sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Na essência do conflito (I)

A ocorrência de mais um trágico episódio envolvendo alunos daquele que talvez seja o mais famoso colégio do Rio de Janeiro (Colégio de São Bento), despertou-me a vontade de espalhar as ideias de Yves de La Taille apresentadas em uma entrevista publicada na mais recente edição (nº 185) da revista Educação, em uma reportagem de Estevan Muniz intitulada Na essência do conflito. Em conformidade com a ideia de não desestimular leitores de pouco fôlego, a reportagem foi divida em duas partes.
Na essência do conflito
Para o pesquisador de psicologia moral Yves de La Taille, as escolas enfrentam indisciplina e problemas de convívio porque estão transmitindo valores egoístas aos alunos
Yves de La Taille é um popstar. Ao final de uma palestra sobre formação moral e ética em um congresso para educadores em São Paulo, os professores fazem fila para tirar fotografias ou lhe pedir para autografar um dos seus vários livros sobre educação. A razão? Ele parece trazer soluções para educadores que enfrentem, no dia a dia, graves problemas de indisciplina, desrespeito e violência com seus alunos. Professor de psicologia do desenvolvimento na Universidade de São Paulo (USP) e autor dos livros Ética para meus pais, Indisciplina e Formação ética, entre outros, La Taille não tem celular, é avesso ao consumismo e condena a vida baseada na procura pela riqueza. Para ele, o mundo vive uma crise de valores éticos e morais, e ela, obviamente, alcança os alunos.
O professor acredita que falta às escolas esforço em transmitir tais princípios. Não se trata de simplesmente estabelecer regras morais: o que pode ou não pode fazer, mas da opção ética da escola, ou seja, sua compreensão como deve ser a vida. Para ele, não adianta esperar que os alunos vivam harmoniosamente e solidários, se as escolas pregam que desejam formar vencedores e líderes. O professor, sozinho, sem um programa institucional, pouco pode alcançar.
Na entrevista a seguir, ele comenta sobre a formação ética e moral, o papel da escola, a relação desta com a família e os problemas de convívio dentro das salas de aula.
Qual a diferença entre moral e ética?
Na nossa tradição filosófica e jurídica quase sempre usamos a palavra ética e a palavra moral como sinônimas, entendendo que um problema ético e um problema moral seriam transgressões às regras. Porém, existe também na tradição filosófica uma outra possibilidade. À ética reservamos a questão do modelo de vida que se deseja ter, a questão da vida boa, da existência. E à moral, o que costuma ser a sua definição habitual: um conjunto de regras e deveres, que, se não forem seguidas, correspondem a transgressões. Portanto, podemos reservar à palavra moral a pergunta “Como devo agir?” e à palavra ética a pergunta “Que vida eu quero viver?”. Eu faço essa diferenciação e articulação entre moral e ética porque, do ponto de vista psicológico, ela é extremamente relevante. Para explicar como uma pessoa legitima o conjunto de regras morais é preciso saber que perspectivas éticas ela adota. A formação ética e moral caminhará nesse sentido.
Vivemos um período de crise de valores éticos e morais, um momento crítico para a convivência, segundo o senhor e diversos outros estudiosos. Como a escola pode se posicionar nesse cenário? A escola está preocupada com essas questões?
Frequentemente o que motiva uma escola a me chamar para dar uma palestra são os problemas de violência, indisciplina e desrespeito enfrentados pelos professores, uma questão, digamos, muito pragmática. Então, a questão é moral. A preocupação sobre ética praticamente não existe nas escolas, muitas nem sabem o que é ética. Tento insistir com esses educadores que não é só uma questão de moral, mas ética também. É preciso perguntar: que valores existenciais essa escola passa? Você vê algumas escolas que parecem shoppings; suas paredes suam riqueza.
As escolas têm transmitido valores que dificultam o convívio?
A escola tem de se preocupar com os valores de vida. Não que ela deva impor aos seus alunos, pois ela não tem esse direito, mas é o que está nas paredes. Tem escolas em que você entra e a primeira coisa que vê é troféu. Ou seja, ela diz : “nós somos uma escola de vencedores”. Eu, sinceramente, prefiro uma escola em que a primeira coisa que se vê sejam trabalhos de alunos, símbolos ligados ao conhecimento, a alternativas ao mundo exterior. Frequentemente as escolas pensam: “vamos formar líderes”. Essas escolas fazem uma opção ética clara: é preciso ser competente, vencedor e líder. Isso é um entendimento sobre o que é ser alguém na vida, que, a meu ver, não é muito coerente com depois falar de respeito e solidariedade.
“Os professores enfrentam problemas de violência, falta de disciplina e desrespeito. Essa é uma questão moral. A preocupação sobre ética praticamente não existe. É preciso perguntar: que valores existenciais essa escola passa?”
Continua na próxima terça-feira

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