foram esquecidas pelo público e tem orgulho de ser a "última a dar as notícias".
O termo slow journalism, claro, é inspirado nas outras correntes do slow movement - o slow food e o slow travel são os mais famosos. A semelhança entre essas propostas, seja cozinhar ou viajar, e o jornalismo da Delayed Gratification, explica Orchard, é a ideia de ter tempo, seja para produzir ou para ler algo de qualidade. A quantidade absurda de notícias na internet, por outro lado, "pode comer o seu tempo, deixá-lo ansioso e tornar muito mais difícil para você sentar e se concentrar".
Orchard é otimista em relação ao futuro do slow journalism como um movimento. "Quanto mais as pessoas se desiludirem com notícias inspiradas pelo Twitter, que dizem o que está acontecendo em vez de o que as coisas significam, mais publicações e organizações vão aparecer em torno dessa ideia", diz. "Será sempre um nicho, mas pode fornecer um antídoto útil e nutritivo para a atual configuração da mídia."
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"... um fluxo incessante de informações, em que ser o primeiro a dar uma notícia - mais do que a qualidade - é o
principal objetivo", afirma o britânico Rob Orchard, fundador da revista Delayed Gratification ("gratificação adiada"), em relação ao jornalismo destes tempos.
"Olhares apressados, acadêmicos que quiseram - seguindo a onda do momento - escrever antes que os outros e publicar", afirma Simonetta Persichetti, jornalista e crítica de fotografia, em relação ao modo como foi olhada a fotografia de um menino que, em estado de encantamento, assiste, nas ondas de Iemanjá, a queima de fogos do réveillon de 2018. Fotografia que pode ser vista em O menino que nos ensinou a ver.
Vocês enxergam alguma afinidade entre as afirmações de Rob Orchard e de Simonetta Persichetti? Tudo a ver, não?
"Velocidade é o que importa?" - eis a indagação que inicia o subtítulo da reportagem espalhada por esta postagem.
Indagação respondida, no próprio subtítulo, assim: "Não para Rob Orchard e os editores da Delayed Gratification, uma revista inglesa que pretende ser a última a cobrir os fatos."
Indagação que, contrariamente à resposta apresentada no parágrafo anterior, pode ser respondida assim: Sim para uma absurda quantidade de integrantes desta desvairada civilização (sic) para a qual, não apenas na divulgação de notícias, mas em toda e qualquer atividade em que seja possível ser usada, velocidade é o que importa.
A quem discordar de tal afirmação, sugiro refletir sobre a relação da maioria das pessoas com duas coisas elevadas à condição de imprescindibilidade nesta dimensão deste planeta. Quais são essas coisas? Internet e smartphones. Vocês concordam que em cada novo G (3G, 4G, ... nG) que seja disponibilizado a vantagem nele mais enaltecida é o aumento de velocidade que proporciona aos seus escravizados usuários?
Choca-os a expressão escravizados usuários? Acham-na exagerada? Então, leiam o que diz o cantor Armandinho em uma matéria contendo um desabafo sobre sua relação com os smartphones, publicada na internet no dia 16 do mês passado. "Acho triste sermos escravizados como nos filmes, algemados sem ter algemas, e pagar 7.000 reais para ser preso.".
"Pagar para ser escravizado; pagar para ser algemado sem algemas", para usar um grilhão digital! Um grilhão digital que precisa periodicamente ser atualizado para uma versão que aumentando sua velocidade de operação aumente também o grau de escravização. Sinistro, não?! E ao falar em grilhão digital, em mais uma aplicação do método das recordações sucessivas, recordo nesta postagem algo lembrado por Ricardo Antunes em um artigo intitulado A fatura do bem-estar publicado na edição de 16 de setembro de 2012 do jornal O Estado de S. Paulo.
O que Ricardo Antunes lembrou em seu artigo? Que "BlackBerry era o grilhão usado durante a escravidão, nos Estados Unidos, que atava os pés dos negros como forma de impedir sua fuga. Só que agora adentramos na fase do grilhão digital.".
O que fez Ricardo Antunes lembrar o uso do BlackBerry durante a escravidão, nos Estados Unidos? O fato de BlackBerry ser o nome de uma empresa que ajudou a criar a indústria de smartphones. Uma empresa que tendo decidido criar uma linha de smartphones e tablets para o mundo corporativo deu aos seus produtos o próprio nome da empresa, e que até 2007 tinha-os como sonho de consumo das pessoas. Ou seja, uma empresa que criara um grilhão digital que se tornara o sonho de consumo dos escravizados.
O tempo passou, o sucesso da BlackBerry passou, e neste mundo insano em que sobrevivemos o lugar da BlackBerry outra empresa ocupou, pois o que parece que nele jamais passará é a facilidade com que a maioria das pessoas adere de bom grado a coisas que as escravizam; e pelas quais até se dispõe a pagar. Estúpido, não?!
E tome método das recordações sucessivas, hein! Método que faz com que o parágrafo anterior me faça lembrar aquela famosa afirmação de Albert Einstein: "Existem apenas duas coisas infinitas - o universo e a estupidez humana. E não tenho tanta certeza quanto ao universo.".
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