Então, conseguiram ler a postagem anterior sem pressa? Espero que sim, e que não tenham agido de forma parecida com a relatada em uma resposta que recebi de um e-mail. “Guedes, em dois minutos li e compreendi toda a parábola, mas (...)”. Sim, em dois minutos ele lera e compreendera toda a parábola; mas (...) de uma maneira toda equivocada. E confirmara a veracidade de uma afirmação atribuída a Alexander Pope: “Algumas pessoas nunca aprendem nada porque entendem tudo muito depressa”. A pressa é inimiga da perfeição, diz um antigo e “incompleto” ditado, pois ela também é inimiga da compreensão do que se lê e do aprendizado do que se deve compreender.
“Porém, no mundo corrido de hoje, nem tudo é para ser lido devagar. Para a professora de língua portuguesa da Universidade do Rio de Janeiro Maria Teresa Tedesco é o objetivo da leitura que define o ritmo. ‘A leitura lenta talvez seja mais propícia à meditação e reflexão enquanto a leitura rápida está mais ligada à funcionalidade’, diz.”
Concordo plenamente que nem tudo é para ser lido devagar e dou o seguinte exemplo. Ler devagar o que está escrito em uma placa de trânsito pode ser uma maneira extremamente rápida de se chegar ao outro mundo, não é mesmo? Portanto, da mesma forma que os limpadores de pára-brisas, os leitores devem ter mais de uma velocidade. E enquanto os limpadores usam cada uma delas de acordo com a intensidade da chuva, os leitores devem usar as suas de acordo com a densidade do que se lê.
O tema da reportagem é o slow reading, mas para introduzir o assunto a repórter cita um slow que surgiu antes: o slow food (hábito de comer devagar). E ao fazê-lo me faz lembrar a seguinte frase que li no cardápio do Rio Minho (um restaurante que segue a linha comer devagar): Invista em fazer certo as coisas ao invés de tentar consertá-las. E a quantidade de trabalhos que, por não atenderem as necessidades do solicitante, vi serem refeitos, durante 3,7 décadas de atuação no teatro corporativo, sugerem reescrever a frase da seguinte forma: Invista em fazer as coisas com calma em vez de ter que consertá-las ou refazê-las.
E quais são os motivos mais comuns para refazer trabalhos? A pressa, pois ela é inimiga não só da perfeição, mas também da obtenção de verdadeiras soluções. Apressados se satisfazem com paliativos e para justificar tal atitude alegam ter feito o possível. Apressados jamais concordarão com a seguinte afirmação de Winston Churchill: “É inútil dizer: “Estamos fazendo o possível.” É preciso fazer o que é necessário”. Jamais entenderão que de tanto fazerem apenas o possível chegará o dia em que encontrar a solução do problema será, simplesmente, impossível.
E associar solução de problemas e pressa me faz lembrar de algo que li no livro intitulado O Segredo Judaico de Resolução de Problemas, de Nilton Bonder.
“Numa pergunta fundamental para a questão da produtividade, por exemplo, os rabinos inquiriam seus discípulos:‘O que é melhor: um cavalo rápido ou um cavalo lento? Respondiam: depende de estar-se ou não no caminho certo.’É evidente que um cavalo rápido é preferível, pois a condição ‘cavalo’ pressupõe transporte e este pressupõe eficácia, em termos de se dar no menor tempo possível. Os rabinos, entretanto, visavam com esta pergunta a atiçar exatamente os condicionamentos que automaticamente fariam seus discípulos identificarem no cavalo rápido a melhor opção. (...). Se um caminho estiver errado, será melhor um cavalo lento, considerando-se que ele avançaria menos na direção errada até dar-se conta de seu equívoco. (...). Se não sabemos qual o caminho certo, conhecer os riscos envolvidos na utilização de um ‘cavalo rápido’ possibilita que intensifiquemos nossas buscas a fim de estabelecer o mais prontamente possível a direção correta.”
À luz da ideia passada por O Segredo Judaico de Resolução de Problemas, interpretem a “pérola” que ouvi durante uma reunião de trabalho.
“O problema ainda não estava entendido, mas como, pelo cronograma, já deveríamos estar desenvolvendo a solução, partimos para a solução.”
Em minha opinião, a decisão de partir para o desenvolvimento da solução de algo que ainda não tenha sido entendido é mais do que a opção por um cavalo rápido, é uma autêntica demonstração de “burrice”.
Mas, felizmente, os movimentos para propagar a calma continuam surgindo. Em 8 de agosto de 2011, o jornal Folha de S. Paulo publicou uma reportagem intitulada Devagar e sempre que focaliza um movimento denominado slow science que começou na Alemanha e está ganhando, aos poucos, os corredores acadêmicos. A causa é nobre: mais tempo para os cientistas fazerem pesquisa e poderem analisar as hipóteses em profundidade antes de tirarem conclusões precipitadas, diz a reportagem.
E é nesta sociedade onde as pessoas apressam-se com a ilusão de ganhar tempo que Ciro Marcondes Filho escreveu um livro intitulado Perca Tempo – É no lento que a vida acontece. Comprei o livro e a ideia, e se alguém quiser perder tempo lendo o livro, me comunique.
Aos que gostam de música indico uma antiga canção de Almir Sater e Renato Teixeira, intitulada “Tocando em frente”, que começa assim: “Ando devagar porque já tive pressa”. Existem várias versões, mas a minha preferida é a interpretada por Maria Bethânia. Para os que não conhecem a música, e também para os que conhecem, sugiro que encontrem tempo para procurá-la no YouTube e para escutá-la sem pressa. A música termina assim:
“Cada um de nós compõe a sua históriaE cada ser em si carrega o dom de ser capazDe ser feliz”
Portanto, deixem de lado a pressa, pois ela não os levará a algum lugar que preste, componham a sua história, usem o seu dom e sejam felizes.
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